Nos bastidores da Cativa MS, profissionais costuram roupas, tecem autonomia e mudam a própria realidade
As mulheres são maioria no Brasil. O último Censo Demográfico, de 2022, mostra que elas representam 51,5% da população nacional, cerca de 104,5 milhões de brasileiras, contra 98,5 milhões de homens. São quase seis milhões a mais, e há décadas elas conquistam espaços antes restritos ao universo masculino. Estão nas universidades, em cargos de liderança, na política e no esporte. Ainda assim, quando se fala em chão de fábrica, o retrato segue desigual: as mulheres são menos contratadas, recebem salários menores e raramente ocupam funções de gestão, inclusive na indústria.
Esse cenário começa a se transformar em Mato Grosso do Sul. O Estado, que nas últimas duas décadas se consolidou como polo industrial, vem ampliando a presença feminina em segmentos pouco acessíveis. Na indústria têxtil, especialmente, elas sempre foram maioria, mas agora assumem novas responsabilidades, em funções técnicas e de gestão que exigem qualificação e precisão.

Cones de linha de costura utilizados na produção industrial . Foto: Carlos Bastos
É nesse contexto que se destaca a Cativa MS Têxtil Ltda, instalada no Núcleo Industrial de Campo Grande. A empresa, com sede em Pomerode (SC), atua nas etapas finais de confecção das peças, acabamento e preparação para distribuição. Da unidade sul-mato-grossense, os produtos seguem diretamente para revendedores e grandes redes varejistas, como a Havan, uma das principais clientes da marca. Segundo o Relatório de Transparência e Igualdade Salarial de Mulheres e Homens – 2º semestre de 2025, a filial campo-grandense emprega 254 pessoas, sendo 92% mulheres. O número confirma o papel central delas na produção e no funcionamento da fábrica.
A reportagem do O Estado Online acompanhou a rotina de produção industrial no local, o reflexo do trabalho na vida das mulheres, além de perspectivas futuras tanto da Cativa quanto das profssionais.
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Das máquinas à distribuição
As costureiras industriais atuam em células de produção, geralmente com quatro a cinco profissionais. Além disso, Para cada 15 costureiras, são realizados acompanhamentos de três revisoras e uma líder ou encarregada de produção.
O gerente da unidade, Israel de Azevedo explica que o dia a dia da produção depende tanto das máquinas quanto do trabalho em equipe. Essa organização garante qualidade, eficiência e um ambiente de apoio mútuo. “A produtividade média gira em torno de 80%, o que consideramos adequado. Quem atinge ou supera essa meta recebe benefícios, e quem fica abaixo recebe acompanhamento e suporte, sem penalizações”, explica Israel.

Costureiras industriais no local trabalham em células, área no espaço de trabalho com três a quatro profissionais confeccionando a mesma peça. Foto: Carlos Bastos
Após as peças ficarem prontas, são transferidas para o setor final, onde saem para a destribuição. Um total de sete a nove mil itens são produzidas diariamente na Cativa MS, a depender do tipo do produto, se vai ser um vestido ou uma camiseta, por exemplo. Todos os materiais são feitos com base nas coleções das marcas do grupo Cativa, a Habana e a Exco. O foco das vendas são o público da classe C.
Israel também pontua que para apoiar a gestão, a empresa investe em ferramentas digitais que monitoram produtividade e qualidade, permitindo decisões rápidas. “Mostramos para as costureiras onde elas estão, incentivando aprendi

Luana Monteiro é do RH é Israel de Azevedo é gerente industrial, Foto: Carlos Bastos
zado e evolução constante”, completa.
Sobre a gestão dos profissionais, a gerente de Recursos Humanos, Luana Monteiro, diz que é um desafio gerir pessoas de diferentes idades, uma característica evidente no local. Ela também pontua que eventos e atividades de lazer são incorporados para manter a rotina mais leve.
“Fazemos ações internas e ajustamos o ambiente de trabalho para que todos se sintam valorizados”, diz a gestora.
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Gerações, vínculos e independência financeira
Com apenas uma semana na empresa, Maria Eduarda, uma jovem de 20 anos, encara a rotina da Cativa MS com atenção e paciência. “É a primeira vez que eu costuro, estou aprendendo, não é dificíl, mas precisa de concentração e paciência”, explica, entre risadas.
Ela está em treinamento e apesar do pouco tempo na unidade, apenas uma semana, já consegue perceber o ritmo e os desafios da função.


“Sempre achei bonito costurar, mas parecia super difícil. Agora descobri que é quase um hobby”
No local, atualmente, são 17 costureiros em treinamento, mas a capacidade no local é manter 25 em capacitação. A empresa destaca que realiza treinamentos e acompanhamentos específicos para profissionais que queiram trabalhar com a costura industrial. Além disso, a depender dos estudos que realizam, são mapeadas para que se tornem futuras líderes ou ocupem cargos também na administração, conforme a demanda da empresa.
Com 53 anos, Sônia Maria Fernandes é encarregada de produção na Cativa MS. Ela organiza o fluxo de trabalho, orienta as costureiras e acompanha cada etapa da confecção, garantindo produtividade e qualidade. “Oriento em todos os pontos que precisamos, sempre buscando melhorar a cada dia. É desafiador, mas gratificante”, diz.
O vínculo com a empresa é também familiar. O marido chegou depois de anos em outra confecção e os filhos já se juntaram à equipe. Embora não trabalhe diretamente na máquina, Sônia é peça-chave na rotina da fábrica. Ela facilita o trabalho das costureiras e garante que a equipe funcione em harmonia.

“Aqui parece uma extensão da casa. Passamos muito tempo juntos, criamos amizades e aprendemos uns com os outros. Eu adoro o que faço e sou muito grata por isso”
No canto da oficina, a máquina de costura parece ter o compasso da própria vida de Conceição Aparecida, 60 anos. São 17 anos na empresa, toda uma vida de ofício marcada pela costura, amizade com colegas e serenidade diante do que vem pela frente.



“Entrei com 43 anos, e olha só: o tempo passou, já estou com 60. Vou me aposentar em um ano”
A experiência trouxe mais do que renda. “Eu não dependo de homem, a gente vive do próprio salário”, conta, lembrando que o trabalho permitiu sustentar a casa e criar laços no dia a dia da fábrica. Sobre o convívio com gerações mais novas, mostra afeto prático. “Tem gente nova que ajuda, aprendemos juntos, afirma.
Apesar do tempo de casa, Conceição nunca quis cargos de liderança. “Nunca quis ser líder. Sou tímida, gosto do meu cantinho, gosto de ficar na máquina.”
Ela também relata que no começo da aposentadoria pretende descansar. “Depois talvez faça consertos em casa, tenho uma máquina antiga, se eu conseguir comprar uma melhor posso continuar fazendo consertos.”
Os vínculos na Cativa MS se fazem presentes também na história de Valquíria Gouvêa, 46 anos, e da filha Maiara Gouvêa, 19, que dividem mais do que o sobrenome, compartilham o mesmo ofício e um sonho em comum.
Valquíria começou na costura há 14 anos. Antes disso, passou por outros trabalhos, mas foi na indústria têxtil que encontrou realização. “A costura é um sonho pra mim”.
“Foi aqui que conquistei minha independência financeira e percebi que a gente aprende com o tempo, assim construimos o nosso futuro”

Mãe e filha, Valquíria e Maiara trabalham juntas e compartilham que a costura industrial inspira o sonho de abrirem o próprio negócio – Foto: Carlos Bastos
O amor pela profissão acabou contagiando a filha. Maiara cresceu vendo a mãe costurar e decidiu seguir o mesmo caminho. Estudante de Administração, está há quatro meses em treinamento na unidade e aprende atenta cada etapa do processo produtivo. “Aprendi um pouco em casa com a minha mãe, mas aqui estou aprendendo muito mais. Gosto desde criança, e agora quero seguir na área”, diz.
Enquanto treina o olhar para os detalhes, Maiara também pensa no futuro, quer unir o conhecimento da faculdade com o talento herdado e cursar design de moda.
“A ideia é, no futuro, a gente ter o nosso próprio negócio. Eu cuidaria da parte administrativa e ela ficaria com a criação”, comenta, arrancando um sorriso orgulhoso da mãe.
Valquiria expressa entusiasmo com a ideia “Seria o meu sonho ver isso acontecer, tudo que aprendo aqui, levo pra vida. É gratificante ver a minha filha trilhando o mesmo caminho.”
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Futuro da Cativa MS
Para o gerente da Cativa MS, a atividade comercial da empresa tende mais a crescer do que estagnar na cidade. Segundo ele, o futuro para a unidade está ligado ao diferencial proporcionado pela localização estratégica de Campo Grande e ao avanço logístico da Rota Bioceânica. “Estamos no meio do caminho para diversos mercados, o que facilita o escoamento dos produtos para o Sul, Norte e Nordeste do país, negócios serão abertos pra gente exportar nosso produto também.”
A Cativa MS já realiza exportações para o Paraguai e Uruguai e com a Rota Biocêanica, o mercado poderá se expandir “Acho que dá para fazermos várias coisas, pode facilitar trazer fios da China e Egito para a tecelegem de tecidos, vai ser interessante”, pontua.



Para ele, essa vantagem, combinada à qualificação da mão de obra local, irá garantir competitividade e eficiência. Israel destaca o planejamento estratégico da empresa. “Nos próximos sete anos, com a estrutura certa e melhorias nas estradas, poderemos ampliar ainda mais nossos mercados e trazer insumos de fora com mais eficiência. Anos atrás, já fizemos cálculos internos mostrando que, se concentrássemos toda a operação aqui na Capital, conseguiríamos reduzir milhões em transporte. Isso reforça a vantagem de nossa localização”, conclui.
A empresa também se prepara para as adaptações trazidas pela Reforma Tributária e mudanças no ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ). Segundo o gerente, “As mudanças vão fazer a empresa se movimentar de uma forma diferente”
Por fim, a gerência vê que outro alicerce fundamental para a prosperidade da Cativa MS se dá pela manutenção dos profissionais com oportunidades de crescimento interno. Isso é viabilizado na empresa pelo programa de treinamento e acompanhamento dos funcionários. Para Israel “O foco é a rentenção dos profissionais na unidade”
Confira mais imagens da rotina de produção na Cativa MS:
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Por Carlos Eduardo Eleutério Bastos e Gabriel Gill Ramires
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