Em meio à pesquisa de vacina para dependência em drogas, MS tem só 12 vagas para desintoxicação

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Foto: Marcos Maluf

A questão biopsicossocial dos dependentes químicos é uma batalha real e constante da sociedade, que vem tomando novos caminhos com os avanços da pesquisa para a vacina Calixcoca. Desenvolvida pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o imunizante produz anticorpos que bloqueiam a passagem da cocaína para o sistema nervoso dos roedores, mas até que a pesquisa avance para aprovação e uso, especialistas acreditam que medidas preventivas com crianças e adolescentes é a melhor e mais barata alternativa para diminuir o número de usuários de drogas.

O doutor Kleber Meneghel Vargas é médico psiquiatra, professor de medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), responsável pelo ambulatório de psiquiatria do Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian) e trabalha com casos de dependentes químicos há 23 anos. Antes de falar sobre a Calixcoca e da possibilidade do uso em tratamentos, ele destaca o que esta tem comprovação científica.

“Existe a necessidade de prevenção com atividades nas escolas de qualidade, não só escolares, mas extracurriculares. Um exemplo é a Islândia, que conseguiu diminuir de forma importante o uso de drogas em crianças e adolescentes com medidas simples. Avaliaram que atividades extracurriculares com os pais, culturais e esportivas de qualidade, geraram um impacto muito importante nessas pessoas. A gente precisa dar qualidade nas atividades extracurriculares, essa é a alternativa mais barata e eficaz na prevenção das drogas”, destaca.

No Brasil e no Estado do Mato Grosso do Sul, as drogas mais consumidas são o álcool e o tabaco, que são entorpecentes lícitos, enquanto os ilícitos são a maconha, cocaína e seus derivados. No Mato Grosso do Sul, pelo SUS (Sistema Únicos de Saúde), são aproximadamente 12 vagas para desintoxicação, disponíveis no Hospital Regional. Também existem ambulatórios e comunidades terapêuticas, porém muitas delas não têm a estrutura adequada e às vezes não conseguem ajudar, realmente. Recentemente, o jornal O Estado informou que somente neste ano, a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) já realizou 10.690 atendimentos a pessoas em situação de rua em Campo Grande, muitos deles a usuários de drogas.

“O que observamos de diferença, no início, de quando comecei minha vida profissional para agora, de encontro com pesquisas recentes, infelizmente tem aumentado o consumo de uma maneira geral. O mais preocupante é que a idade de início de uso de drogas lícitas e ilícitas tem diminuído, e isso aumenta o risco de o indivíduo desenvolver doenças mentais. Se pensar que o cérebro de um adolescente ou de uma criança ainda está em desenvolvimento, o uso da droga pode prejudicar e aumentar o risco de doenças muito graves. Por exemplo, existem estudos que comprovam que o uso de maconha em determinados adolescentes e crianças aumenta em quatro vezes o risco de desenvolvimento de esquizofrenia, que é uma doença crônica grave”, alerta o especialista.

Levando em consideração que a prevenção eficaz envolve a participação em atividades culturais, esportivas e da presença dos pais, crianças e adolescentes vulneráveis e periféricos acabam tendo acesso às drogas ilícitas com mais facilidade, para “preencher” o vazio que a falta de conteúdo extracurricular traz. Além disso, a falta de condições financeiras da família dificulta a continuidade do tratamento.

“É uma questão que necessita de um olhar do Estado como um todo, de toda a sociedade, porque acaba abrangendo vários aspectos. É literalmente biopsicossocial! Precisamos tratar a questão biológica como um dependente, a dependência é uma doença, mas existem questões psicológicas e sociais que, se não forem tratadas, a taxa de sucesso é muito pequena.”

O uso de drogas lícitas e ilícitas, além da dependência, causa transtornos psicológicos como alteração de humor, que evolui para bipolaridade, ansiedade, crises de pânico, depressão e quadros com fases maníacas. Já as somáticas, médicos destacam problemas gastrointestinais, cirrose, complicações pulmonares, aumento do risco de câncer, entre outros. A predisposição genética também precisa ser observada e levada a sério.

“Outra questão é a maconha sintética, que está começando a surgir em grandes centros. O chamado K2, K9, K12, que basicamente é uma maconha com um nível muito alto de THC (Tetrahidrocanabinol), o que aumenta muito osriscos de sintomas psicóticos e da própria dependência. Uma outra situação, essa a gente observa mais nos ambulatórios, é a dependência de hipnóticos, drogas usadas para induzir o sono, como Zolpidem. Esses medicamentos têm causado um número bem importante de pacientes dependentes”, alerta o doutor Kleber Meneghel.

De acordo com o último levantamento divulgado pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, em 2021 o SUS registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. O número mostra um aumento de 12,4% em relação a 2020, ano com 356 mil registros. Já o Relatório Mundial sobre Drogas 2022, do Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), mostra que cerca de 284 milhões de pessoas – na faixa etária entre 15 e 64 anos – usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes.

Calixcoca

Coordenada pelo doutor Frederico Garcia, a iniciativa foi a grande vencedora do Prêmio Euro em inovação na saúde e recebeu um investimento de 500 mil euros. O estudo aguarda os investimentos já concedidos para registrar o medicamento e dar início aos testes clínicos.

A pesquisa está em andamento desde 2015, e já teve resultados positivos nos testes pré-clínicos, que foram realizados em ratos. Com o uso da substância, foi possível observar a produção de anticorpos que bloqueavam a passagem da cocaína para o sistema nervoso dos roedores.

Por – Kamila Alcântara.

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