Marco temporal aprovado abre caminho para novas polêmicas

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temporal estão à mesa
os senadores Soraya
Thronicke, Marcos Rogério,
Jorge Seif e o presidente,
Rodrigo Pacheco/Waldemir Barreto - Agência Senado
Foto: Na votação do marco temporal estão à mesa os senadores Soraya Thronicke, Marcos Rogério, Jorge Seif e o presidente, Rodrigo Pacheco/Waldemir Barreto - Agência Senado

Oposição e base aguardam para saber se projeto será sancionado

Na quarta-feira (27), o Senado Federal aprovou, por uma margem de 43 votos a favor e 21 contrários, o polêmico projeto do marco temporal, que estabelece o ano de 1988 como referência para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A decisão vem após uma série de debates e tensões sobre o tema e contrapõe a recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que rejeitou a aplicação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. 

A aprovação abre caminhos para que projetos sobre criminalização do porte de maconha, criminalização do aborto e proibição de casamentos homoafetivos, assuntos que também já passaram pela Corte, sejam estabelecidos nas casas legislativas.

O STF emitiu um veredicto por 9 votos a 2, na quinta-feira passada (21), determinando que a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, não deve ser utilizada como critério único para definir a ocupação tradicional de terras indígenas. No entanto, em uma rápida articulação da bancada ruralista e senadores alinhados à direita política, o projeto do marco temporal foi aprovado quase uma semana depois, reafirmando o ano de 1988 como marco para demarcação de terras indígenas. 

Duas senadoras de Mato Grosso do Sul, Soraya Thronicke (Podemos) e Tereza Cristina (PP), votaram a favor do projeto, enquanto o senador Nelsinho Trad (PSD) não participou da votação. Agora, o projeto segue para a sanção da Presidência da República.

A base do governo planeja solicitar o veto presidencial ao projeto e buscar apoio para manter o veto, quando o projeto retornar ao Congresso. Enquanto isso, a oposição celebrou a aprovação, indicando a intensificação dos debates e embates políticos em torno desse tema controverso e de outros assuntos igualmente sensíveis.

Marco temporal 

A senadora Tereza Cristina afirmou, durante entrevista, na “Rádio Bandeirantes” que o projeto representa uma forma de prestar contas à sociedade, destacando a importância dele na pacificação nacional. “Na minha visão, é a única maneira de se pacificar o país e ter segurança jurídica tanto para os indígenas quanto para os produtores. Estou feliz de que o Congresso fez a sua parte e foi até uma surpresa o número de 43 favoráveis.”

Sobre o STF, a senadora diz que espera que esse tema seja uma página virada. “Não entendo a lógica dessa tese, de voltar ao ano de 1500. Claro que os indígenas estavam aqui. Mas, se houve injustiça, que se faça justiça a partir de agora. A minha lógica é completamente diferente dessa.” 

O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL) indicou que o STF “foi irresponsável” e que se o governo vetar, os parlamentares vão se articular para derrubar o veto. Ele classificou a aprovação como uma vitória do agro. “Devido à irresponsabilidade do STF, estamos presenciando conflitos no Brasil todo. A paz no campo foi abalada, mas nós vamos recuperá- -la novamente, pois o Senado acabou de aprovar o marco temporal e o Supremo terá que respeitar a decisão.”

“É importante enfatizar que minha posição não nega, de forma alguma, os direitos dos povos indígenas. Busco uma abordagem equilibrada e coerente, que estabeleça critérios justos para demarcações de terras, garantindo simultaneamente o direito de propriedade”, disse o deputado Dr. Luiz Ovando (PP). 

A senadora Soraya disse que enquanto o Legislativo não fizer o seu papel, o Judiciário vai agir. “O projeto, que ficou parado na Câmara dos Deputados por longos 16 anos, chegou em minhas mãos para relatoria na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal e foi aprovado. Enquanto não há definição em lei, o Poder Judiciário age, na omissão do Poder Legislativo, infelizmente.” 

STF terá última palavra sobre o projeto aprovado

O cientista político e doutor da Uems (Universidade Estadual de MS), Ailton de Souza, afirma que será um tanto trabalhoso para os senadores de oposição sustentar a acusação de que o STF estaria legislando em seu lugar. Ele diz que pode haver um mais um revés, por exemplo, sobre o marco temporal no Supremo, caso ele seja provocado novamente e considerar a lei aprovada inconstitucional. Primeiro que o presidente precisa sancionar a lei, caso vete parcial ou total, o Senado poderá derrubar o veto ou arquivar. 

Para Souza, o tema é emblemático, já que simboliza uma queda de braço entre os Poderes Legislativo e Judiciário, além da luta constante entre grupos políticos da direita e da esquerda. “Se o STF considerar que a lei fere a Constituição, ele sim terá a palavra final”. Sobre a possibilidade de o STF considerar inconstitucional, mesmo após a aprovação no Senado, a senadora Tereza Cristina afirma que os parlamentares terão de “fabricar outro remédio”, por meio de uma PEC. “Temos que avaliar quais serão os próximos passos, mas infelizmente temos senadores da situação que já disseram que vão entrar no STF questionando a inconstitucionalidade. Aí vamos ver o que vai acontecer. Vai começar tudo de novo e vamos ver qual será o prosseguimento que o Supremo dará. Mas, se for preciso, já temos algumas PECs, inclusive a PEC 48, já aprovada e eu soube que estão colhendo assinaturas para fazer outra PEC. Enfim, aí vamos ter que pensar em outro remédio para isso. Já que insistem que a Constituição não foi clara sobre a data do marco temporal, que façamos uma PEC. E acho que temos votos suficientes para vencer esse tema”, explicou a senadora Tereza Cristina.

 

Pontos do projeto estimulam a atividade produtiva dos índios

O texto aprovado no Senado, com 43 votos a favor e 21 contrários, é de autoria do falecido deputado Homero Pereira (1955-2013) e foi relatado no Senado por Marcos Rogério (PL-RO), seguindo para a sanção da Presidência da República. A matéria foi aprovada na manhã da mesma quarta-feira (27) pela CCJ e enviada ao plenário, onde foi aprovado requerimento para tramitar em regime de urgência. Veja os principais pontos

Marco Temporal para demarcação

O ponto essencial do projeto estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Apenas territórios que estavam ocupados pelos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, podem ser demarcados.

Critérios para demarcação

Para que uma terra seja considerada “área tradicionalmente ocupada” pelos indígenas, é necessário comprovar que ela era habitada pela comunidade indígena em 5 de outubro de 1988, era usada de forma permanente e para atividades produtivas, era essencial para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar. Terras que não estavam ocupadas por indígenas e não eram objeto de disputa na data do marco temporal não podem ser demarcadas.

Áreas preservadas

As “áreas reservadas” continuarão sendo da União, mas serão geridas pelos indígenas instalados nelas, sob supervisão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Mas terras adquiridas por indígenas por meio de compra, doação ou outros meios previstos na legislação serão consideradas propriedade particular.

Por – Rayani Santa Cruz

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