Arcebispo de Campo Grande explica que o Tempo Pascal se encerra na festa de Pentecostes, daqui 50 dias
Domingo (9), cristãos celebram a Páscoa, uma das festividades mais importantes para o cristianismo, pois representa a ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus. Entretanto, o arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Campo Grande, Dom Dimas Lara, explica que data começa ainda na noite de sábado, com a vigília pascal, mas que o Tempo Pascal tem duração de 50 dias e se encerra com a festa de Pentecostes, que é a celebração da vinda do espírito santo.
“O Pentecostes faz parte da celebração da Páscoa. A Páscoa não é só o domingo ou a vigília pascal, são todos esses dias que vão até o Pentecostes, em que se encerra o Tempo Pascal e que é o cumprimento da promessa de Jesus do envio do espírito santo que, na sua ausência física, ele deveria conduzir a igreja até o fim dos tempos. A Semana Santa nós a chamamos de ‘Semana Maior’, durante toda a quaresma nós nos preparamos, justamente para a grande festa que é a Páscoa. A Páscoa é o centro do ano litúrgico”, disse.
Por outro lado, o coelhinho da Páscoa tem ocupado o lugar de Jesus Cristo. Segundo Dom Dimas, grande parte da população vê a Páscoa como apenas um feriado prolongado. “Um dos poucos feriados religiosos que ainda restam”, frisa.
Em entrevista ao O Estado, Dom Dimas, que a Igreja Católica tem buscado aproximar dos fiéis e ensinar a fé seguindo a modernidade. O arcebispo frisou que a Igreja tem aconselhado a não emitir opinião de cunho político.
“A igreja tem insistido que os padres não participem de uma política partidária, porque a partir do momento que você é candidato de um partido, você vai rachar a sua paróquia”, pontua.
O Estado: Qual o significado da Semana Santa e a Páscoa?
Dom Dimas: A Semana Santa nós chamamos de “Semana Maior”, durante toda a Quaresma, nós nos preparamos, justamente para a grande festa, que é a Páscoa. A Páscoa é o centro do ano litúrgico, mas, especificamente, o Tríduo Pascal, quinta, sexta e sábado Santos e a Semana Santa já é essa imersão, de uma maneira mais direta, no Ministério Pascal.
A Páscoa, tem um lastro no Antigo Testamento, mas passagens mais antigas mostram que era uma espécie de festa pastoril em que os nômades, ao saírem de uma pastagem para outra, faziam uma celebração, matavam um cordeiro, ungiam a tenda principal com o sangue do cordeiro, uma espécie de pedido de bênçãos para a viagem que fariam para uma área, normalmente mais desértica. Com a libertação do povo de Deus do Egito, com Moisés, a Páscoa passou a significar, justamente, essa noite santa da saída da escravidão para a liberdade. Então, foi celebrada com pães ázimos, com cordeiro pascal, comia-se um por família e, logo em seguida, o povo sairia e aí tem todas as peripécias da travessia do Mar Vermelho em caminhada ao Monte Sinai, mas a Páscoa passou a ser esta celebração da memória da libertação da escravidão. Para nós, cristãos, Jesus ressuscitou, justamente, no domingo de Páscoa ou, melhor dizendo, ele ressuscitou na manhã do primeiro dia da semana.
A Páscoa judaica é sempre celebrada, justamente com esse fundo antigo da migração dos povos nômades, na primeira lua cheia da primavera, lá na Terra Santa, então, para os judeus, a Páscoa pode cair em qualquer dia da semana. Jesus foi crucificado na sexta-feira e ele ressuscitou na noite de sábado para domingo, então nós, cristãos, celebramos a Páscoa não mais em qualquer dia da semana, mas no domingo subsequente e celebrando sempre a ressurreição do Senhor.
O Estado: A Páscoa virou sinônimo de consumo e de feriado prolongado. O que mudou, na fé do brasileiro?
Dom Dimas: Não é só na fé do brasileiro, não. Na Itália, eles têm um ditado: “No Natal, você fica com os teus. Na Páscoa, você faz o que quiser”, ou seja, a Páscoa, na Itália, é muito menos sentida do que para nós, aqui. Eu acho que o brasileiro ainda sente muito a Semana Santa, sobretudo o Tríduo Pascal, mesmo a festa de Ramos, celebrada no domingo passado, mas, se a gente olhar, por exemplo, a missa de Lava-Pés, a Paixão de Cristo, a vigília pascal são festas que dão muita participação, atraem muita gente.
Agora, é fato que a maioria da população vê a Páscoa como feriado prolongado, um dos poucos feriados religiosos que ainda restam, da Sexta-Feira Santa não chegam a ver mais a Páscoa como uma festa religiosa e, nesse sentido, o coelhinho da Páscoa, que teoricamente queria representar a vida, porque, ao quebrar o ovo, dali de dentro saem muitos ovinhos, mas, assim como o Papai Noel tomou o lugar de Jesus, no Natal, o coelhinho acabou tomando o lugar, também, e virou o centro das atenções, na Páscoa.
O Estado: Como fazer para que as crianças e jovens percebam que o principal no período da Páscoa não é o chocolate e nem o coelhinho?
Dom Dimas: Tudo agora depende de uma boa catequese. Nós temos procurado implantar, na Diocese, a iniciação à vida cristã, ou seja, uma catequese com inspiração catecumenal e isso vale, sobretudo, quando se trata de adultos, porque também eles precisam ser evangelizados, mesmo os que foram batizados na igreja, pois é muito comum ter pessoas que receberam o Sacramento do Batismo, mas que nunca chegaram a ser evangelizados ou catequizados formalmente, de modo que a iniciação à vida cristã é um caminho para mostrar às crianças a centralidade de Jesus na sua própria vida. E, a partir do momento que a obra e a missão de Jesus estão no centro da sua própria formação, a Páscoa virá naturalmente.
O Estado: Antigamente, nas escolas, havia aula de catecismo. Isso afastou as crianças, em geral?
Dom Dimas: Na verdade, a catequese continua nas igrejas e o que a legislação prevê e, infelizmente, isso ainda não é cumprido, em grande parte das escolas, é que o ensino religioso é facultativo para o aluno, mas obrigatório para a escola. Ou seja, teoricamente, toda escola deveria oferecer, na grade normal, o ensino religioso, porque na base nacional curricular é como uma área de conhecimento, no entanto, se tem que cortar alguma coisa no currículo das escolas, a primeira coisa que cai é o ensino religioso, quando existe. A grande dificuldade é que o ensino fundamental foi municipalizado e isso significa que o acordo para implantação do ensino religioso nas escolas, no ensino fundamental, terá que ser no corpo a corpo, com cada prefeitura.
O Estado: Na Semana Santa, as paróquias anunciam e promovem mais momentos para atender os fiéis para a confissão. Por que esse é um momento especial para receber o sacramento da penitência?
Dom Dimas: Não só na Semana Santa, mas na Quaresma toda, que é uma preparação para a Páscoa. A Quaresma tem esse espírito de penitência, jejum, mortificação, abstinência, caridade e essas coisas deveriam fazer parte de todo o ano litúrgico, não apenas da Quaresma, mas, realmente, até porque nós somos pessoas discursivas, não conseguimos assimilar e falar de tudo ao mesmo tempo, a igreja distribui as reflexões sobre os ministérios ao longo do ano e, como eu já disse, o centro é a Páscoa, a partir daí se marca todo os outros tempos, comum, pascal, Natal e advento.
Então, realmente, a Quaresma e a Semana Santa são aqueles períodos em que as próprias leituras, dinâmicas e celebrações falam de penitência, de conversão e de como existe o mandamento de se confessar ao menos uma vez por ano, comungar pelo menos pela Páscoa da Ressurreição, nós procuramos, realmente, facilitar, para que as pessoas possam ter um número maior de padres, até mutirões de confissões.
O Estado: É também no domingo de Páscoa que se inicia a preparação para a festa de Pentecostes, celebrada daqui a 50 dias? O que é o Pentecostes?
Dom Dimas: O Pentecostes faz parte da celebração da Páscoa. A Páscoa não é só o domingo ou a vigília pascal, são todos esses dias que vão até o Pentecostes, em que se encerra o Tempo Pascal e que é o cumprimento da promessa de Jesus, do envio do espírito santo que, na sua ausência física, deveria conduzir a igreja até o fim dos tempos, de modo que Pentecostes é a celebração da vinda do espírito santo e é considerado o dia do nascimento da igreja.
Embora Jesus seja o fundador, ele instaurou a igreja com sua palavra, missão, ensinamentos, eucaristia, com a escolha dos 12 apóstolos, com as estruturas todas, mas ela vai ser realmente inaugurada na manhã de Pentecostes, quando o espírito santo vem sobre os apóstolos e, a partir daí, eles saem anunciando o evangelho até os confins da Terra, como diz Atos dos Apóstolos.
O Estado: Por que se relaciona o carnaval com a Semana Santa, onde se tem o período de quarentena na quarta-feira de cinzas. Eles têm ligação?
Dom Dimas: O carnaval era uma festa religiosa, era um período de festa antes do início da Quaresma, justamente porque, em tempos mais antigos, a abstinência quaresmal era bem mais rigorosa que hoje, os jejuns também, e era quase como uma despedida, antes da quarta-feira de cinzas, celebravam-se alguns dias de festa, de modo que muita gente diz que a Semana Santa depende do carnaval e é ao contrário.
No ano litúrgico, a primeira coisa que é marcada é a data da Páscoa e ela é, no fundamento, a primeira Lua cheia da primavera, lá na Terra Santa, aí tem a data da Páscoa judaica, no caso dos católicos, o domingo imediatamente seguinte. Marcou a data da Páscoa aí se marca todos os outros, incluindo a quarta-feira de cinzas.
O Estado: Qual a razão das as pessoas têm se afastado cada vez mais da igreja?
Dom Dimas: Esse é um tema que até o próprio Vaticano Segundo refletia. Por muitos motivos. Acho que nós, cristãos, devemos fazer a mea culpa, no sentido de que a nossa incoerência, o nosso contratestemunho, certamente afasta as pessoas da igreja mais do que atrai. A nossa própria pregação, porque nem sempre nós anunciamos o evangelho na sua pureza, na sua integralidade, muitas vezes a gente anuncia penduricalhos que não tem nada a ver com a radicalidade do Evangelho.
Mas também, existe um aumento, chamemos assim, da concorrência, porque, com o advento dos meios de comunicação, a grande mídia foi assumindo valores que não são cristãos, valores da família foram sendo questionados, demolidos e depois, com o advento das redes sociais, existe muita gente gritando e às vezes com mais competência que nós, católicos.
Hoje, a pessoa que mora na grande cidade convive com diversos tipos de religião, inclusive anticristãs. E hoje, talvez, a gente tenha diminuído em números, mas se exige qualidade, porque a pessoa que decide ser católica significa que ela realmente acredita, busca alguma coisa e isso independente das vozes que gritam, ao seu entorno. Uma coisa que eu sempre tenho dito e que é um desafio para a nossa evangelização é que existem muitas pessoas que não abraçam a fé na sua integralidade, então, é muito raro você encontrar um católico que abrace toda a doutrina da igreja e toda a moral católica.
O Estado: O fato de a pessoa optar por rezar, pedir perdão e conversar com Deus em suas casas e não ir à igreja preocupa?
Dom Dimas: Isso é do meu tempo de criança já, não é coisa do momento atual, não. Eu não preciso do padre, eu me confesso direto com Deus, essa é uma ideia protestante, já de cinco séculos de duração. Hoje, tem muita gente que não se confessa, mas tem muita gente que quer se confessar toda semana e não consegue, nem acha padre para isso.
O fato é que nós chegamos a um limite, no sentido de que existe esse mandamento da igreja de se confessar ao menos uma vez por ano, se todos os católicos ou todos os que foram batizados na igreja, se pegar mos Campo Grande, com uma população de mais de um milhão de pessoas, quantos foram batizados, vamos dizer que a metade, 500 mil, mas sabemos que é muito mais que isso e se todos fossem se confessar uma vez por ano, os padres não fariam outra coisa e não iam dar conta. Então, é algo que nós também temos que amadurecer, nos dispor sempre mais à confissão e graças a Deus os nossos padres estão fazendo isso, porque o povo não quer apenas se confessar, o povo quer ser ouvido.
O Estado: Existe um ditado brasileiro que diz, futebol, religião e política não se discutem. No entanto, de uns tempos para cá temos visto um envolvimento de padres com a política e vice-versa? São novos tempos?
Dom Dimas: São e não são novos tempos. Temos Dom Aquino mesmo sendo bispo foi governador do estado do Mato Grosso, quando ainda era uno, é uma coisa meio que insólita em nível de Brasil. Agora já faz um bom tempo que existe sim uma imersão de padres na política, de católicos na política com certeza e isso já há muitas décadas, aliás desde meados do século passado com a ação católica que católicos se inseriram nos mais diversos âmbitos da sociedade, inclusive, da política.
Com o passar do tempo, a gente vê isso, por exemplo, durante o período do regime militar era muito comum que os padres animavam as comunidades a participarem da política e eles também acabavam mergulhando, até mesmo em cargos eletivo. De uns tempos para cá, a Igreja de Roma, com João Paulo II sobretudo, e aqui no Brasil também com o CNBB a igreja tem insistido que os padres não participem de uma política partidária, porque a partir do momento que você é candidato de um partido, você vai rachar a sua paróquia, porque nem todos os seus paroquianos serão daquele partido. Então que o padre assuma uma função de assessoria, executiva, não é tão complicado.
Por Rafaela Alves – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul
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