“Carona” em consórcio facilitou contrato milionário que não entregou salas para o volta às aulas
Com a promessa de entregar 166 salas modulares para o ano letivo de 2024, a Prefeitura de Campo Grande investiu, por meio de “carona” de consórcios, a quantia de R$ 42 milhões na construção das unidades, com painéis isotérmicos, material muito utilizado na construção de câmaras frias e frigoríficos. A manobra permitiu a contratação do Consórcio Lucerna, que teve CNPJ aberto há menos de 6 meses. A escolha do material chamou a atenção, principalmente, porque mesmo com o investimento, as obras não foram finalizadas e o início das aulas precisou ser prorrogado.
Além disso, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) de Campo Grande optou por não comunicar em seus canais oficiais o adiamento do ano letivo em algumas escolas da Reme (Rede Municipal de Ensino) para a próxima segunda-feira (19), fato que gerou dúvidas em diversas famílias.
Desde janeiro o Jornal O Estado adiantou que as aulas nas escolas em obras não retornariam nesta quinta-feira (15), mas a gestão municipal preferiu deixar a responsabilidade de avisar os pais das crianças, matriculadas nas unidades, aos servidores lotados nos locais. Isso causou confusões nas redes sociais e revolta dos responsáveis, que precisam das aulas para conseguirem trabalhar com tranquilidade e na certeza que os filhos estão seguros.
Esse “desconforto” começou a ser desenhado no dia 23 de novembro, quando o secretário municipal de Educação, Lucas Henrique Bittencourt, publicou no Diogrande (Diário Oficial de Campo Grande) o extrato de adesão à ata de registros de preços 005/2023, do Cointa (Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari), que atende 14 municípios da região norte do Estado. No valor de R$ 42 milhões, o Cointa fez a contratação de “empresa especializada para construção de salas de aulas por unidade modular padronizada”, onde o fornecedor contemplado foi o Consórcio Lucerna, de Minas Gerais.
Questionado sobre as razões do envolvimento do Cointa nessa questão, sendo que Campo Grande não faz parte do grupo de consórcio, a assessoria de imprensa respondeu que a modalidade faz parte da “carona”, onde, para aderir à ata, é necessário que o município não participante comprove a vantajosidade da contratação, bem como é necessária a anuência tanto do órgão gerenciador quanto do fornecedor.
A manobra permitiu a contratação da Lucerna, que teve CNPJ aberto há menos de 6 meses e o endereço fornecido, conforme pesquisa do Google Street View, é uma sala em condomínio empresarial de Belo Horizonte. Com isso, foi excluída a abertura de licitação convencional, onde empresas interessadas no serviço apresentavam os melhores produtos e preços à necessidade da cidade.
Essa pressa e não realização de licitação é legítima, se os alunos já estivessem ocupando, pelo menos, as primeiras 51 salas – que deveriam ter sido concluídas em 30 de janeiro. As outras 115 têm previsão de entrega para abril.
A reportagem pediu acesso a Ata de Registro de Preços, para entender a escolha de material feita, mas não foi fornecida pelo Cointa. Em visita na manhã de ontem (15), à Escola Municipal Prefeito Manoel Inácio de Souza, no bairro Santo Antônio, foi possível constatar que se tratam de painéis e telhas isotérmicas, da marca Kingspan Isoeste, que possui fábricas em Anápolis (GO), Vitória de Santo Antão (PE), Cambui (MG), Várzea Grande (MT), Araquari (SC) e no Uruguai.
O produto promete agilidade, rapidez, sustentabilidade e conforto térmico. Porém, apenas um painel LDR, com Lã De Rocha, pode custar R$223 no site da empresa. Cada sala de aula que a prefeitura de Campo Grande quer construir tem 48m².
Nova modalidade
Conforme a engenheira Civil Maristela Ishibashi Toko de Barros, embora o produto seja mais caro, esta é uma nova modalidade de construção que permite alguns benefícios.
“Essa é uma inovação, uma nova tecnologia visando a economia em relação ao sistema convencional, o painel isotérmico neste caso vai de encontro à sustentabilidade, pois há economia no consumo dos aparelhos de ar condicionado, proporcionando também mais conforto, não vi o projeto, suas dimensões, mas dependendo da espessura alcança vãos sem necessidade de estrutura de sustentação, além de ser mais leve economizando na fundação. Esse material especificamente é para fechamento de fachadas. Antigamente, realmente, os painéis isotérmicos eram utilizados apenas em câmaras frias, frigoríficos, mas as indústrias têm que se atualizar”, explica.
Com relação a participação do Cointa nesta contratação e o atraso na entrega das salas de aula, a gestão municipal foi procurada ainda pela manhã de quinta-feira (15), mas não respondeu os questionamentos enviados até o fechamento do texto.
Mudança não agradou a comunidade escolar
Em visita na manhã de ontem (15), à Escola Municipal Professora Maria Regina de Vasconcelos Galvão, a equipe do Jornal O Estado constatou que as obras estão quase finalizadas, porém estão atrasadas. A escola é uma que estava na lista das que deveriam ser entregues no final do mês passado, ao todo serão dez novas salas modulares. Questionada o que estava faltando e porque não foi entregue na data prevista, uma funcionária da escola, que não quis ser identificada, acredita ser falta de vontade.
“Falta só o piso e a parte elétrica, são coisas fáceis e rápido de fazer, falta gente, tinha que pegar um mutirão de dez pessoas e tocar essa obra. Falta um pouco mais de vontade, a promessa foi grande, resolveram pegar o trabalho e não conseguiram finalizar no tempo certo. Eu sei que teve chuva, isso influência muito, mas eles também sabiam, agora o que não pode é começar e não terminar”, revolta.
A escola em questão foi uma das únicas que iniciou as aulas nesta quinta-feira (15) como previsto, a servidora pública explica porque decidiram não adiar o retorno das atividades. “Adiar não ia adiantar nada, essas novas salas sabemos que não vai ficar pronta em dois dias, teríamos que repor depois. Aqui tivemos condições de acomodar todos os alunos e os novos materiais”, pontua.
Uma das alunas da escola, Heloísa dos Santos, de 10 anos, revelou que ficou um pouco perdida com a mudança, que antes era estacionamento, agora tem uma nova sala de aula. “Preferia como era antes, tinha mais espaço, fiquei confusa com essa mudança. Pelo menos, vai ter cantina agora na escola, bom foi o que falaram, vai ser legal”.
Noticiado anteriormente, pelo jornal O Estado, a Escola Arlene Marques, no Jardim Canguru, tinha apenas o contrapiso pronto, outra da lista que deveria ter as salas até o dia 30 de janeiro. As novas aquisições, como mesa e cadeira para os alunos, estavam guardadas numa sala de aula que deveria estar vazias para receber os alunos nesta quinta-feira (15).
O funcionário que por questões de segurança, não quis revelar a identidade, mostrou a sua preocupação com o atraso da obra, sem poder alocar as crianças, adiaram a voltas às aulas para segunda-feira (19).
Por Kamila Alcântara e Inez Nazira.
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