“Psicologicamente, isso foi um impacto para mim”, apontou Ceferin sobre o controverso torneio
O presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, fez uma analogia curiosa sobre as consequências da criação da Superliga Europeia, projeto que fracassou três dias depois de ser anunciado. O dirigente afirmou que a guerra de dez dias na Eslovênia, há 30 anos, lhe ajudou a estar preparado para tomar medidas contra a competição que quase dividiu o futebol europeu na semana passada.
“Psicologicamente, isso foi um impacto para mim”, apontou Ceferin sobre o controverso torneio, criado por 12 dos maiores clubes da Europa, mas que logo sofreu uma debandada de times diante da pressão dos torcedores, políticos e personalidades do futebol e desmoronou rapidamente. “Foi algo semelhante a uma guerra. Não posso comparar, mas ambas situações foram estressantes. A tensão era semelhante”.
A tarefa imediata de Ceferin era colocar freio em 12 dos clubes mais ricos do mundo, que ameaçaram se separar para criar um competição que era a antítese das regras do futebol europeu. “Crianças mimadas não podem me desestabilizar”, afirmou ele.
Para o dirigente esloveno, foi particularmente difícil digerir a decepção que a Juventus lhe teria causado. Ele tinha uma relação muito próxima com Andrea Agnelli, presidente do clube de Turim e cuja filha é afilhada do líder da Uefa.
Como presidente da Associação dos Clubes Europeus, Agnelli e o resto dos clubes concordaram há duas semanas em mudar o formato da Liga dos Campeões a partir da temporada 2024/2025, como forma de deixar para trás as ameaças de uma Superliga.
Mas, pouco tempo depois, Ceferin teve novas preocupações de que Agnelli descumprisse o seu compromisso de se manter nas competições da Uefa. O esloveno estava na estrada a caminho da Suíça e começou a ligar para o presidente da Juventus. Não houve resposta e os piores receios do líder da Uefa começaram a cristalizar-se.
“O pior dia foi o sábado, porque então percebi que era pura traição, que algumas pessoas haviam mentido para nós durante anos”, relatou Ceferin. “Foi realmente estranho, porque eu não sabia exatamente o que iria acontecer no dia seguinte”.
O plano da Superliga, que originalmente vazou em janeiro, estava em andamento, ativado por 12 clubes: Manchester City, Arsenal, Manchester United, Tottenham, Liverpool, Chelsea, Atlético de Madrid, Barcelona, Real Madrid, Milan, Juventus e Inter de Milão. “Recebi telefonemas de três ou quatro clubes que diziam: ‘Sentimos muito, mas temos que dizer de outra forma que estamos fora'”, contou Ceferin.
As ligas da Inglaterra, Espanha e Itália realizaram reuniões de emergência. De repente, suas principais competições correram o risco de serem afetadas, pois o vínculo que lhes permitia ter lugares em torneios europeus poderia ser cortado.
A direção da Federação Inglesa de Futebol contactou o governo do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, para pedir ajuda, a fim de manter intacta a liga esportiva mais popular do país.
Em resposta, foi divulgado um comunicado conjunto da Uefa, ligas e federações da Inglaterra, Espanha e Itália. Eles alertaram que o “projeto cínico” seria rejeitado por meios legais. Todos os clubes que aderiram à iniciativa separatista seriam excluídos das competições existentes.
O maior grupo, de seis clubes ingleses, seria, portanto, expulso da Premier League, e seus jogadores não poderiam fazer parte de suas respectivas seleções. Mas o grupo de clubes fundadores da Superliga, apelidado de “dúzia suja” por Ceferin, continuou a sua iniciativa até domingo à noite, ao abrir um site que não dava muitos detalhes sobre a competição (especialmente o torneio feminino) e apresentar um logotipo claramente improvisado.
Ceferin ficou furioso. Ele prosseguiu com os planos de informar uma renovada Liga dos Campeões e a lançou contra as “víboras” dos clubes rebeldes, criticando particularmente o vice-presidente do Manchester United, Ed Woodward, e o “mentiroso” Agnelli, por quem afirmou que foi traído.
A Uefa não perdeu tempo em tomar medidas para erradicar a ideia da Superliga antes que se abrisse a possibilidade de contestações legais que levariam a longos processos judiciais. Ceferin recebeu ajuda de Boris Johnson, que ameaçou decretar regras para impedir o novo torneio.
Ele também recebeu sinais de apoio à Liga dos Campeões por parte dos jogadores da própria Premier League. Na Inglaterra, os protestos dos torcedores cresceram e o esloveno detectou algumas rachaduras na aliança do projeto. Com a oportunidade de falar no Congresso da Uefa para 55 países, na cidade suíça de Montreux, na terça-feira, Ceferin fez um apelo direto aos proprietários da Premier League.
“Senhores, vocês cometeram um grande erro”, enfatizou. “Alguns dirão que é ganância, outros que foi desdém, arrogância, leviandade ou total ignorância da cultura futebolística da Inglaterra. Não importa. O que importa é que ainda dá tempo de mudar de ideia. Todos cometemos erros”, discursou.
Agora, Ceferin quer que Real Madrid, Barcelona e, principalmente a Juventus, os únicos três clubes que ainda não confirmaram a saída da Superliga, aceitem a derrota publicamente e renunciem a quaisquer tentativas futuras de ir adiante com a ideia separatista.
“Acho que ela está morta”, opinou. “Nem você e eu estaremos mais no esporte nem no futebol se isso acontecer novamente”. Ceferin negou ter desejo de vingança. No entanto, ele reconheceu que prevalecerão suspeitas sobre certos clubes e suas razões para agir.
“Eu ainda acho que vou confiar nas pessoas, porque aqueles nos quais tinha segurança não me traíram, exceto Agnelli”, pontuou. “Dos outros, eu duvidei o tempo todo, todo mundo”, acrescentou. Como então consertar a relação com o presidente da Juventus? “Não há mais relacionamento. E nunca haverá novamente”, salientou o líder da Uefa.