“Peão daqui é rústico, criado no campo, e isso faz diferença”

Mauro Rodrigues no rodeio de Bom Jesus de Goiás GO, em julho. Foto: Lealdini Fotografias
Mauro Rodrigues no rodeio de Bom Jesus de Goiás GO, em julho. Foto: Lealdini Fotografias

Rodeio cutiano se consolida no Estado e preserva tradição

Criado em 1977, Mato Grosso do Sul completa 48 anos em 2025 com uma identidade profundamente ligada à vida no campo. Entre tantas expressões culturais do interior, o rodeio cutiano, modalidade de montaria em cavalos criada no Brasil, se destaca.

O nome cutiano vem de “cutia”, tipo de arreio usado nas primeiras montarias da região paulista, onde a modalidade surgiu antes de se espalhar pelo país. O Estado foi pioneiro na prática, ajudou a moldar o estilo e forma peões que levam sua bandeira pelas principais arenas do Brasil.

A modalidade, 100% brasileira, exige técnica e equilíbrio. O peão segura a rédea com apenas uma mão e mantém a outra livre, sem encostar em nada. A finalidade é se manter sobre o cavalo por oito segundos. Vence quem cumprir o tempo com melhor desempenho e equilíbrio. “O peão fica, praticamente, só com as nádegas no arreio e tem que puxar as esporas pra cima”, explica João Gimenez, competidor sul-mato-grossense da nova geração. “Existem dois tipos: o ferrinho, com as rédeas na cabeça do cavalo, e a peiteira, onde se passa uma peiteira no pescoço do animal, o que dificulta mais.”

Um dos nomes que carrega essa tradição é o naviraiense Mauro Rodrigues, de 48 anos. Criado em fazenda, o atleta começou montando bezerros aos 12 anos e virou profissional aos 15. Após uma lesão em 1996, migrou dos touros para o cavalo e construiu uma carreira marcada por conquistas, incluindo prêmios como carro, motos e caminhonete. “Tudo que eu tenho veio do rodeio. É o resultado de muito esforço e dedicação”, afirma.

Neste ano, Mauro ficou em segundo lugar em Barretos, a arena mais tradicional do país, o perdeu o título por apenas três pontos. “É gratificante levar o nome de Naviraí e do Mato Grosso do Sul. Mas ainda quero esse título”, diz. Apesar do sucesso, Mauro observa que o cenário local é frágil. “Hoje, o Estado tem poucos rodeios de qualidade por ano. Mas o peão daqui é rústico, criado no campo, e isso faz diferença”, avalia.

Entre os que ajudaram a consolidar a história do rodeio cutiano, Luiz Antônio do Nascimento, 56, de Aparecida do Taboado, é o principal nome do Estado. Campeão em Barretos em 1994, Luizinho é considerado, por admiradores e colegas, uma lenda da modalidade, pelas suas técnicas precisas.

Em 1988, ele trocou o trator pelo arreio e, desde então, conquistou 38 carros e 58 motos ao longo da carreira, um feito raro mesmo entre os grandes campeões. Conhecido como “maquininha de esporear”, se destacou nas décadas de 1990 e 2000 e investiu seus prêmios em terra, gado e maquinário agrícola, sua fonte de renda e estabilidade hoje, fora das arenas.

Estado fica ‘pequeno’ para nova geração

De Deodápolis, João Gimenez, de 26 anos, é exemplo dos novos talentos. Filho e sobrinho de competidores, é a terceira geração de uma família ligada ao rodeio. “Cresci nesse ambiente e nunca pensei em fazer outra coisa”, conta.
João entrou para a Ekip Rozeta, uma das maiores companhias do país, em 2019, e desde então figura entre os dez primeiros do ranking nacional. Em 2023, foi campeão brasileiro da categoria cutiano e venceu etapas em Patos de Minas, Palestina e Londrina, algumas das mais importantes do circuito. “A Ekip Rozeta foi um divisor de águas. Entrei por convite e ganhei logo na estreia. Desde então, Deus vem me abençoando”, comemora.

Ao contrário de muitos competidores, João sempre preferiu o cavalo aos touros. “Fui criado mexendo com cavalo, isso sempre foi a minha vida e o que eu gosto de fazer, então nunca pensei em montar em boi”, afirma.

Mesmo com o sucesso, João lamenta o enfraquecimento dos rodeios locais. “Eu monto quatro ou cinco vezes por ano no Estado. A maioria das etapas boas está em São Paulo, Goiás ou Paraná”, relata. Ele acredita, porém, que o Mato Grosso do Sul pode recuperar o protagonismo. “Aqui tem história e gente boa. Só falta valorização. Já tivemos um calendário forte, e isso pode voltar.”

O talento dos peões sul-mato-grossenses agora cruza fronteiras. Na próxima quarta-feira (15), o rodeio cutiano será apresentado nos Estados Unidos, em uma exibição especial no Cowtown Coliseum, em Fort Worth, no Texas, um dos templos mundiais do rodeio. O evento reunirá oito competidores brasileiros para mostrar a técnica e o estilo das montarias em cavalo criadas no país.

 

João Gimenez foi campeão da Copa Rozeta, em 2023. Foto: FS Photo Arena

 

Madrinheira marca presença

Além de João, o também deodapolense Jeferson Caldeira, quarto colocado em Barretos, representará a nova geração. A comitiva contará ainda com Ana Cláudia, uma das madrinheiras, profissional a cavalo responsável por garantir a segurança do peão após a montaria, atuando como uma “salva-vidas” na arena, mais respeitadas do país, que fará história ao se tornar a primeira mulher brasileira a madrinhar em uma arena norte-americana.

O convite para a exibição no Texas é visto como um marco. Mais do que exportar atletas, o Mato Grosso do Sul leva consigo uma tradição que faz parte da identidade cultural do Estado. João lembra também do impacto social e econômico do esporte. “Tudo que eu tenho foi o rodeio que me deu: carro, sustento, oportunidades. Vivo disso desde que comecei.”

Da tradição à estrutura profissional

O sucesso de peões como Mauro e João também se deve ao trabalho de companhias que ajudaram a consolidar o rodeio cutiano no Estado. Uma das mais conhecidas é a Companhia de Rodeio Marca 90, de Jateí, fundada por José Manfré em 1976. O empresário foi pioneiro na organização de montarias em cavalos, quando trabalhava de tropeiro entre São Paulo e o então Mato Grosso, e ajudou a difundir a modalidade na região sul.

Hoje, o filho, Tim Manfré, mantém o legado. “O rodeio faz parte da nossa história. Nasci e me criei no meio disso. Passei por tudo: peão, tropeiro e agora empresário. Continuar o trabalho do meu pai é manter o sonho dele vivo”, afirma.

Tim Manfré mantém legado do pai em companhia de rodeio de Jateí. Foto: Arquivo Pessoal

Atualmente, a Marca 90 já não mantém mais as tropas de cavalos que fizeram história nas décadas passadas. A companhia concentrou suas atividades na parte estrutural dos eventos, e fornece arenas, bretes, arquibancadas e camarotes para rodeios em diferentes estados. “A Marca 90 segue ativa, participando dos grandes rodeios do Brasil. É uma nova fase, com o mesmo compromisso de fazer o melhor, inclusive, em 2019, a companhia foi eleita a melhor estrutura do Brasil”, explica Tim.

Tim acredita que o Estado ainda tem potencial para retomar o protagonismo, desde que haja mais incentivo. “O interior é forte, mas as cidades grandes precisam abraçar mais o rodeio. Falta apoio político. É um esporte bonito, que representa a cultura do povo daqui”, afirma.

Enquanto o país celebra os 48 anos de Mato Grosso do Sul, o rodeio cutiano segue sendo uma das expressões mais autênticas de quem vive e trabalha no campo, um símbolo de coragem, dedicação e orgulho de uma terra que aprendeu a montar sem nunca deixar de olhar pra frente.

Por Mellissa Ramos 

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