Uma nova molécula encontrada por um grupo internacional de pesquisadores denominada TCMDC-135051 é capaz de inibir seletivamente uma proteína essencial para o ciclo de vida do Plasmodium falciparum, uma das espécies causadoras da malária.
Os resultados do estudo, publicados nesta sexta-feira (30/8) na Science, abrem caminho para o desenvolvimento de um novo fármaco contra a doença, que tem 200 mil novos casos e mata quase meio milhão de pessoas no mundo anualmente. Um dos obstáculos para a erradicação da malária, atualmente, é o fato de o parasita ter adquirido resistência aos medicamentos existentes.
Entre os autores estão integrantes do Centro de Química Medicinal (CQMED), sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a coordenação do professor Paulo Arruda, e apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). O grupo integra a rede do Structural Genomics Consortium (SGC) – consórcio internacional de universidades, governos e indústrias farmacêuticas para acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos. O CQMED também é uma Unidade de Inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Sintetizada pela farmacêutica GSK, a molécula TCMDC-135051 mostrou ação específica sobre a proteína quinase PfCLK3 (sigla para cyclin-dependent–like kinase), sem afetar proteínas humanas.
“A inibição da PfCLK3 afeta o parasita em diferentes estágios de desenvolvimento – tanto no que chamamos de fase assexuada, quando ele se prolifera dentro da célula humana e provoca os sintomas, quanto na fase sexuada, quando pode ser transmitido de volta para o inseto vetor e completa seu ciclo, podendo infectar outros seres humanos”, disse Paulo Godoi, que realizou o trabalho durante pós-doutorado no CQMED.
Também participou do estudo Dev Sriranganadane, que atualmente realiza estágio de pós-doutorado no mesmo centro. A pesquisa foi coordenada por Andrew Tobin, da Universidade de Glasgow, na Escócia.
“O grupo da Unicamp teve um papel essencial nesse projeto. Eles foram capazes de responder se nossa droga poderia ter outros efeitos além de inibir a PfCLK3. Sem essa informação, não poderíamos ter prosseguido com o estudo”, disse Tobin à Agência FAPESP.
Como os parasitas do gênero Plasmodium estão se tornando cada vez mais resistentes às drogas antimaláricas existentes, há uma preocupação crescente em encontrar novos compostos com potencial para serem transformados em fármacos.
“Esse inibidor da PfCLK3 é bastante promissor, pois é capaz de eliminar o parasita em todas as fases do seu ciclo de vida”, disse Godoi.
A PfCLK3 controla a atividade e a produção de outras proteínas importantes para a manutenção da vida do parasita. Ao bloquear sua atividade, a molécula mata o P. falciparum e não só previne a transmissão como pode tratar a doença em humanos.
A TCMDC-135051 foi selecionada entre 24.619 moléculas que poderiam ter efeito sobre a PfCLK3 e foi a que mostrou maior especificidade sobre a proteína do parasita.
O estudo sugere ainda que a molécula tem ação sobre outras espécies de Plasmodium. Segundo Godoi, o composto foi testado in vitro contra as enzimas CLK3 das espécies P. vivax e P. berghei e em cultura de células de P. knowlesi (similar a P. vivax) e P. berghei, mostando atividade para as duas espécies.
“Foi também feito um teste em camundongos infectados com P. berghei. O resultado in vivo mostrou eliminação do parasita na corrente sanguínea após cinco dias de infecção”, disse.
Contribuição brasileira
Para ser considerada segura, uma molécula candidata a se tornar um fármaco não pode interferir com proteínas humanas. Tanto parasitas do gênero Plasmodium quanto seres humanos possuem enzimas do tipo quinase. A quinase humana mais semelhante à proteína PfCLK3 de Plasmodium é a PRPF4B. Assim, para comprovar que a molécula TCMDC-135051 é segura, Tobin entrou em contato com o grupo do CQMED, um dos poucos que estudam a função da PRPF4B humana.
“Colocamos a PRPF4B para interagir com concentrações diferentes da nova molécula. E até a mais alta delas não foi capaz de inibir a enzima humana”, disse Godoi.
Para garantir que a molécula seria segura para um futuro medicamento, os pesquisadores precisavam provar que ela não afetaria a atividade de proteínas importantes para a funcionamento do organismo humano.
“Nós decidimos apostar em uma proteína pouco estudada e agora colhemos o fruto: tornar possível esse estudo com grande potencial para um novo medicamento”, disse Rafael Couñago, coordenador científico do CQMED.
Para se tornar um fármaco, porém, o inibidor ainda precisa passar por novos testes. “Precisamos melhorar ainda mais a segurança da molécula e, então, ela estará pronta para testes em humanos. Essa etapa deve levar de três a cinco anos”, disse Tobin. (Rafael Belo com Agência FAPESP)