‘Ainda temos casos de pessoas passando fome’, diz Secretária de Assistência Social e dos Direitos Humanos

Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira
Foto: Nilson Figueiredo

Mapeamento feito sobre os dados do CadÚnico (Cadastro Único) em MS revela 40 mil famílias em estado de pobreza, sem ajuda de nenhum programa social; o governo quer levar assistência

A Sead (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos) inicia um “pente-fino” para identificar pessoas que estão passando fome em Mato Grosso do Sul. Conforme a secretária, Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira, pelo menos 40 mil famílias não se encontram em nenhum programa social, seja federal (Bolsa Família) ou estadual (MS Social, Energia Social e Vale Universidade), que passaram a serem chamadas de população “invisível”. “O que nós estamos fazendo, desde que iniciamos a nossa gestão. nós estamos justamente redirecionando os programas para que essas pessoas sejam incluídas e cheguem a ter um suporte no âmbito do Estado”, disse.

A procura é minuciosa. Além de cruzamento de dados pelo CadÚnico (Cadastro Único), haverá busca por registro nos Cras (Centro de Referência da Assistência Social) dos 79 municípios, e terá coleta de dados direta com aplicação de questionários para que haja um parâmetro regional de cada município. A previsão é que até dezembro, MS consiga elaborar um índice da vulnerabilidade social, em que lance novas políticas públicas.

“A Declaração do Imposto de Renda, por exemplo, tem a característica de autodeclaração. No CadÚnico também, pois as pessoas procuram o Cras e elas mesmas informam sua situação. Acontece que, às vezes, as pessoas informam uma renda que não é real porque desejam ser incluídas em programas de assistência federal ou estadual. Então, haverá um índice de exclusão e outro integrando. É um pente-fino positivo, para que o Estado chegue realmente a quem precisa”, aposta a secretária, na ação.

Conforme a secretária, hoje, em Mato Grosso do Sul, são 54 mil pessoas beneficiadas pelo MS Social e 152 mil famílias pelo Energia Social – Conta de Luz Zero. Patrícia foi cedida pela Defensora Pública, onde atuava com defensora pública geral do Estado. Ela é graduada em direito, mestra em direito constitucional e especialista em direito processual penal, além de doutora em direito processual civil pela PUC/SP.

O Estado: MS figura entre os Estados com os índices mais baixos de desemprego e também da população na faixa de pobreza. A que a senhora atribui esses índices e é possível mantermos os bons resultados?

Patrícia Cozzolino: Além de ser possível manter os bons resultados, precisamos melhorá- -los. Por que, apesar dos baixos índices de desemprego, em que costumamos falar que ‘somos um Estado de pleno emprego’, o governador Eduardo Riedel prima muito por isso, mas nós também temos pessoas desqualificadas no âmbito educacional que precisam ser inseridas no mercado de trabalho.

O pleno emprego também significa que hoje temos mais vagas oferecidas do que procura por emprego. Contudo, temos uma necessidade de profissionais mais qualificados e essas pessoas vulneráveis, com apoio e empoderamento do Estado, podem se tornar tais profissionais, dando a estas pessoas mobilidade social para que saiam da faixa de vulnerabilidade e possam ingressar em outras faixas do tecido social.

Hoje, por exemplo, temos uma procura de várias pessoas, na condição de vulneráveis, para cursos na área da construção civil, em especial de acabamentos. Isso porque o nosso Estado está em desenvolvimento e há necessidade desses profissionais, o mercado não tem mão de obra suficiente.

Essa é a ideia do nosso governador, da transversalidade entre as pastas, que possibilita à Assistência Social se unir com a Educação, se unir com a Funtrab, para que tudo isso aconteça.

O Estado: Hoje, temos diversos programas assistenciais como MS Social, Energia Social e Vale Universidade, além do Bolsa Família, do governo federal. Quantas pessoas se beneficiam e há casos de pessoas passando fome em MS?

Patrícia Cozzolino: Ainda temos casos de pessoas passando fome porque com o cruzamento e mapeamento nós descobrimos 40 mil famílias, dentro do CadÚnico (Cadastro Único) que não se encontram em nenhum programa social, seja federal ou estadual.

Então, o que nós estamos fazendo, desde que iniciamos a nossa gestão: estamos justamente redirecionando os programas para que essas pessoas sejam incluídas e cheguem a ter um suporte, no âmbito do Estado.

O Estado: Onde estão concentradas essas famílias que ainda não foram alcançadas por algum programa social? Estão mais pulverizadas em todo o Estado?

Patrícia Cozzolino: Isso, estão pulverizadas. O CadÚnico dá os endereços, mas, mais do que isso, preocupados também com famílias que podem não ter registros, porque para que exista esse registro a família tem que ir até o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) e nos municípios distantes ou quando não há a sede urbana do município. Uma peculiaridade do nosso Estado: podem existir pessoas que nunca pisaram em um Cras.

Então, para que nós tenhamos uma visão mais real e fidedigna, a Secretaria Estadual de Assistência Social está fazendo uma coleta direta de dados em todos os municípios de Mato Grosso do Sul, com um questionário que tem 60 perguntas, vai mapear todo esse público e também, ao final, em 15 de dezembro, nos dará o índice de vulnerabilidade social para o município. Aí o governador Eduardo Riedel, junto com o secretariado, vai poder conduzir as políticas públicas de acordo com os dados mais reais.

O Estado: Levou cerca de um ano para conseguir localizar essas pessoas? Será que dará mais de 40 mil?

Patrícia Cozzolino: Acredito que não, pois o CadÚnico também tem uma outra peculiaridade: assim como a Declaração do Imposto de Renda, tem a característica de autodeclaração. No CadÚnico as pessoas procuram o Cras e elas mesmas informam sua situação. Acontece que, às vezes, elas informam uma renda que não é real porque desejam ser incluídas em programas de assistência federal ou estadual. Então, vai haver um índice de exclusão e outro integrando. É um ‘pente-fino positivo’, para que o Estado chegue realmente em quem precisa.

O Estado: Como o governo faz para evitar fraudes e pessoas que não necessitam da ajuda recebam os benefícios?

Patrícia Cozzolino: Existem duas formas mais firmes. A primeira é a visita nas residências e isso está sendo feito. Estamos, inclusive, com o projeto para recadastramento de todos os beneficiários da Cesta Indígena e de todos os beneficiários do Mais Social. A visitação in loco é importante para que se faça a checagem da renda declarada com a realidade da renda que se apresenta na vida da pessoa.

Além disso, também fazemos o cruzamento de dados. Nós temos cruzado dados por meio do Banco do Brasil, da Secretaria de Fazenda, usando vários sistemas e excluindo aqueles que não têm necessidade do Programa Mais Social. Esse programa não é bônus, não é um acréscimo na renda do vulnerável, ele é um programa de segurança alimentar daqueles que estão na faixa de extrema pobreza. Então, muitas vezes, a gente ouve uma reclamação ou outra da pessoa ter sido desvinculada, mas isso acontece para que tenha o redirecionamento a quem efetivamente precisa.

O Estado: Nesse quase um ano, alguma história te chamou a atenção? De alguém que não precisava e estava recebendo?

Patrícia Cozzolino: Nós encontramos, por exemplo, pessoas que estavam pagando Netflix com o valor referente ao programa. A pessoa não estava gastando com segurança alimentar. O programa foi feito para aquisição de alimento e gás de cozinha, mas encontramos coisas nessa ordem.

O Estado: A pandemia trouxe uma triste realidade do Brasil, das pessoas “invisíveis”, aquelas que vivem na vulnerabilidade, mas não fazem parte de nenhum dos programas de governo. O que MS tem feito para esta população?

Patrícia Cozzolino: Além dos cadastramentos, foi aprovada uma lei, encaminhada pelo nosso governador, que é o programa “Cuidar de Quem Cuida”. Ela terá publicação no Diário Oficial, possivelmente na próxima semana. Esse programa faz uma transferência de renda de novecentos reais (R$ 900) ao cuidado exclusivo de pessoa com deficiência (PcD) níveis dois e três – que não têm o autocuidado e precisam de suporte para alimentação e higienização.

Então, esses cuidadores, via de regra, de acordo com o levantamento que fizemos, são mulheres. São as mães que ficam com os filhos nessa situação, que muitas vezes usam até traqueostomia. É um programa pioneiro e que vai ter um impacto muito grande na nossa população.

Além da transferência mensal, essa cuidadora também vai receber visitas periódicas da Secretaria, com uma equipe composta por psicólogo, assistente social, nutricionista com experiência em alimentação parenteral, para que o cuidado seja monitorado.

O Estado: Esse programa também vai atender a pessoas que cuidam de idosos?

Patrícia Cozzolino: Nesse primeiro momento, serão só as pessoas com deficiência, pois o orçamento está sendo feito em cima deste ano, graças a uma sobra orçamentária. Mas isso possibilitará um cuidado mais humanizado, queremos que essas pessoas possam ser cuidadas dentro do seu ambiente familiar e não institucional.

Essas cuidadoras são pessoas que lutam! Lutam procurando assistência em saúde, lutam buscando transporte… Com esse programa, inclusive, poderemos saber qual município está efetivamente contribuindo com fraldas, alimentação, deslocamento. Ou seja, conseguiremos abrir outras frentes de cuidados, que vão impactar muito profundamente a vida dessas pessoas.

O Estado: Já está disponível o número de pessoas que poderão ser alcançadas pelo novo programa?

Patrícia Cozzolino: Hoje, pelo CadÚnico, são duas mil pessoas em todo o Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, é por volta de 700 a 800 pessoas.

O Estado: O presidente Lula assinou decreto que prevê a retirada do país do mapa da fome até 2030. É possível acreditar que isso aconteça, se tratando de Brasil?

Patrícia Cozzolino: Se a gente perder a esperança de acreditar, a gente para de trabalhar. Mas é necessário um incremento muito grande, por parte do governo federal. Então, vai depender de quanto eles vão repassar para o nosso Estado.

O Estado: Na questão da população indígena, o Governo do Estado entrega, todos os meses, 19.899 cestas alimentares nas aldeias de MS. Como está o andamento dessa política?

Patrícia Cozzolino: Há dois meses foi montado um grupo interinstitucional de trabalho com a nossa secretaria, com a Subsecretaria Indígena, do Ministério Público e Defensoria Pública Federal. Houve a publicação em Diário Oficial e, desde então, estão havendo reuniões para discussão de logísticas das entregas das cestas, controle e o aumento do percentual de alimentos e uma aculturação deles, substituindo elementos. Por exemplo, colocando a farinha de milho no lugar da farinha de trigo, a inclusão de uma erva de tereré. Então, estamos em um efetivo trabalho para que seja apresentado um novo modelo de cesta indígena e uma nova logística, para que ela chegue prontamente ao indígena que precisa.

O Estado: Podemos ter novos programas sociais durante o governo?

Patrícia Cozzolino: Nós também vamos ampliar as residências inclusivas para as pessoas com deficiência, que dependem do cuidado do Estado. Está no nosso radar uma localização para mais uma Casa Abrigo para mulheres vítimas de violência. Estamos, ainda, estudando um programa para atender a pessoa idosa, haja vista que o envelhecimento da população como um todo tem aumentado e essas pessoas têm mais tempo para se qualificar e aplicar a mobilidade social. Então, o Estado precisa voltar os olhos de uma maneira mais eficaz para essas pessoas. Sabemos que um percentual muito grande dos idosos com aposentadoria estão com ela comprometida, passando dificuldades e chegando à insegurança alimentar.

Por Kamila Alcântara 

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