Após 6 anos, envolvidos em morte de jovem em lava-jato são julgados, na Capital

caso lava jato
Foto: Valentin Manieri/Jornal O Estado MS

Especialistas em Direito explicam os fatores que contribuem para o entrave, na análise de processos  

Na visão de muitos, a Justiça brasileira tarda, e tarda muito. No país, entre o início de uma ação e a sentença podem se passar anos, décadas e, pior, o crime pode prescrever. Depois de seis anos, o caso de Wesner Moreira da Silva, de 17 anos, que morreu após perder parte do intestino ao ter uma mangueira de ar-comprimido de lava-jato introduzida no ânus, em Campo Grande, veio à tona novamente. A Justiça de Mato Grosso do Sul marcou o julgamento para esta quinta- -feira (30). 

Thiago Giovanni Demarco Sena, 26, dono do lava-jato, e Wilian Enrique Larrea, 36, funcionário do estabelecimento, na época, serão submetidos a julgamento no Plenário Franciso Giordano Neto, no fórum da Capital. A agressão aconteceu em 3 de fevereiro de 2017. À época, Wesner chegou a ficar 11 dias internado, contudo, além do ferimento no intestino, o rapaz teve uma lesão no esôfago e sofreu hemorragia, morrendo em decorrência de uma parada cardíaca. 

Na época, o pedido de prisão dos suspeitos foi feito pelo delegado Paulo Sérgio Lauretto, da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), no dia da morte do rapaz, quando saiu o laudo confirmando a lesão corporal grave. Três dias depois, a Justiça negou o pedido de prisão dos suspeitos. 

O dono do lava-jato e o funcionário, suspeitos de violentar Wesner, nunca foram presos. De acordo com a defesa, o argumento é de que o crime teria sido “uma brincadeira”. No entanto, antes de morrer, o garoto negou que a agressão tivesse sido uma brincadeira, afirmando ser proposital. De acordo com o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), em 2019, havia um impasse em torno da questão, se houve ou não intenção de matar. 

Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) confirmam a percepção generalizada de que o Judiciário brasileiro anda a “passos de tartaruga”. De 2009 a 2016, o número de processos sem sentença, conhecidos como “taxa de congestionamento”, cresceu mais de 30% e chegou a 73%, em 2016. Isso significa que apenas 27% de todos os processos foram solucionados, acumulando quase 80 milhões de casos pendentes. 

Em 2023, no mês de janeiro, 110 processos foram julgados pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), e 27 novos processos foram registrados. Conforme ainda o órgão, o tempo médio de um processo pode variar de acordo com o assunto, complexidade da causa e área de atuação. Todavia, de acordo com o Conselho Nacional, o tempo médio de um processo é de cinco anos e dois meses. 

Ao jornal O Estado, o advogado criminalista Rodrigo  Couto comentou sobre as possíveis causas que geram retardo nos processos e julgamentos. “O problema é que pode acontecer determinados entraves durante o processo, o que acaba atrasando. Por exemplo, a não apresentação de defesa pelo réu, sendo que a defesa se faz necessária. Diante disso, é preciso nomear uma defensa pública, e tudo isso demanda tempo. Casos mais complexos, que envolvem maior quantidade de réus, maior quantidade de testemunhas e perícias, tendem a demorar mais do que processos simples, como exemplo um processo de calúnia, em que tem apenas uma testemunha, que informa o caso e ajuda o juiz, normalmente”, explicou.

Outros casos demoram para serem julgados

Familiares e amigos de Claudineia Brito da Silva, primeira vítima de feminicídio neste ano, em Mato Grosso do Sul, se reuniram em frente ao Fórum Cível e Criminal de Campo Grande, na última terça- -feira (28), para pedir justiça e prestar homenagem à vítima. 

Todos usavam uma camiseta, com os dizeres “Queremos Justiça”. Por causa disso, os guardas pediram que o grupo se retirasse do Fórum e fizesse a homenagem do lado de fora. O protesto ocorreu de forma silenciosa, na calçada do Fórum, na Capital, enquanto ocorria a segunda audiência do caso. Filhos e irmãos da vítima haviam sido convocados como testemunhas de acusação. 

No dia 13 de março de 2023, a mulher morreu no hospital Santa Casa, após ter sido esfaqueada no pescoço pelo companheiro, de 43 anos. Este foi o primeiro caso de feminicídio do ano no Estado. Ele foi preso em flagrante, no bairro São Francisco, após o crime. Ele também tinha sido preso por violência doméstica, em 2010. 

Durante a apresentação da defesa, o advogado do autor do crime argumentou que seu cliente teria reagido a um tapa dado pela vítima, justificando, assim, sua atitude agressiva. O objetivo seria diminuir a pena do agressor, alegando legítima defesa. 

Março teve cerca de 20 sessões de julgamento  

No mês de março, foram pautados 18 julgamentos pela 1ª e 2ª Varas do Tribunal do Júri de Campo Grande. O mês trouxe julgamentos de casos, envolvendo rivalidades entre facções criminosas, feminicídios, homicídios por motivo fútil e torpe, entre outros. 

Foi a júri o último acusado de participação no assassinato de um jovem, ocorrido em 5 de julho de 2020. O crime foi cometido porque a vítima pertenceria, supostamente, a uma facção criminosa, rival dos acusados. Ele foi abordado e conduzido até a residência, no Jardim Tijuca, onde foi mantido em cárcere privado durante o chamando julgamento do “tribunal do crime”, que culminou com sua execução.

 Outros três envolvidos já foram julgados. O júri popular foi realizado pela 2ª Vara. Outro julgamento foi o de um homem em situação de rua, que teria assassinado outro morador, em razão de um marmitex. O crime foi cometido no dia 24 de fevereiro de 2021, no centro da Capital. O caso foi julgado pela 1ª Vara do Tribunal do Júri. 

O acusado de tentativa de feminicídio, praticada no dia 9 de dezembro de 2021, também foi julgado, neste mês de março. O caso ocorreu após uma discussão num bar, onde o casal se encontrava. Segundo a denúncia, eles mantinham relacionamento amoroso há cerca de três anos. O júri foi realizado pela 1ª Vara do Júri. 

Também foi a júri um acusado de assassinar o suspeito de roubar o celular de sua namorada. Ele foi acusado de homicídio por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima. O crime ocorreu em 28 de novembro de 2015, no Estrela Park. A sessão foi realizada pela 2ª Vara do Júri.

‘Julgamento vai trazer minha vida de volta’

Na tarde de ontem (29), a mãe de Wesner, Marisilva Moreira, conversou com o jornal O Estado. Em meio à dor, ela cita uma promessa feita ao filho, no hospital. 

“É uma dor de uma mãe, eu quero que eles paguem pelo que eles fizeram e eu prometi ao meu filho que eu viraria uma leoa, por Justiça. Falei que ele era muito amado, os dois fizeram mal pra ele, mas tinha muita gente torcendo por ele e pelo milagre dele e ele deve estar no céu, sorrindo e vendo onde eu cheguei”, citou. 

Questionada sobre a demora pelo julgamento dos acusados, a mãe destaca que espera pela justiça divina. “O julgamento demorou, mas Deus me disse que seria no tempo dele, então, eu quero que eles sejam julgados com a pena máxima. Só de ter marcado esse dia já é importante”, declarou. 

Sobre a hipótese apresentada pela defesa dos acusados de que o crime teria acontecido após uma brincadeira, a mãe nega a possibilidade. 

“Se fosse brincadeira, por que não brincaram entre eles, mas envolveram meu filho? Não foi uma brincadeira. O meu filho só queria ajudar, quando o meu esposo perdeu o benefício, ele foi trabalhar, para cuidar dos pais. O sonho dele era ir para o quartel, entrar na carreira militar”, relembrou. 

Ao ser questionada sobre as expectativas para o julgamento, a mãe pontua que, finalmente, poderá descansar, com a certeza da sentença. “Foi um pedido dele (filho) e finalmente chegou a hora. É muito doloroso, a saudade não tem fim. Eu peço muito em oração por que eu vou ter que ver eles, contando mentiras. Eu e meu filho vamos descansar, pois, desde aquele dia, eu não descansei”, finalizou.

Por Brenda Leitte – Jornal O Estado de MS.

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