‘Barriga solidária’: Além de um ato de amor, entenda a técnica que realizou o sonho da médica campo-grandense de ser mãe

Arquivo Pessoal
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“Meu primeiro dia das mães. Ainda não me dei conta de que sou uma, que tenho meu pacotinho aqui, no meu colo”, descreveu, emocionada, a médica campo-grandense Isabela Anjos, 32, sobre a realização de um sonho que a acompanha desde a juventude. Isabela apenas não imaginava que Mateus, seu filho, viria por meio da “barriga solidária”. Procedimento no qual a analista jurídica e prima Mariellen Anjos, tomaria para si a missão de ajudá-la a ser mãe.

“Eu sempre tive o sonho de ser mãe, e quando recebi a notícia de que poderia correr risco se eu engravidasse, meu mundo caiu”, relatou a médica diagnosticada com CBP (colangite biliar primária), uma doença hepática crônica progressiva. Focados, Isabela e o esposo, Felipe Mezzalira, não desistiram e optavam pelo processo árduo da adoção – se não fosse pela indagação de Mariellen: “mas por que eu não posso gestar para vocês?”.

Assim, numa segunda-feira (22) de abril, o pequeno Mateus veio ao mundo, concretizando sonhos e fortalecendo laços. Na sala de cirurgia, para além da equipe médica, estavam quatro familiares que o aguardavam: Mariellen, prima de Isabela, que gestou Mateus por quase nove meses, o marido Diego Della Senta, e os pais do pequeno, Isabela e Felipe. Num momento de choro fácil e felicidade, o pequeno Mateus é o testemunho, além da doação de um corpo e dedicação, de um gesto de amor. Em termos técnicos, o procedimento é denominado de útero de substituição ou popularmente conhecido como barriga solidária.

Critérios para Barriga solidária

A gestação solidária, segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina, não pode ter caráter comercial ou lucrativo. O procedimento é realizado a partir de uma fertilização in vitro, com a formação de embriões (óvulo e espermatozoides do casal), transferidos para o útero de outra mulher que é considerada uma doadora temporária. Conforme explica Isabela, optar pela gestação solidária é um processo burocrático, porém não é complexo. “Nós precisamos passar por um processo com um psicólogo, para ter um laudo. Tivemos também a ajuda de um advogado para fazer a documentação e um médico incrível que acompanhou toda a gestação”, ressaltou.

Outro critério exigido pelo Conselho de Medicina é que a mulher que será a barriga solidária deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau, ou seja, mãe, filha, avó, irmã, tia, sobrinha ou prima. Contudo, apesar de todo trâmite, Isabela ressalta que o procedimento é uma solução para as mulheres que sonham em ser mãe. “Eu acredito que quando o sonho de uma mulher é ser mãe, ela tem que buscar esse sonho, assim como qualquer outro sonho. Quando nós temos um sonho, nós temos que ir atrás dele. E Deus vai ajeitando, vai encaminhando”, enfatizou Isabela.

Para a analista jurídica Mariellen Anjos, que gestou o pequeno Mateus, o ato era uma forma oportunizar um sonho e de estender a mão e dizer “estou aqui” a alguém que ama.

“Tenho muito amor pela Isabela, as minhas primas são minhas irmãs, e assim, minhas gestações foram tranquilas, não tive problema e, na minha cabeça, mais uma gestação seria assim também e realmente foi. Eu queria muito que a Isabela vivesse essa experiência da maternidade, queria que ela tivesse um pouco desta realidade que eu tenho e que sou apaixonada. Então, acredito que essa tenha sido uma forma de contribuir, de dizer para eles: podem contar comigo”, exclamou Mariellen.

Já progenitora de Mateus e ‘James Bond’ acrescenta ainda que o sonho de ser mãe segue firme e forte, e que o próximo passo é aumentar a família.” Nós ainda temos a intenção de adotar. Só precisamos dar entrada no fórum agora e adotar o segundo filho. Aliás, o terceiro, pois também sou mãe de um cachorrinho lindo, o James Bond”, concluiu Isabela.

Como funciona o procedimento no Brasil?

O útero de substituição é uma das alternativas que auxilia casais, seja heterossexual ou homoafetivo, no tratamento de fertilidade. Além das condições acima elencadas, estabelece uma série de documentos que devem ser previamente firmados pelas partes envolvidas, como o termo de consentimento, que tem o valor de um contrato, registrando a manifestação de vontade dos envolvidos. O documento é de suma importância, pois o arrependimento de cedentes pode ser uma realidade comum, uma vez que só conseguem ter real dimensão das consequências de seu ato durante o período da gestação.

Segundo o ginecologista e obstetra Ruy Malta Silva, que acompanhou a gestação de Mateus, o índice de pacientes que procuram pelo procedimento ainda é baixo. “Nos últimos dois anos, tive três pacientes que recorreram a este procedimento no consultório. Normalmente a busca pela barriga solidária acontece por pacientes com alterações uterinas que impedem a gravidez, pacientes com alguma doença de base em que a gravidez pode causar um agravamento da doença ou casos em que a paciente tem o útero anatomicamente normal, mas tem abortamentos de repetição por causas não conhecidas. O ponto positivo do útero solidário é que possibilita que mulheres que não conseguiriam gestar consigam realizar o sonho da maternidade. É um gesto de amor da pessoa que vai gestar enorme, um gesto de altruísmo muito grande e de muita compaixão”, destacou Ruy.

Quanto à jurisprudência do procedimento, A SBRH (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana) elenca alguns dos documentos para o registro, que são: declaração de nascido vivo, na qual não constará nome da parturiente; declaração do diretor da clínica, com a técnica e informações dos pacientes; certidão de casamento, escritura ou sentença de união estável; termo de consentimento prévio da doadora, autorizando o registro em nome de outrem; e se a doadora tiver cônjuge ou parceiro, um termo de aprovação prévia deste.

Por Ana Cavalcante

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