Proposta de quatro dias divide opiniões; setores como comércio e indústria temem aumento de custos
A proposta de emenda constitucional que prevê a redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais, pondo fim à tradicional escala 6×1, tem sido recebida com opiniões divididas. Para o mestre em economia Eugênio Pavão, a mudança representa uma oportunidade de modernização para o Estado, alinhando-se a uma tendência global que busca valorizar o bem-estar dos trabalhadores e estimular a produtividade. Segundo Pavão, “o novo surge para contestar o antigo”, e esse é um caminho inevitável para atualizar as relações de trabalho e tornar o ambiente corporativo mais adaptável.
Contudo, nem todos veem a proposta com o mesmo entusiasmo. Em nota enviada ao O Estado, a ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande) expressou preocupação, destacando que a medida, ao alterar profundamente a dinâmica entre força de trabalho, produção e consumo, pode provocar consequências negativas para a economia local.
A ACICG alerta que a redução da jornada poderia gerar desequilíbrios, “resultando em uma redução significativa na produção, aumento dos preços e, consequentemente, inflação”. A entidade também aponta o impacto nos custos operacionais de setores tradicionais, como a indústria e o varejo, que dependem de uma presença constante para atender a demanda dos consumidores.
Além disso, a associação ressalta as peculiaridades do mercado brasileiro, como o número elevado de feriados e a produtividade da força de trabalho, que é inferior à média global. “Aplicar essa lógica em setores tradicionais […] é impraticável e poderia causar grandes disrupções,” afirma a ACICG, argumentando que a proposta é mais viável em setores específicos, como o de startups e empresas de tecnologia, em que o modelo de trabalho remoto e a flexibilidade já são realidade.
Para César Nogueira, proprietário da ótica Seiko, localizada no centro da Capital, a medida traria desafios adicionais ao comércio. “Para nós, do comércio, não é bom. Normalmente, ninguém quer trabalhar no sábado, e para nós é um dia excelente. Estou pensando em criar uma nova equipe só para o sábado,” afirma o empresário, preocupado com as dificuldades que a mudança pode trazer para a rotina de atendimento.
O economista, por outro lado, enxerga na redução da jornada uma solução que, embora polêmica, é “simples, eficaz, humana e moderna.” Ele argumenta que a adaptação ao modelo de quatro dias pode, a longo prazo, não só aumentar a produtividade dos trabalhadores, mas também gerar mais empregos. Eugênio relembra o exemplo histórico da Ford, que introduziu a semana de cinco dias para aumentar a produtividade e, consequentemente, o consumo, sugerindo que a mudança para uma jornada de quatro dias pode seguir uma lógica semelhante.
Diante dos prós e contras, o futuro da jornada de trabalho em Mato Grosso do Sul ainda suscita uma discussão. Pavão defende que, com a evolução da tecnologia e das práticas laborais, o “medo de que a economia pare” é um receio antiquado, comparando a resistência atual à de momentos históricos em que mudanças profundas foram inicialmente temidas, mas que, no longo prazo, trouxeram avanços para a sociedade.
Preocupação
A discussão em torno da escala de trabalho, tem gerado grande preocupação para os empregadores do comercio de Campo Grande, segundo afirmou a presidente da FCDL-MS (Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Mato Grosso do Sul) durante entrevista exclusiva para o jornal O Estado. A representante da entidade, disse que esta acompanhando as assinaturas no Congresso, que já atingiram a marca de 71 assinaturas até ontem (12), e relembrou que para que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) comece a ser debatida é preciso ser colhida 171 votos.
“Este é um assunto que causa um risco gigantesco para a economia de Mato Grosso do Sul e para o país todo. O Sindicato dos Trabalhadores de Campo Grande já entrou em contato comigo, a CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas de Campo Grande) também tem o mesmo posicionamento, de que a redução da jornada de trabalho não gera mais postos de trabalhos. Pelo contrário, gera custo operacional para o empregador, que vai duplicar a folha de pagamento, e a consequência disso é a demissão e não mais contratação”, reforçou.
O governo federal ainda não discutiu sobre o tema, e não tem um posicionamento definido segundo comentou o vice-presidente, Geraldo Alckmin, pontuando que a redução da escala 6×1 é uma tendência no mundo inteiro.
Questionado se a proposta de redução preocupa o empresariado e as indústrias, o também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços respondeu que “esse é um debate que cabe à sociedade e ao Parlamento” e que ainda não foi discutido pelo governo Lula. As declarações foram dadas durante entrevista na COP 29 em Baku, no Azerbaijão.
Por Djeneffer Cordoba e Suzi Jarde