Especial Escolas: Joaquim Murtinho com 100 anos de história

joaquim murtinho
Foto: Nilson Figueiredo/Jornal O Estado MS

Com mais de 1,2 mil alunos, lidar com casos de depressão é o maior desafio

A escola, muito mais que um ambiente de pesquisa onde se encontra e trabalha o conhecimento da matemática, da física, da química etc, é o espaço onde o indivíduo terá, pela primeira vez, a chance de compartilhar um pouco da vida com outras pessoas, que não fazem parte de sua família. Os desafios são muitos: compartilhar o lanche, disputar campeonatos de futebol, apaixonar-se pela professora mais bonita… Lidar com os sentimentos que nos rodeiam nestes momentos exige o desenvolvimento de habilidades como compaixão, autocontrole, paciência, afinidade e respeito, entre outras. 

Na semana em que celebramos o Dia da Escola – 15 de março – o jornal O Estado traz uma série especial sobre as escolas mais tradicionais de Campo Grande. A primeira, o Colégio Joaquim Murtinho, tem 100 anos, sendo a maior instituição da rede estadual de ensino. 

Localizado em uma das principais avenidas da Capital, a Afonso Pena, o colégio, que foi fundado em 13 de junho de 1922, é uma tradição que atravessa gerações.

De acordo com o diretor da unidade, Claudio Morinigo, de 46 anos, que está no Joaquim Murtinho desde 1999, são gerações de uma mesma família que já passaram pela escola. “Tradição que passa de mãe, pai para filho, avó, tios, primos e irmãos. Quantas vezes questiono os alunos do porquê de estudar no Joaquim Murtinho e eles falam que pais estudaram aqui ou um irmão. E outro ponto importante é que, como estamos na área central de Campo Grande, temos alunos de diversos bairros e até classes sociais diferentes”, explicou. 

O diretor pedagógico destaca essa heterogeneidade como uma marca do colégio e que ajuda, inclusive, na convivência com o mundo, de promover a socialização, já que é um momento em que os alunos têm a oportunidade de se relacionar com pessoas de diferentes culturas, hábitos, crenças e etnias. 

“Essa mistura, até mesmo por não temos essa comunidade escolar no entorno, que as escolas dos bairros têm, vivemos em um ambiente muito tranquilo, de respeito e os conflitos estão mais nas tentativas de convencimento ideológico que tem na religião, na cultura, na família do que em si”, assegurou. 

Com 24 anos de experiência escolar, Claudio, reitera também sobre mudanças que a escola vem sofrendo, principalmente, no que diz respeito ao papel da escola, isso porque, segundo ele, os responsáveis estão terceirizando a educação, como se a instituição de ensino fosse responsável por ensinar o básico: “por favor”, “com licença”, “obrigada” e assim por diante. 

“Nós acabamos tendo uma responsabilidade além do que da aprendizagem. Não que isso seja ruim, mas sobrecarrega a gente na questão pedagógica, pois acabamos tendo que lidar com muitas questões sociais que a família deixa de dar o suporte, para que nós façamos isso”, ressaltou. 

Além da terceirização da educação por parte dos pais, a escola precisa lidar com outros problemas, como o uso de drogas. Entretanto, hoje, conforme o diretor, o principal problema do Joaquim Murtinho é a depressão. 

“A questão do entorpecente ainda existe, mas a depressão, a questão emocional, é o nosso principal problema, porque ele vem com a desestrutura e a precisamos achar o equilíbrio do aluno e isso piorou com a pandemia. Inclusive, nós temos parcerias com acadêmicos de psicologia de uma universidade, aqui da Capital, para nos ajudar a filtrar os problemas e conversas, até mesmo em grupo, para ajudá-los”, afirmou. 

De irmão para irmão 

Com mais de 1,2 mil e 37 turmas entre matutino, vespertino e noturno, o Joaquim Murtinho é uma tradição que passa de geração em geração, como já dissemos. A aluna Allanys Gabinio, de 17 anos, que está hoje no 3º ano, e deu entrada na escola no 1º ano do ensino médio, é um desses exemplos. A escolha do colégio para a conclusão do ensino básico foi porque o irmão estudou na escola. “Lógico que conta o fato do meu irmão ter estudado aqui, mas, atualmente, o Joaquim Murtinho é muito recomendado, pelo ensino, professores e, principalmente, por estar no Centro e facilitar, como no meu caso, a ida para o cursinho”, disse. 

Segundo o diretor, o colégio, nos últimos cinco anos, é uma das instituições de rede pública que mais faz transição do aluno do ensino médio para o ensino superior. “A gente vem aprovando muitos alunos nas universidades e até mesmo em cursos concorridos, como medicina. No entanto, hoje também, muitos alunos não querem o ensino superior e temos que respeitar, não podemos focar só na transição para o ensino superior e trabalhar com todas as possibilidades”, alertou. 

De estagiária para professora: 26 anos de sala de aula 

Com o passar do tempo, os professores foram mudando, mas tem aqueles que criam raízes, como a professora de artes Raquel Medida de Deus, 52 anos. Ela entrou fazendo estágio da faculdade, em 1996 e, desde então, leciona no Joaquim Murtinho. 

“São 26 anos de sala de aula. Eu poderia me aposentar já, mas não sei ficar sem vir para escola. Pedi para continuar lecionando, isso aqui faz parte da minha vida”, expressou. Sobre seu papel dentro da escola, ela garante que é fundamental. “Somos a base da escola”, frisou. 

Nesses 100 anos de história, muita gente já passou pelo Joaquim Murtinho. O jornal O Estado conversou com uma ex-aluna que passou, praticamente, uma década na escola. A professora Cássia Rocha, de 42 anos, estudou da 2ª série do ensino fundamental até concluir o magistério, um curso profissionalizante que era feito concomitante ao ensino médio, na época em que a pessoa saía capacitada para dar aulas nas classes iniciais da formação básica. 

Segundo Cássia, o colégio marcou sua vida, desde conseguir a vaga, já que o Joaquim Murtinho era um dos mais concorridos para estudar, até as aulas práticas, que eram dadas no contraturno escolar. “Difícil dizer algumas, mas entre as lembranças estão: brincar de paredão [bater a bola no canto de uma parede enorme que tinha em frente à cantina, que fazia divisa com o muro do prédio], algo que o colégio inteiro participava, as aulas de práticas que tinha por bimestre, lembro que tinha de práticas do lar, aprendia atividades domésticas com a professora Diva; encadernação e entalhe, com a professora Marina; e aula na horta, nós ficávamos cheios de barro, mas era uma delícia. E foi onde dei também meu primeiro beijo”, detalhou.

Inclusive, docentes do Joaquim Murtinho tiveram grande influência sobre a carreira escolhida por Cássia, que é professora. Ela conta que teve excelentes professores no colégio. “Lembro, inclusive, que quando tinha passeata, eu ia junto com os professores. Tive uma professora de ciências que se chamava Regina, que mulher inteligente! Magdalena Pegoraro (que por sinal é minha prima) era professora de matemática. Ela era brava, cobrava muito, mas hoje consigo entender o papel dela e o professor Luzanildo, era quem eu parava para ouvir, trocar ideias e depois foi o melhor diretor que o JM teve”, finalizou. 

Por Rafaela Alves – Jornal O Estado do MS.

Confira mais notícias na edição impressa do Jornal O Estado do MS.

 Acesse as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *