Documentos do Gaeco confirmam que vereadores de Ribas do Rio Pardo exigiam “mensalinho”. Com envolvimento do ex-prefeito, grupo aliciou secretariado e apelidaram propina de “toddy”
Foi entregue à 2ª Vara do Tribunal de Justiça, da Comarca de Ribas do Rio Pardo, o relatório do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público, que denuncia nove vereadores, um suplente, dois assessores parlamentares e o ex-prefeito José Domingues Ramos, o Zé Cabelo (PSDB), em um esquema de corrupção. O relatório foi apresentado em 23 de novembro do ano passado, após depoimentos, coleta de documentos e aparelhos celulares na Operação Tangentopoli, deflagrada em agosto de 2023.
O documento traz, em detalhes, toda a linha do tempo montada pelo grupo para conseguir pressionar o prefeito João Alfredo Danieze (PT) a aceitar o pagamento de valores mensais aos vereadores. Assumindo a gestão municipal em 2021, já nos primeiros meses de mandato, o prefeito enfrentou um pedido de cassação, que evoluiu para outros dois, além dos embates para aprovação da lei orçamentária.
Em meados de setembro daquele ano, o vereador Sidinei Fontebasse Ferreira, o Cascãozinho (PSC), procurou um dos secretários municipais e iniciou os pedidos de propina, para encerrar os pedidos de cassação de mandato do atual prefeito e facilitar os pedidos enviados para aprovação do legislativo. Segundo consta no documento, o vereador chegou a dizer que “dá três mil para cada um que resolve o problema! O João vai trabalhar tranquilo. Mas o João não tem jeito de conversar! A gente já deu a entender… Ele que não quer entender do assunto… Não tem como conversar com ele, é difícil”.
Os vereadores chegaram a propor o pagamento de R$ 10 mil mensais para cada um deles, mas com as inúmeras tentativas de consenso o valor foi abaixando e chegou a quantia de R$ 3 mil. As tratativas seguiram por meses, sendo o principal assunto entre os 13 envolvidos, principalmente pelos pedidos de cassação do prefeito serem derrubados na Justiça por falta de provas.
No documento, o Gaeco destaca que o ex-prefeito Zé Cabelo chega a apelidar, de forma dissimulada, o pagamento de vantagens indevidas como “Toddy”. “Umareunião de Vereadores que teve por aí…e diz que falaram…falaram…e no final alguém perguntou sobre o ‘Toddy’ (dinheiro), lembrando que ninguém havia falado nada ainda”.
Servidor da Fundesporte
Além dos vereadores, assessores parlamentares e ex-prefeito, outro alvo da investigação é o ex-vereador Marcos Gomes da Silva Júnior, conhecido como Tomatinho. Ele teve o celular apreendido e foi denunciado por querer receber vantagens econômicas, caso conseguisse assumir a vereança que é suplente, e participar da Comissão Processante que tentou cassar o prefeito.
Tomatinho é professor de educação física da SED (Secretaria de Estado de Educação), mas desempenha suas funções conforme contrato temporário vigente do programa Prodesc, uma parceria da Educação com a Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de Mato Grosso do Sul) com salário de R$ 7,4 mil e acesso a veículos oficiais, conforme conta no DOE (Diário Oficial do Estado), Portal da Transparência e confirmado pela pasta.
Marcos foi alvo em 2014 da Operação Viajantes, também do Gaeco, que desmontou um esquema criminoso de pagamento de diárias. Segundo o relatório, de janeiro a setembro de 2014, o Legislativo de Ribas do Rio Pardo teria consumido cerca de R$ 523.400,00 de recursos públicos com o pagamento de diárias, que chegariam ao valor de R$ 750 para cada dia de deslocamento dentro do Estado, e R$ 1.500,00 para cada dia de viagem fora do Estado.
Por fim, o jornal O Estado entrou em contato com o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) para averiguar o recebimento da denúncia do Gaeco, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno. O Ministério Público também não se manifestou e o prefeito João Alfredo não quis se manifestar, porque o caso está em segredo de Justiça. Nesta semana os trabalhos na Câmara dos Vereadores de Ribas do Rio Pardo retornam, com nove dos onze parlamentares denunciados.
Mensalinho confesso
Usando frases como “João não vai conseguir formar base e vão cassar o João”, “João vai pagar o preço então” e “e se for para tirar ele vocês vão ter que tirar ele então” os denunciados se emprenharam em continuar pressionando o prefeito a pagar propinas, sendo principal organizador das tratativas o vereador Luiz Antônio Fernandes Ribeiro, o Luiz do Sindicato (MDB).
Em depoimento ao Gaeco, confessou ter ido ao gabinete do prefeito João Alfredo e solicitar, diretamente, o pagamento de “mensalinho” para fortalecer a base aliada na Câmara Municipal. O “suplemento”, “auxílio pra gente” ou “complemento de salário” seriam pagos para ele, e aos vereadores: Anderson Arry (PSDB), Pastor Isac (PTB), Paulo da Pax, Rozenir Pereira (Psol) e o Cascãozinho.
Vereadores no comando da Secretaria de Desenvolvimento Econômico
Em mais uma tentativa de adquirir vantagens, após a morte do secretário de Desenvolvimento Econômico do município, Duílio Jurado Fernandes, em abril de 2021, rapidamente os parlamentares iniciaram as articulações para indicarem alguém de interesse deles ao cargo. De acordo com o Gaeco, com o investimento de R$ 48 milhões feito pela fábrica de celulose Suzano, assumir a pasta representava um potencial altíssimo para negociatas e outros esquemas voltados à obtenção de vantagens indevidas.
Um mês após a morte de Duílio Jurado, vítima de complicações da covid19, o vereador Paulo Henrique Pereira da Silva, conhecido como Paulo da Pax (MDB), juntamente com os vereadores Nego da Borracharia (PSD) e Tiago Zico (PSDB), estariam pressionando o prefeito a indicarem o nome para o posto na Secretaria “em troca de votos favoráveis na Comissão Processante instalada em desfavor dele”. Eles, então procuraram um servidor municipal, que possui um cargo correspondente a sua formação, para tentar atuar como “fantoche” ou “laranja” dentro da Secretaria. Em depoimento prestado ao Ministério Público, o servidor relatou as investidas dos vereadores, feitas pelo assessor parlamentar Jefferson dos Santos Ataíde, o Careca.
“Careca insistiu por diversas vezes tentando convencer o depoente para que aceitasse o cargo, inclusive disse que o levaria a Campo Grande para apresentá-lo ao pessoal de seu partido e mostrar que o depoente seria de confiança; que o depoente, a princípio, negou essa proposta, no entanto, diante de várias insistências, o depoente deixou ‘Careca’ continuar as propostas para ver até onde ele iria; QUE ‘Careca’ chegou a mencionar que colocaria na referida Secretaria, até mesmo um Diretor para auxiliá-lo, montando uma equipe fictícia antes de o depoente aceitar qualquer convite”, destaca o documento.
Por Kamila Alcântara.
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