Júri de réus por morte em lava-jato é marcado pelo confronto entre promotoria e defesa

julgamento caso lava jato
Foto: Nilson Figueiredo/Jornal O Estado MS

Seis anos depois, acusados mantiveram a tese de que o crime foi cometido durante uma brincadeira

Seis anos depois da morte de Wesner Moreira da Silva, em um lava-jato, os acusados foram a júri popular ontem (30), em Campo Grande. O adolescente morreu após Willian Enrique Larrea e Thiago Giovanni Demarco Sena introduzirem uma mangueira de ar comprimido no corpo da vítima, em fevereiro de 2017. Os réus foram submetidos a julgamento da 1ª Vara do Tribunal do Júri. O encontro entre familiares e acusados foi marcado pelo confronto entre a promotoria e os advogados de defesa. 

Durante o julgamento, o perito criminal Marco Antônio Araújo Mello, arrolado para depor no plenário, afirmou que a pressão correspondeu a 45 quilos. De acordo com o perito, ele foi chamado, no dia anterior à morte da vítima, pelo delegado da época, Paulo Lauretto, ao hospital e a vítima estava vomitando sangue e já tinha passado por uma cirurgia. “Quando se tem a ruptura do esôfago, é 100% fatal”, afirmou. 

Ele ainda explicou que a pressão exercida pela mangueira rompeu vários órgãos da vítima. Segundo investigações, se Wesner estivesse vestido, o ar iria se desviar nas vestimentas e tomar outra direção. “O resultado final da força do ar que matou Wesner. A lesão resultou em deslocamento de ar em alta velocidade, causando um barotrauma”, afirmou. 

Para explicar as consequências da ação, o perito citou o exemplo de que, se a mangueira tivesse sido colocada perto do rosto, a uma velocidade de 15 psi, seria capaz de arrancar o globo ocular de uma pessoa. “O ar mata. Compressor de ar não é brinquedo, é material de trabalho”, concluiu. 

A dupla foi julgada por homicídio com dolo eventual, por causa do risco de morte, conforme denúncia do Ministério Público, considerando que os acusados sabiam da força gerada pela mangueira.

Brincadeira

Em depoimento, Thiago Giovanni Demarco, 26, negou que tivesse tirado a bermuda e a cueca do adolescente, como consta na denúncia do MP. Em sua fala, ele reafirmou que as brincadeiras eram constantes e que, antes do ocorrido, Wesner havia usado a mangueira contra William, também de brincadeira. “Ele [William] estava fazendo xixi e o Wesner pressionou o ar na direção das nádegas do William, ele sempre fazia isso”, contou. 

O réu afirmou ter sido nesse momento que tudo começou. “Eu peguei a mangueira de compressão e apertei na direção do Wesner, mas por cima do short. Aí ele falou, ‘para, que tá doendo’, e vomitou”, lembrou. “Puxei a cadeira, ele sentou e dei água; ele levantou a blusa, a barriga dele estava inchada e o William falou ‘acho que entrou ar nele” ‘. Depois disso, o adolescente teria vomitado novamente e começado a chorar, alegando que estava doendo muito. 

Thiago afirmou que, acompanhado de William, levou o rapaz, que pesava 45 kg, para o posto de saúde, do bairro Tiradentes. O réu ainda disse que foi buscar a mãe do adolescente, Marisilva Moreira, e contou o que tinha acontecido para ela, que, ao chegar no hospital e receber as informações sobre o caso do filho, se revoltou. “Ela veio para cima de mim com capacete, me esquivei e minha mãe mandou eu ir na delegacia, prestar esclarecimento e reconhecer minha culpa.” 

A brincadeira também foi a justificativa apresentada pelo outro réu, o autônomo William Enrique Larrea, 36 anos. Ele contou que, naquele dia, os três tomaram café juntos, no lava- -jato e confirmou a versão contada pelo ex-patrão. “Quando eu estava urinando, Wesner usou uma mangueira de compressão nas minhas costas, brincando. Ele correu, eu peguei ele e o Thiago ‘bateu o ar’, estava todo mundo rindo e brincando, foi muito rápido que tudo aconteceu”, contou. 

William disse que a pistola da mangueira era do tipo borboleta, aberta e não de gatilho, com jato mais forte. Alegando não terem impedido a vítima de se defender. “Ninguém segurou ele, Thiago veio e soltou o ar, só. Depois disso, ele já começou a falar que estava sentindo dor e a passar mal. Foi quando o levamos para o posto de saúde”, reafirmou.

Perdão para a mãe

Ambos os réus pediram oportunidade para pedir perdão à mãe da vítima e à família, durante depoimentos. “Não sou criminoso, como muitos estão dizendo. Foi uma fatalidade, após uma brincadeira. Se eu pudesse voltar atrás, jamais brincaria dessa forma, nem com ele e nem com ninguém. Peço perdão, mais uma vez, à dona Marisilva, à família do Wesner, e à minha família”, disse Thiago. 

“Perdi várias coisas ali, valores, respeito. Magoei quem eu nunca imaginei magoar, é uma dor grande. Se eles pudessem, um dia, me perdoar, eu errei, sou humano, falho e eu falhei. Sei que isso não vai trazer ele de volta”, finalizou William.

Apesar da pena, a defesa dos réus, composta pelos advogados Francisco Guedes Neto e Ricardo Trad Filho, salientaram que não houve introdução da mangueira no corpo da vítima, e sim ocorreu a aproximação da “arma do crime” às partes íntimas de Wesner. “Não houve a introdução. A arma do crime não foi recolhida pela polícia e, diante disso, o objeto misterioso é desconhecido até para a defesa. No entanto, não houve a introdução, como há seis anos afirmam ter acontecido”, ressaltaram os advogados. 

O júri teve réplicas e tréplicas, além de discussão entre a promotoria e a defesa dos réus. Por sua vez, o promotor José Arturo Iunes chegou a destacar que fez todo o possível para que a justiça fosse concretizada e pediu que a plateia rezasse para que a justiça fosse feita. 

Durante o julgamento, a mãe de Wesner, Marisilva Moreira da Silva, relembrou que o encontro marcaria o fim da sua luta por justiça.“Meu luto virou luta”, destacou.

Para a reportagem a mãe ainda relembrou que Moreira completaria 24 anos, no próximo dia 7 de junho. 

A sentença dos réus foi determinada em pena de 12 anos em regime fechado.

Por Brenda Leitte – Jornal O Estado de MS.

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