O técnico português Jorge Jesus, que comandou o Flamengo até julho de 2020, manifestou publicamente o desejo de retornar ao clube carioca. Se a “cantada” pegou mal no mundo do futebol, a iniciativa poderia ser bem vista no mundo do trabalho.
O que definiria, segundo especialistas, se um comportamento desse tipo seria considerado uma demonstração de coragem ou um excesso vaidoso seria o tom da abordagem. E, para isso, não há uma receita pronta -varia de setor para setor, de empresa para empresa.
“O mais comum [no mercado corporativo] é mandar recado e é por isso que tanta gente usa o networking, mas eu sugiro que elas adotem a comunicação direta: ‘eu quero voltar'”, diz a psicóloga Adriana Gomes, coordenadora nacional da área de carreira e mercado da ESPM (Escola Superior de Propagando e Marketing).
O expediente não é comum, diz a professora. “Mas, por outro lado, as empresas ficam admiradas.” A abordagem, afirma, precisa ser educada, gentil, inteligente e adequada ao local.
Adriana afirma que as companhias tradicionalmente têm restrições ao retorno de executivos, entendimento que ela classifica como míope, uma vez que o desejo de voltar costuma estar ligado à convicção de ter feito um bom trabalho.
“Se ela quer voltar, é com o intuito de fazer um bom trabalho e porque entende que a melhor experiência que teve foi naquela empresa”, diz. “As oportunidades não caem no colo das pessoas. Nada na vida corporativa acontece de graça. Acho muito legal da parte dele ter tido a coragem de se expor.”
Também para Izabela Miotto, coordenadora da pós-graduação da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) em gestão de pessoas, o posicionamento do técnico foi um ato de coragem.
“Se pensarmos no mundo corporativo, poucos executivos fariam isso apenas por orgulho”, afirma. Na avaliação de Miotto, o ex-técnico do Flamengo tem a seu favor os resultados conquistados no período em que esteve à frente do clube, o que lhe dá segurança para esse tipo de exposição.
Para ela, porém, a manifestação do desejo de voltar ou entrar numa corporação deve ser comunicada em qualquer momento da carreira. A psicóloga defende que isso poderia ter um efeito sistêmico sobre o mercado corporativo, reduzindo ressentimentos e adoecimentos.
“Qualquer tipo de manifestação pública pode ser interpretada de maneira ruim, é um risco, e por isso é admirável se expor”, diz. “No trabalho, a gente também escolhe, não dá para ser sempre ser escolhido.”
A exposição na tentativa de emplacar um retorno ao antigo empregador também pode ter o efeito rebote, de criar um mal-estar antecipado. Por isso, divulgações públicas, como a de Jorge Jesus, via imprensa, devem ser usadas de maneira estratégica.
Anna Cherubina, professora de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas) em desenvolvimento de carreiras e pessoa, diz que o mundo corporativo e os RHs não costumam ser benevolentes com atitudes refratárias a seus princípios e valores.
“Sua trajetória como técnico do Flamengo foi inesquecível e certamente em algum momento seria lembrado por isto. Ele não entendeu que seu momento atual não era de imposição, mas muito mais de aproximação e análise cenarial”, diz a professora.
No mercado corporativo, segundo Cherubina, as empresas têm enfatizado a busca por profissionais com habilidade como autocontrole emocional. Uma apresentação ostensiva não vai cair bem. “Pode fazer com que as empresas repensem duplamente a sua recontratação, gerando, assim, uma rejeição natural pelo receio às novas surpresas comportamentais.”
Com informações da Folhapress