Reajuste deve pesar sobre a inflação e afetar investimentos no país
O aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) deve fazer o consumidor rever planos de financiamentos, prejudicar investimentos de empresas e impactar na inflação, segundo economistas ouvidos pela reportagem.
Na quinta-feira (16), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) editou um decreto que determina o aumento do tributo como alternativa para financiar o novo Bolsa Família até o fim do ano.
A criação do novo programa, batizado de Auxílio Brasil, tem a meta de aumentar de 14,6 milhões para 17 milhões o número de famílias atendidas pelo Bolsa Família, um movimento que é considerado crucial para recuperar e elevar a popularidade do presidente no ano que vem.
Com a escalada das ameaças golpistas, até o dia 7 de setembro, inflação alta, desemprego resistente e perspectivas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) abaixo de 1% no ano das eleições, Bolsonaro tem o desafio de reduzir sua rejeição. A mais recente pesquisa Datafolha aponta que a reprovação ao presidente atingiu 53%. O aumento do IOF deve gerar uma alta de arrecadação estimada pelo Planalto em R$ 2,14 bilhões.
Para Nicola Tingas, da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), há dois impactos principais no aumento do imposto.
Em primeiro lugar, há um aumento do custo para a tomada de crédito, tanto para o tomador pessoa física quanto para a pessoa jurídica, em todas as operações.
“Isso significa um custo operacional para uma empresa que tem de tomar crédito para o capital de giro ou fazer uma antecipação de recebíveis. E para uma pessoa física financiar um bem.”
Sob um segundo aspecto, no conjunto da economia, ele avalia que haverá um impacto inflacionário. É um momento em que não se esperava tributação adicional, com a economia em desaceleração para o ano que vem, diz.
Em agosto, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) registrou a maior alta para o mês em 21 anos, de 0,87%, divulgado na semana passada. Em 12 meses, a inflação já encosta em dois dígitos.
“É muito ruim para o cenário econômico atual fazer financiamento para o gasto público, mesmo que seja para um motivo nobre e necessário, com mais impostos. O correto seria cortar custos, de um orçamento que tem espaço para fazer isso.”
Apesar da questão meritória, já que as pessoas estão precisando de recursos, esse esforço do governo passa uma sinalização muito ruim, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
“O anúncio [de aumento do IOF] vem em um momento já crítico sob a ótica do tomador de crédito, frente à alta significativa da Selic, com estimativas apontando para uma taxa de juros em 8,5% nos próximos meses e que pode ser até mais do que isso.”
Vale considera que o programa proposto pelo governo para substituir o Bolsa Família não é algo que está sendo pensado de maneira adequada para se tornar, de fato, um programa social.
“Temos visto uma dificuldade grande do governo em acomodar os recursos existentes no teto de gastos para o ano que vem. Ele toma essa medida por estar enfraquecido politicamente e adiciona riscos à questão fiscal.”
Já na avaliação do ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, o objetivo da medida é aumentar o programa Bolsa Família, para render dividendos eleitorais ao presidente da República no ano que vem.
“É uma medida populista, e o mercado está reagindo de maneira negativa, até por ser uma medida muito ruim mesmo. Mostra que o [ministro da Economia] Paulo Guedes não tem interesse em entregar as contas públicas em ordem.”
Ainda segundo o consultor da Schwartsman e Associados, a sinalização é de que não há nenhum compromisso com a questão fiscal. “É tudo conversa mole para boi dormir.”
“A utilização do IOF para um programa como o Auxílio Brasil não me parece adequada. Vai se criar um aumento de imposto de forma descoordenada com as outras propostas tributárias que estão em discussão”, avalia o economista-chefe da Necton, André Perfeito.
Ele complementa que o problema principal do país hoje não é a falta de dinheiro, mas a falta de um plano mais sólido.
Douglas Gavras e Lucas Bombana
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