Em 1 ano de funcionamento, frigorífico descumpriu medidas sanitárias, tributárias e trabalhistas

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Foto: Nilson Figueiredo

Ex-funcionários que moram vizinhos à empresa resistem sem salário e com luz cortada 

Desde a aprovação do SIE/ MS (Serviço de Inspeção Estadual) do frigorífico Beta Carnes Alimentos LTDA, em 21 de dezembro de 2022, a situação da empresa se tornou uma grande bola de neve, que deixou mais de 150 trabalhadores sem salários e até famílias, que dependiam do fornecimento de luz do local, completamente abandonadas em residências distantes da cidade, na Chácara das Mansões. Mesmo com determinação judicial, sujeito à multa de 40% pelo atraso no pagamento de salário, férias, 13º e FGTS, nenhum funcionário conseguiu receber pelo trabalho.

Após a publicação da autorização das atividades, em nome do proprietário Robson Fernando da Costa, os problemas começaram a aparecer, primeiramente, no setor tributário. Conforme publicação da Secretaria de Estado de Fazenda, quatro notas da empresa são listadas como “inidoneidade, para todos os efeitos fiscais”. São duas notas de abril e duas de maio.

Enquanto isso, funcionários já enfrentavam atrasos dos salários e temiam o fechamento, pois a Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal) havia notificado a empresa duas vezes, por não adequação de normas sanitárias. Em novembro, a paralisação veio, após bloqueio das atividades pela Agência, que resultou na demissão em massa de todos os funcionários, que até agora não receberam nada, conforme conta um dos diretores do STICG (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Carne e Derivados de Campo Grande), Ivanildo Alves.

“Teve uma fiscalização da Iagro, pegou uns pontos irregulares e lacrou o local. Chegaram a notificar duas vezes e eles não se adequaram. Com isso, o frigorífico preferiu fechar e largar os trabalhadores à mercê, sem recebimento de 13º, acerto e FGTS. Foi quando no sábado (último dia 6), flagraram caminhões sucateando o local, levando materiais que poderiam ser penhorados para o pagamento dos funcionários”, relata Ivanildo.

A retirada de materiais com possível valor de “penhora” estava acontecendo desde terça-feira, dia 2, mas o STICG entrou com medida cautelar no Tribunal de Justiça do Trabalho, que impede a retirada de qualquer material do local desde sábado (6). Mesmo assim, o sindicato preferiu montar acampamento na porta da indústria, para impedir que mais caminhões saíssem.

“Até onde a gente sabe, saíram de três a quatro caminhões carregados de coisas, como ar- -condicionado, mesas, bombas, motores e computadores. Até os refletores levaram! Infelizmente, ficamos sabendo do desmonte muito tarde, então vamos continuar por aqui, montando escalas. Qualquer coisa penhorada já é importante para o pagamento dos trabalhadores. O que o sindicato pede é que eles honrem com o que é direito dessas pessoas, que ficaram ao deus-dará”, conclui o representante do sindicato.

Desumanização de trabalhadores

Colada à cerca direita da Beta Carnes, é possível ver as estruturas, quase em ruínas, de algumas casas de alvenaria, onde um dia viveram nove famílias de trabalhadores do frigorífico. Na lateral esquerda, após uma grande cruz de madeira, é possível visualizar a Capela Católica e, mais abaixo, outra casa de ex- -funcionários do local. Ali estão Erivaldo Antônio, de 57 anos, Cícera da Silva, 34 anos, e mais cinco crianças, com idades entre 2 e 15 anos.

O abastecimento elétrico dessas casas era de responsabilidade da empresa, que cortou o fornecimento no Natal, obrigando as famílias a saírem das pequenas casas. Porém, Erivaldo e seus dependentes não têm para onde ir, tendo que resistir em condições insalubres em meio à mata e sem veículos de transporte próprio.

“Desde dezembro que nós não recebemos nada. Estamos nos virando porque, graças a Deus, tínhamos um pouquinho guardado e temos Bolsa Família. Trocamos o dia pela noite, pois venta mais de dia aí dá para tirar um cochilo. À noite, tem um calor insuportável e os ataques de mosquitos, o que torna impossível dormir direito”, compartilha o serrador de carcaças.

De responsabilidade da empresa, residências estavam sem energia desde o Natal. Foto: Nilson Figueiredo

Com 10 minutos da presença da equipe de reportagem do jornal O Estado no local, os geradores foram ligados – a casa do casal e a pequena capela receberam energia elétrica, dando algum tempo de televisão às crianças e resfriamento de garrafas de águas.

“Fui comunicada da demissão por ‘peão’, nem pelo supervisor foi. Quando cheguei no RH descobri que nunca tinha sido registrada. Era dia 23 de novembro, eles registraram minha admissão de fevereiro e, no mesmo dia, a demissão. Ou seja, acredito que eu estava trabalhando clandestinamente desde que entrei, mesmo tendo os descontos obrigatórios”, desabafa Cícera. Ela mostra uma cicatriz nos dedos, que sofreu por trabalhar no corte de miúdos com luvas de proteção rasgadas.

Sem pagamentos ou outras opções, a família aguarda que outra empresa assuma o prédio e voltem às atividades de abate, para conseguirem um novo emprego. O jornal O Estado tentou contato com os representantes do frigorífico, por todos os telefones e e-mails disponibilizados nos registros empresariais, mas não obteve retorno.

Por Kamila Alcântara.

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