Por Camila Farias [Jornal O Estado MS]
Quase dois anos de isolamento social e um ano e meio sem aulas presencias, aparentemente, deixaram os jovens mais agressivos e um tanto impacientes, o que resultou em brigas nas redes de ensino de Campo Grande, onde os jovens estão protagonizando conflitos dentro e fora das salas de aula no horário escolar.
Na última semana do mês de março, começaram a circular nas redes sociais vídeos de brigas de alunos da rede estadual em plena sala de aula e na presença do professor, que, além de não intervir de maneira alguma nas situações, seguia dando aula normalmente em meio ao caos. E isso revoltou os pais dos alunos de modo geral.
A secretária estadual de Educação, Maria Cecília Amendola da Motta, diz ter conhecimento dos fatos e que tudo isso se trata de uma readaptação social dos alunos, que precisam se adequar após o período de afastamento do convívio escolar. “É um momento de ressocialização dos estudantes, porque dois anos distantes, eles voltam ansiosos, voltam com fobias, voltam com várias sequelas emocionais e isso acaba se materializando nessas agressões”, disse.
Sobre a atitude dos professores em relação às brigas, a secretária explica que as orientações que os docentes recebem, em formação, são para acolher emocionalmente os alunos e tentar descobrir a real motivação do descontrole. “Tudo isso foi trabalhado na formação dos diretores e professores na questão de como lidar com essas competências socio-emocionais, que vão ter de ser trabalhadas novamente; é um momento de ressocialização de todos os jovens que ficaram sem se encontrar no período de afastamento e voltaram a ter esse tipo de contato. A orientação para os professores é apartar a briga e estar sempre disposto a ouvir e entender o que está se passando e o que levou a agressão”, afirmou Maria Cecília.
Questionada, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) afirma que, dentro das unidades de ensino de Campo Grande, ainda não foi registrado nenhum caso de violência. No entanto, dados divulgados pela Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) mostram que esse problema já ocorreu em todas as redes de ensino. Os registros apontam sete ocorrências nas escolas estaduais, outras quatro nas escolas municipais e duas em escolas particulares do interior do Estado, nesses primeiros meses de aula.
Segundo a secretária de educação, Alelis Izabel de Oliveira Gomes, mesmo com a afirmação de não haver episódios de briga nas unidades escolares, existe um projeto na Reme (Rede Municipal de Ensino) de Valorização da Vida, que tem como objetivo orientar os alunos e pais mostrando que existe outro caminho a ser seguido a não ser o da violência, tanto contra os colegas como contra si próprio.
Reintegração e sobrecarga
O jornal O Estado conversou com o psicólogo e psicanalista Lucas Tadeu de Oliveira Maciel, que explicou um pouco sobre como está o psicológico desses adolescentes neste momento de reintegração com a comunidade escolar. Para ele, a escola reflete a sociedade e é normal haver brigas e desentendimentos.
“Com a volta do convívio em grupo, do outro que nos incomoda, que aponta o dedo, que dita as regras, a raiva aparece e não filtrada eclode em violência. Além disso, adolescente é pura potência, mas ainda não tem poder, é uma fase de descobertas da identidade. Ao contrário da criança que é mais livre e aceita pelos adultos, o adolescente não pode agir como criança nem fazer coisas de adulto. Ele sente que não tem lugar, que não tem voz, e que pode usar o corpo ao invés da fala, pois está experimentando os limites, desafiando os adultos e formando assim sua personalidade”, explicou.
O psicólogo alerta ainda para outro ponto importante, a autoviolência. “Alguns partem para as brigas por motivos torpes, mas não podemos nos esquecer da autoviolência: autolesão e suicídio que crescem vertiginosamente. Geralmente, por trás destes comportamentos há uma angústia que não teve como ser dita”, disse Maciel.
Em contrapartida, os professores em sala de aula também estão sofrendo com as novas mudanças. O psicólogo Lucas afirma que os educadores também estão sobrecarregados com o fato de que há muitas perdas cognitivas, o aprendizado não só parou como retrocedeu.
“Talvez o que podem fazer é ir com calma, estando atentos a própria saúde e sobrecarga de trabalho, aos poucos focar nas atividades em grupo, mas respeitando o tempo dos alunos, sem imposições que possam bordejar algo de uma violência. O professor pode trazer ideias de futuro, propiciar espaço para que o aluno crie algo e que isso seja valorizado”, finaliza Lucas.