Sua carreira política acabou há 12 anos, mas Jacques Chirac, foi um sobrevivente político e ele será conhecido por uma das mais longas carreiras políticas contínuas na Europa. O anúncio de sua morte veio do genro que disse a Agência de Notícias da AFP: “O presidente Jacques Chirac morreu nesta manhã cercado por sua família, em paz”.
Chirac cumpriu dois mandatos como presidente da França e foi o grande responsável pela adoção do euro, em substituição ao franco, então a moeda francesa. O Congresso francês fez um minuto de silêncio em sua homenagem.
Jean-Claude Juncker, president da Comissão Europeia e ex-premiê de Luxemburgo, disse que estar “emocionado e arrasado” ao saber da notícia. “A Europa não está perdendo apenas um grande estadista, mas o presidente está perdendo um grande amigo”, disse Juncker por meio de um comunicado.
Chirac migrou do gaullismo anti-europeu para defender uma constituição da União Europeia que foi rejeitada de forma ampla pelos eleitores franceses.
Sua recusa em apoiar a invasão liderada pelos EUA no Iraque piorou sua relação já difícil com o então primeiro-ministro britânico, Tony Blair.
Mas a reputação de Chirac em casa ficou manchada quando, depois de deixar o Palácio do Eliseu — a sede do governo francês — foi condenado por corrupção durante seu longo mandato como prefeito de Paris.
Jacques René Chirac nasceu em 1932, filho de um gerente de banco que mais tarde se tornou diretor da empresa de aeronaves Dassault.
Educado na École Nationale d’Administration, a escola de elite para aspirantes a funcionários públicos, o jovem Chirac flertava com o comunismo e o pacifismo.
Ele serviu por um tempo na reserva do exército francês e foi ferido durante a guerra colonial francesa na Argélia.
Nos anos 1960, trabalhou como assistente do primeiro-ministro gaullista Georges Pompidou.
Foi Pompidou quem possibilitou a ascensão de Chirac, nomeando-o secretário de Estado em 1967.
Em 1974, os gaullistas passaram por um ano considerado divisor de águas.
Com os holofotes sobre si, Chirac liderou um motim contra o candidato gaullista oficial à presidência, Jacques Chaban-Delmas, em favor de Valéry Giscard d’Estaing.
Prefeito de Paris
Quando este último se tornou presidente, recompensou Chirac com o cargo de primeiro-ministro. Ele tinha 41 anos.
Dois anos depois, veio outra divisão.
Chirac, ansioso por mais poderes, renunciou ao cargo de primeiro-ministro e agravou a crise no governo, formando seu próprio partido neo-gaullista, o RPR.
Em 1977, foi eleito prefeito de Paris, cargo que ocuparia por 18 anos.
Mas seu mandato foi marcado por numerosos escândalos financeiros e políticos que manchariam sua reputação.
Ele tinha ambições para a presidência e, em 1981, concorreu, sem sucesso, contra o socialista François Mitterrand.
Mitterrand fez Chirac primeiro-ministro em 1986, durante o período de “coabitação” entre esquerda e direita, mas a relação entre os dois era difícil. Houve discordâncias sobre até que ponto Chirac achava que os poderes presidenciais estavam invadindo seu próprio papel como primeiro-ministro.
No entanto, as manifestações contrárias de Chirac tiveram pouco impacto em Mitterrand, cujo apelido “Dieu” – “Deus” – revelou muito sobre sua própria imagem autoritária.
Chirac sofreu um profundo revés quando estudantes o forçaram a abandonar as mudanças que haviam planejado para o sistema universitário.
Ele também foi fortemente criticado por seu papel na libertação de reféns franceses mantidos no Líbano em 1988.
Muitos suspeitavam que Chirac havia feito um acordo com o Irã, que apoiava os sequestradores, algo que ele sempre negou com veemência.
Depois de ser derrotado alguns dias depois por Mitterrand nas eleições presidenciais de 1988, Chirac renunciou ao cargo.
Sempre uma pedra no sapato dos socialistas, Chirac ainda acreditava que chegaria a sua hora, em meio às mudanças de comportamento do povo francês sobre tributação, privatização e papel do Estado.
Em todas essas áreas, a opinião pública estava se movendo para a direita e a única pergunta era quem pegaria o bastão.
O tempo de Chirac finalmente chegou durante as eleições presidenciais de 1995.
Prometendo reduzir impostos e cicatrizar a divisão social na França, ele derrotou seu principal rival gaullista, Edouard Balladur, no primeiro turno, e derrotou o sucessor socialista de Mitterrand, Lionel Jospin, no segundo.
Protestos violentos
Assim, em sua terceira tentativa, “o trator”, como Chirac foi apelidado, finalmente chegou ao Palácio do Eliseu, encerrando 14 anos de oposição à direita francesa.
Mantendo grande parte da pompa que acompanha o trabalho, Chirac tentou humanizar a presidência.
A calçada em frente ao Palácio do Eliseu, até então fechada para pedestres, foi aberta ao grande público. Chirac também estabeleceu um canal de comunicação direto com os franceses, que podiam enviar um email diretamente a ele.
Mas não houve, de fato, mudanças significativas.
Seis semanas após sua posse, Chirac chocou a opinião mundial ao anunciar a retomada dos testes nucleares franceses no Pacífico Sul.
Quando os testes ocorreram no atol de Mururoa, o Taiti, território francês próximo dali, mergulhou em manifestações violentas.
Os protestos só terminaram quando o presidente enviou a Legião Estrangeira.
Ele também tomou medidas duras contra grupos de proteção ao meio ambiente, ordenando a tomada de um navio do Greenpeace que havia entrado na área de teste.
Tensões
Chirac continuou a política de estreita cooperação com a Alemanha, declarando publicamente que a integração européia dependia da liderança franco-alemã.
Ele foi repreendido por manter as taxas de juros francesas altas, a fim de ganhar terreno sobre o marco alemão.
Chirac disse que era o preço a ser pago por uma moeda européia única, à qual a França eventualmente aderiu.
Em casa, nada poderia mascarar os problemas endêmicos que afetavam a sociedade francesa.
Altos níveis de desemprego, subclasse crescente e aumento das tensões raciais fizeram o público francês se tornar cada vez mais desconfiado da política e dos políticos.
O ressurgimento da Frente Nacional de extrema direita de Jean-Marie Le Pen nas eleições presidenciais de 2002 abalou a política do país.
Nas eleições, Le Pen e Chirac se enfrentaram.
Embora o líder de extrema-direita tenha sido derrotado, o resultado levantou questionamentos sobre a democracia francesa.
Oposição à guerra no Iraque
No entanto, a reputação de Chirac foi reforçada, por um tempo, por sua implacável oposição à guerra no Iraque.
Sua recusa em envolver os franceses em qualquer invasão indignou muitos nos Estados Unidos e gerou um atrito entre ele e Tony Blair, mas Chirac permaneceu desafiador.
“Os Estados Unidos têm uma posição própria nesse caso”, disse ele à BBC em 2004. “O presidente americano diz que não mudará de posição, o que eu posso entender perfeitamente. A França tem a dela e não vai mudar”.
“Isso não significa que somos desrespeitosos um com o outro”, acrescentou.
Foi a Europa, no entanto, que veio a definir a presidência de Chirac.
Seu sonho de uma Europa liderada por França e Alemanha afundou quando a expansão da UE trouxe novos membros do leste, mudando radicalmente o antigo equilíbrio de poder.
E, apesar de celebrar o centésimo aniversário da Entente Cordiale (série de acordos entre França e Reino Unido, assinados em 1994) em 2004, as relações entre os dois países tornaram-se cada vez mais tensas, principalmente por causa das contribuições britânicas ao bloco econômico.
“Pessoalmente, lamento o fato de o Reino Unido ter se recusado a pagar uma parcela justa e razoável do custo da expansão”, afirmou Chirac em 2005.
Derrocada
A rejeição decisiva do público francês à proposta de Constituição da UE em maio de 2005 foi um golpe sísmico, tanto para a elite política do país quanto para o homem cujo próprio legado dependia desse resultado.
Imediatamente após a votação, Chirac fez um pronunciamento visivelmente intimidado na TV francesa.
“Não vamos nos enganar”, disse ele. “A decisão da França inevitavelmente cria um contexto difícil para a defesa de nossos interesses na Europa. Devemos responder a isso unindo em torno de um requisito; interesse nacional”, acrescentou.
O fracasso de Paris em 2005 em vencer a competição para sediar as Olimpíadas de 2012 simbolizou a perda de confiança no governo de Chirac.
Seu segundo mandato como presidente terminou em 2007 e, quatro anos depois, o ex-líder, já doente, foi condenado por corrupção envolvendo seu mandato como prefeito de Paris.
Nacionalista na tradição gaullista, Jacques Chirac era um homem de grande capacidade política que trouxe carisma e charme pessoal ao papel de presidente.
Seus críticos o apelidaram de “cata-vento”, mas, após uma carreira de 40 anos, o clima político mudou e suas próprias habilidades, uma vez formidáveis, diminuíram. (Rafael Belo com BBCnews)