O Centro de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) começará uma pesquisa inédita no final dessa semana que busca estimar o nível de imunização da população ao novo coronavírus no Brasil, o que pode ser um fator crucial para programar a reabertura das atividades econômicas e sociais no país.
O estudo tem como embrião um levantamento iniciado no último fim de semana com 4,5 mil moradores de nove cidades do Rio Grande do Sul para se ter uma compreensão mais precisa do grau de propagação do Sars-CoV-2 no estado.
O objetivo da pesquisa é submeter 33.250 pessoas de 133 municípios brasileiros — (250 por cidade) a um teste rápido que detecta a presença de anticorpos IgM (de infecção mais recente) e IgC (de infecção mais antiga) a partir de amostras de sangue coletadas da ponta do dedo.
O resultado demora cerca de 15 minutos para sair, tempo que é usado para a realização de um questionário sociodemográfico e sobre sintomas da Covid-19 — a doença provocada pelo novo coronavírus —, busca por assistência médica e rotina de isolamento social.
O projeto-piloto no Rio Grande do Sul prevê quatro levantamentos com intervalo de 15 dias entre eles. O primeiro começou anteontem e está sendo concluído hoje, enquanto os próximos devem iniciar em 25 de abril, 9 de maio e 23 de maio.
Em entrevista à ANSA, o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da UFPel e coordenador do estudo, diz que a pesquisa de âmbito nacional já conta com financiamento para três fases, também intercaladas por duas semanas.
“O teste rápido tem duas grandes vantagens. A primeira é que dá o resultado na hora. Com a população preocupada, não podemos fazer o teste e esperar dias pelo resultado. A segunda é que é um teste de anticorpos, não é para infecção aguda, então a resposta dele não é exatamente o quanto tem de infectados, a fotografia do dia, mas sim o quanto tem de imunizados, quantos já foram expostos ao vírus e produziram anticorpos”, explica.
Critérios
As 133 cidades-sentinela, como diz Hallal, são as mais populosas de cada uma das 133 regiões intermediárias definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em cada um desses municípios, a pesquisa sorteará aleatoriamente 25 setores censitários, menor grau de subdivisão estabelecido pelo IBGE para coleta de dados. Em seguida, sorteará 10 residências em cada setor e um morador de cada casa, totalizando 250 pessoas por município.
O objetivo é, a partir de uma amostra, projetar o resultado para o restante da população com uma margem de erro pequena. “É muito parecido com uma pesquisa eleitoral”, explica o reitor da UFPel.
Os resultados das pesquisas devem sair ao fim de cada etapa, assim como no Rio Grande do Sul.
Uma coletiva de imprensa já está pré-agendada para depois de amanhã para a apresentação dos dados do primeiro levantamento nos nove municípios gaúchos.
Até o momento, Hallal aponta alguma dificuldade em atingir os participantes de níveis socioeconômicos mais altos, “algo comum nesse tipo de pesquisa e que já conseguimos reverter”, mas, por outro lado, uma motivação maior da população”. “Vejo pessoas publicando nas redes sociais, gente com orgulho de ter participado”, conta.
Os resultados, tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil todo, podem ajudar na definição de medidas de enfrentamento à pandemia, especialmente para o relaxamento das regras de distanciamento social. “Eu defendo uma volta gradativa ao trabalho com base no resultado da testagem de anticorpos”, diz Hallal.
Teste
O reitor da UFPel reconhece que há um intenso debate sobre a qualidade dos testes rápidos de anticorpos, mas diz que o modelo usado na pesquisa, importado da China, tem, segundo o fabricante, 99% de especificidade (percentual de acerto de negativos) e 86% de sensibilidade (percentual de acerto de positivos) — os 14% de infectados que não são detectados se devem a uma mistura de pacientes em estágio inicial da doença, que ainda não tiveram tempo de produzir anticorpos, com os erros existentes em qualquer teste.
Ainda assim, já que havia muita polêmica quanto à qualidade desse tipo de exame, a UFPel decidiu não confiar somente nos dados do fabricante e fez um estudo próprio de validação na população gaúcha. A especificidade foi avaliada em amostras de sangue ativas coletadas em 2015, quatro anos antes do surgimento do Sars-CoV-2, com 98% de acerto.
Já a sensibilidade foi testada em pessoas com infecção pelo novo coronavírus confirmada pelo exame de RT-PCR, que busca o material genético do vírus em secreções da faringe. “Essa análise ainda não está encerrada, mas o número que estamos encontrando, ainda preliminar, está ao redor de 75%. É um pouquinho pior do que o fabricante diz”, admite. No entanto, segundo Hallal, existem formas de corrigir essa imprecisão na pesquisa e garantir um resultado confiável.
Os testes foram disponibilizados pelo Ministério da Saúde, e o estudo também conta com apoio do governo do Rio Grande do Sul, da Unimed Porto Alegre, do Instituto Serrapilheira, do Instituto Cultural Floresta e de outras 11 universidades gaúchas.
(Texto: Inez Nazira com informações do UOL)