Desde que a pandemia impôs o isolamento e levou milhões de brasileiros para o home office, não faltaram elogios ao sistema. Seus defensores destacam especialmente o aumento da produtividade das equipes.
A maior eficiência viria da associação de fatores como ganho de tempo, uma vez que não é preciso percorrer longas distâncias entre escritório e residência, maior conforto e menor estresse, já que dispensa roupas e protocolos formais, e até a possibilidade de ter uma alimentação mais saudável cozinhando em casa.
Não é bem assim para a maioria, aponta uma sondagem realizada pelo FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) com 4.000 empresas, de 1º a 27 de setembro, por meio de questionário eletrônico. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Na média geral de todos os setores, 59% das empresas não registraram mudança na produtividade. As demais se dividem de forma praticamente igual entre as que verificaram aumento e redução.
O percentual médio na melhora de desempenho nas companhias que tiveram incremento foi de cerca de 20%. É praticamente o mesmo percentual de perda naquelas que tiveram redução da produtividade. Ou seja, saldo zero.
“Surpreendeu essa questão da produtividade ficar no zero a zero. Mas aí você vai vendo que muitas atividades não conseguem se adaptar, e o dado reflete um pouco isso também”, afirma Rodolpho Tobler, coordenador de sondagens do FGV Ibre.
Foram consultadas empresas da indústria de transformação e dos serviços, que foram os setores que mais se adaptaram ao home office. E também do varejo e construção, que tiveram mais dificuldade em virtude da natureza dessas operações, segundo os dados do levantamento.
A sondagem do FGV Ibre mostra que nos serviços prestados às famílias, como bares, restaurantes e hotelaria, 34% adotaram algum tipo de trabalho remoto. Dessas, cerca de um terço tiveram queda de produtividade. Para essas empresas, a perda foi, em média, de 40,8%.
Segundo Tobler, a percepção de perda de produtividade é afetada pelo perfil desses serviços, nos quais apenas parte do trabalho pode ser mantido a distância. “Como um restaurante vai fazer home office?”, diz.
“Muitas vezes ele [o estabelecimento] apenas não tinha como trabalhar. Então é um resultado relacionado ao tipo de atividade, a não poder nem abrir”.
Em geral, as empresas que se adaptaram bem ao trabalho remoto vêm de setores nos quais o home office já aparecia, ainda que em frequência menor, caso das empresas que prestam serviços na área de tecnologia da informação.
Na sondagem, elas aparecem como aquelas que mais recorreram ao home office (91,8%), segundo Paulo Peruchetti, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre. Cerca de um terço desses trabalhadores ainda estão total ou parcialmente nesse regime.
Esse é também o único segmento em que a maioria das empresas (54%) verificou aumento de produtividade. Em média, esse ganho foi de 24,8% nas companhias que observaram algum incremento.
Essas empresas estão ainda entre aquelas em que os funcionários não devem voltar ao 100% presencial.
“Alguns segmentos viram uma janela de oportunidade e conseguiram aproveitar. Outros viram uma janela de sobrevivência para se manter”, afirma Tobler.
Na consultoria Peers, a experiência do home office foi positiva, diz Pedro Ribeiro, sócio-fundador da empresa, mas também apontou para desafios novos, como a necessidade de um equilíbrio entre as frentes de trabalho.
Com a crise sanitária durando mais do que se esperava, a empresa precisou calibrar o novo modelo de trabalho, segundo Ribeiro. Num primeiro momento, o sistema remoto foi bom para o trabalho. Consultores que viviam na estrada –em uma semana, Ribeiro diz que chegava a visitar três cidades diferentes para encontros com clientes– puderam ter tempo para a vida pessoal, uma vez que os deslocamentos foram suspensos.
“As pessoas passaram a ter mais tempo em casa e com a família e isso se reverteu em um ganho de produtividade no trabalho”, diz Ribeiro.
Por outro lado, houve quem assumisse rotinas estafantes e tivesse dificuldades em separar o trabalho da vida pessoal. “Percebemos sinais de esgotamento em algumas pessoas e tivemos de iniciar uma avaliação de carga de trabalho”.
Para 2022, a empresa prevê a abertura de um novo escritório em Belo Horizonte e a criação de espaços de encontro em cidades como Rio de Janeiro, Curitiba ou Porto Alegre, e Salvador ou Recife.
“Antes da pandemia, tínhamos uma equipe 100% em São Paulo. Agora temos cerca de 15% dos colaboradores em outras cidades e mesmo na Europa. Isso só vai ser possível de manter como modelo híbrido”, afirma Ribeiro. “O home office funciona super bem, sabemos disso, mas o escritório é um diferencial para quem entende que a cultura da empresa é também uma questão estratégica”.
O pesquisador do FGV Ibre Paulo Peruchetti reforça essa percepção. “O híbrido vai ser um pouco o rumo daqui para a frente, principalmente na área administrativa.” Segundo a sondagem, 22% dos funcionários ainda estão trabalhando em casa ou em sistema híbrido, percentual que sobe para 42,5% justamente nos cargos das áreas administrativas.
São em média 3,1 dias de trabalho fora do escritório para o administrativo e 1,1 para trabalhadores da área operacional dessas companhias. A expectativa dos empresários é que, passada a pandemia, essa média caia para 1,7 e 0,7 dia, respectivamente, ainda mantendo um sistema híbrido de trabalho para as atividades de escritório.
Tobler, coordenador da pesquisa do Ibre, afirma que, em geral, os dados da sondagem estão em linha com trabalhos feitos em outros países sobre o tema. Diz ainda que o sistema híbrido, de forma diferenciada por setor e tipo de função, é a tendência neste momento, mas que isso pode mudar de acordo com a experiência de cada empresa no pós-pandemia.
“O home office parece que veio para ficar, mas não no mesmo padrão que a gente viu ao longo da pandemia. Hoje a percepção dos empresários é que a tendência seja um caminho mais híbrido”, afirma.
A descoberta da variante ômicron do coronavírus fez surgir novas dúvidas quanto ao retorno aos escritórios, mas empresas ouvidas pela reportagem disseram que, por enquanto, os modelos de trabalho híbridos, com parte da equipe atuando de maneira presencial em alguns dias da semana, estão mantidos.
(FERNANDA BRIGATTI E EDUARDO CUCOLO/FOLHAPRESS)