Retorno dos usuários ao transporte público só deve acontecer com a redução dos preços e a melhoria na qualidade do serviço, defende João Rezende
Cansado de promessas de melhorias para o transporte público, João Rezende tomou decisão e se licenciou do cargo de diretor-presidente do Consórcio Guaicurus para colocar o seu nome à disposição nas eleições de 2022. O empresário se filiou ao PP e deseja concorrer ao cargo de deputado federal. A vasta experiência em mobilidade urbana e no sistema de transporte público de Campo Grande o faz entender que é necessário alcançar avanços na esfera federal, como, por exemplo, a ampliação dos sistemas de corredores exclusivos para ônibus. Além disso, buscar um serviço mais eficiente e rápido que atenda as necessidades dos usuários. “Se renovarmos a nossa frota em 100% hoje, e amanhã colocar todos os ônibus com ar-condicionado, o que vai mudar em termos de rapidez? Nada. E no cumprimento de horário? Nada”, pontuou.
João Rezende afirma que o transporte público necessita da implantação da “Tarifa Zero” em Campo Grande, mas, para isso, precisará do apoio de todas as esferas, principalmente para o desenvolvimento e a criação do fundo direcionado aos ônibus. “Não pode apenas um prefeito dar as cartas e a direção para o transporte. Ele precisa de muito mais do que isso, precisa de recursos financeiros, precisa de legislação para que não aconteça de o prefeito, por exemplo, de Campinas dar o subsídio, e em Campo Grande não. Em Araucária, no Paraná, é Tarifa Zero, temos 40 cidades no Brasil onde as prefeituras adotaram a Tarifa Zero”, expõe.
“Quando falamos em Tarifa Zero, na verdade não existe milagre, como o SUS, por exemplo. Devemos criar o fundo do transporte para que ele também seja entregue de maneira gratuita no momento da utilização”, completou.
Em entrevista ao jornal O Estado, João Rezende, diz que há mais nomes ligados ao transporte público almejando disputar uma cadeira federal por outros estados, cujo ter o mesmo objetivo: melhorar o transporte público. Novato na política, o empresário citou que a escolha pelo PP de MS surgiu naturalmente, sem anuência de apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
O Estado: O senhor pela primeira vez se filia ao partido pensando em concorrer à eleição. Cansou das promessas de melhoria para o transporte público?
João Rezende: A minha bandeira e a minha proposta vão mais do que o transporte público. É em cima da mobilidade urbana com o foco no transporte público. Por que eu já trabalho com o sistema de transporte há muitos anos, mas no momento da pandemia foi quando eu comecei a despertar interesse por buscar soluções para diversos problemas.
O transporte público é um direito que o cidadão tem e, no entanto, nós temos cada vez menos pessoas utilizando o transporte; as pessoas estão saindo do transporte urbano por algumas razões, como o preço e a rapidez.
Hoje, o ônibus está muito lento, então as pessoas, mais do que nunca, valorizam muito o tempo. Você vê essa necessidade até mesmo em um aparelho de celular, que às vezes fica demorando; a moeda mais valiosa que nós temos hoje é o tempo.
E os ônibus estão na contramão, porque as cidades estão sendo planejadas excluindo os ônibus, elas estão sendo construídas para o império do automóvel, e quando nós assistimos aqui em Campo Grande à construção de alguns corredores, isso nos dá, de certa forma, alguma esperança.
Então, para o cidadão voltar para o ônibus, ele precisa ter um preço bem menor do que está sendo praticado; aí eu falo em Tarifa Zero, porque como ele é um direito social, equiparado a educação, a segurança, a saúde, então nem o governo federal, nem o estadual e municipal se entrosaram a ponto de entregar esse benefício, e é nessa direção que eu, como parlamentar, se me for dada a oportunidade, quero trabalhar.
Por que precisa de uma mudança na política nacional. Não pode apenas um prefeito dar as cartas, a direção para o transporte, ele precisa de muito mais do que isso, ele precisa de recursos financeiros, precisa de legislação, para que não aconteça de o prefeito, por exemplo, de Campinas dar o subsídio, e em Campo Grande não. Em Araucária, no Paraná, é Tarifa Zero, temos 40 cidades no Brasil onde as prefeituras adotaram a Tarifa Zero, isso é o que eu tenho como meta; nós vamos alcançar isso.
Pode ser que em um primeiro momento não, mas gradativamente nós vamos chegar até a Tarifa Zero. Quando falamos em Tarifa Zero, na verdade não existe milagre, como o SUS, por exemplo, a população não paga para ser atendida naquele momento, mas pagou antecipadamente ou vai pagar, todos pagam e por isso é possível ter o tratamento de saúde gratuito, estudar em escolas públicas gratuitas, porque o governo arrecadou e arca com aquela despesa.
O Estado: Campo Grande tem condição de implantar a “Tarifa Zero” como já existe em outras cidades?
João Rezende: Campo Grande hoje não tem, a prefeitura, com certeza, não tem caixa suficiente para isso. Quem trata da Tarifa Zero é exatamente o Poder Público: disponibilizar o que já está na Constituição Federal, é um direito do cidadão, mas infelizmente Campo Grande, como a maioria das cidades, não criou essa condição.
Temos 40 cidades no Brasil que já oferecem, mas não podemos ficar dependendo só do prefeito, precisamos de uma política nacional para que a Tarifa Zero seja implantada definitivamente e com segurança. Mas nós podemos começar. Campo Grade iniciou agora em janeiro um passo importante, que é o pagamento da gratuidade dos alunos da rede municipal e dos deficientes; já e um primeiro passo, mas precisamos continuar.
O governo federal, por exemplo, garantir o pagamento da gratuidade dos idosos, porque foi a Constituição Federal que deu a gratuidade dos idosos, mas colocou a conta para o cidadão pagar, e os idosos hoje são a segunda categoria que mais utiliza o transporte de maneira gratuita; os primeiros são os estudantes. Então é preciso que o governo federal pague a gratuidade dos idosos, que o fundo da educação pague a gratuidade dos estudantes, e nós vamos ir conquistando essa Tarifa Zero gradativamente.
O Estado: Mas de onde viria o financiamento para bancar o subsídio?
João Rezende: Ele viria dos cofres públicos, de impostos federais, estaduais e municipais.
O Estado: Por que não é vista como prioridade pelos planos de governo a mobilidade urbana?
João Rezende: Estou fazendo uma pós-graduação em Ciências Políticas e nesta semana tive aula e vi uma citação de Aristóteles que versa mais ou menos o seguinte: Quando um bem público, quanto menor o número de pessoas dependem dele, mais cuidado ele tem. Porque a pessoa tem tendência de cuidar daquilo que é de interesse dele, e do que é de interesse público, que abrange um número maior de pessoas, ele fica em segundo plano, e assim é o transporte. Uma outra questão importante é que as pessoas, até por uma questão de vaidade, querem ter o próprio meio de transporte, não querem depender de ônibus, até porque existe um certo preconceito. Mas o transporte por ônibus ou metrô é dos mais seguros.
Quantas pessoas saíram do transporte de ônibus e compraram uma moto e se acidentaram? Quantos já faleceram? Quantos ficaram com sequelas graves?
O transporte bom, que é o que se compara, às vezes, com a Europa e os Estados Unidos, custa caro. O cidadão não suporta pagar, só na tarifa, então tem algumas cidades que não entregaram a Tarifa Zero, mas diminuem de certa maneria o valor, como é o caso de São Paulo; lá a tarifa cobrada é de R$ 4,40, o mesmo preço de Campo Grande, só que lá o governo municipal gasta R$ 4 bilhões por ano, para pagar a diferença que falta entre R$ 4,40 e em torno de R$ 8, que é a tarifa técnica.
O Estado: Se os recursos fossem melhores administrados a implantação de corredores de ônibus já poderia ser concluída?
João Rezende: Em Campo Grande estão atrasados há pelo menos 20 anos. Porque Campo Grande implantou o sistema integrado de transporte copiando o de Curitiba, aliás foram os técnicos de Curitiba que vieram para Campo Grande nos anos 90 e deram o primeiro passo, com a construção dos terminais General Osório, Morenão, Bandeirantes e Júlio de Castilho, e ficaram apenas nas construções dos terminais.
Nós não temos um metro de corredor funcionando, temos 30 anos, e Curitiba nunca parou de evoluir, é referência mundial, lá nós temos uns 300 km de corredor de ônibus e Campo Grande a fazer.
O Estado: Estando na Câmara, o que é possível fazer para usuário do transporte?
João Rezende: Por exemplo, obrigar cidades que tenham, por exemplo, acima de 100 mil habitantes ou 200 mil com base em um estudo técnico, mas obrigar à implantação dos corredores de ônibus. Porque em Campo Grande, se renovarmos a nossa frota em 100% hoje, e amanhã colocar todos os ônibus com ar-condicionado, o que vai mudar em termos de rapidez? Nada. E no cumprimento de horário? Nada. Então, sem a infraestrutura não é possível.
O Estado: Campo Grande, se comparar com as principais cidades do Brasil, está atrasada em quais aspectos?
João Rezende: A maioria das capitais tem corredor de ônibus; volto a repetir: a infraestrutura é fundamental. Nós já fomos referência para o Brasil em qualidade de transporte, quando ainda tínhamos uma velocidade média maior da frota, hoje não. Hoje, mesmo de motocicleta, de automóvel, as pessoas têm dificuldade de se deslocar, imagina um ônibus com 21 metros de comprimento disputando o mesmo espaço no trânsito. É uma utopia. E nós queremos que cumpram horários rígidos; sem infraestrutura não vai avançar.
O Estado: Pela experiência que tem sobre trânsito, Campo Grande tem público e condição de implantar VLTs?
João Rezende: Em um primeiro momento não tem demanda para isso. Nós temos de fazer o arroz com feijão, primeiro. Curitiba, que é referência mundial, não tem, e lá é ônibus. A nossa demanda ainda não justifica, o que precisamos são de faixas exclusivas e corredores.
O Estado: Seu nome foi escolhido por um grupo de empresários ligados ao transporte público. Mais candidaturas serão lançadas pelo país defendendo os mesmos projetos de mobilidade urbana?
João Rezende: Nós temos alguns colegas em Santa Catarina, no Paraná e no Nordeste com essa atuação também.
O Estado: A escolha do PP de MS foi feita naturalmente?
João Rezende: Naturalmente, mas também considerando uma sinergia nesta direção, de transporte público e mobilidade. É algo de muita relevância e é um tema muito atual e de fácil debate, complexo, mas que mexe de imediato com o interesse de todos nós.
Porque, querendo ou não, somos afetados pelo transporte público e pela mobilidade urbana, pois hoje uma das grandes dificuldades é você se locomover pelo perímetro urbano com segurança. Então, o PP tem esse entendimento e é por isso que eu fui pra lá.
O Estado: Os empresários estarão em que lado: apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro ou de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência?
João Rezende: Eu ainda não tenho essas, eu diria, essas alianças, essas costuras, que ainda estão sendo feitas entre possíveis formações de federações, algo que ainda está sendo costurado, e por ocasião das convenções é que nós vamos ter um quadro mais claro e definido.
(Texto: Camila Farias e Michelly Perez)