Onças-pintadas e araras azuis entrarão em extinção se chamas não forem contidas
Dois dos maiores símbolos da fauna brasileira poderão ser extintos se o incêndio do Pantanal não for contido. Esse é o alerta dado por ambientalistas, preocupados com o futuro de onça-pintada e arara azul, as espécies mais ameaçadas pelas chamas.
O motivo para o alarde é visível: o Parque Estadual Encontro das Águas, em Poconé (MT), possui a maior população mundial de onças-pintadas e teve 71% de sua área queimada. A estimativa é que 80 onças vivam na região, muitas delas já encontradas mortas ou bastante atingidas pela condição em estradas e vilarejos. Na Fazenda São Francisco do Perigara, em Barão de Melgaço, também no estado vizinho, mais de 80% dos 25 mil hectares foram atingidos.
Presidente do Instituto Arara Azul, a bióloga Neiva Guedes é quem coordena o monitoramento de ninhos dos pássaros na Fazenda São Francisco Perigara. Apesar de o fogo ter sido contido no local no final do mês de agosto, a professora revela que os danos ao refúgio podem ser irreversíveis, inclusive com impactos a longo prazo. Ela informa que, na próxima semana, o grupo estará no santuário para monitorar prejuízos. Mas afirma que a área de alimentação e ninhos foram atingidas.
Neiva explica que, na sede da fazenda, há uma concentração de palmeiras que se transformou num ponto tradicional de dormitório das araras-azuis e papagaios. Esse local foi cercado e protegido há mais de 60 anos pelo pai das atuais proprietárias. “A propriedade acabou virando um refúgio, que é único no mundo, porque dezenas de araras-azuis se reúnem no local. Com certeza, as próximas gerações destes animais serão afetadas por conta da queimada”, complementou.
Conforme O Estado revelou, o Pantanal chegou à marca de 2,2 milhões de hectares queimados, o que equivale a aproximadamente 3,1 milhões de campos de futebol e cerca de 15% do total afetado. Desse total, 1,4 milhão de hectares estão em Mato Grosso do Sul, com situação mais grave em Alcinópolis, que perdeu 30% do Parque Estadual das Nascentes do Taquari para o fogo.
Dados dos Bombeiros de Mato Grosso do Sul apontaram que existem 1.344 focos de calor ao todo no Estado, sendo 378 em Corumbá (28%), 373 em Alcinópolis (27,8%) e 130 em Pedro Gomes (9,7%). Um dos motivos, segundo o Governo Estadual, é a longa estiagem, com a pior seca em cerca de 50 anos da região.
“A situação do fogo no Pantanal está ocorrendo desde fevereiro. Venho acompanhando, mas à distância. Começou na região de Corumbá, Serra do Amolar e um pedacinho da Bolívia e Paraguai, mas não tinha saído dessa região. No final de julho, recebi uma mensagem de que o fogo estava indo para a região da fazenda (São Francisco do Perigara), um ponto tradicional há mais de 60 anos usado como dormitório pelas aves. Nesta região, a última grande seca e queimada ocorreu na década de 1990. A gente está falando de uma região que não pegava fogo em 30 anos, na extensão que pegou agora”, disse Neiva.
Segundo a professora, o primeiro impacto imediato das queimadas sobre os animais, é a falta de comida. Quase todas as palmeiras de acuri e bocaiuva, que servem de alimentos para esses animais, foram queimadas. Além disso, o clima extremamente seco secou tanques e poços. “Se não tivesse o fogo, já estaria muito difícil para as araras suportarem”, disse.
Avaliação inicial de biólogos é de que pelo menos 20 espécies além da arara foram extremamente afetados pelo fato de estarem em época de reprodução. “A disputa por água, comida e sobreviver entre os animais passa a ser muito grande”, disse, já prevendo que a arara-azul deverá voltar pata a lista vermelha dos animais brasileiros ameaçados de extinção. “Há 15 dias vimos a venda de cocar aqui na região com penas de arara azul e outras araras, o que é proibido. Também voltou a apreensão de filhotes em outros países. É um efeito paralelo”, ponderou.
Segundo ela, biólogos que estão no Pantanal relatam um clima de terror. “Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado, disseram eles, com fome e sede, as patas queimadas, os pulmões enegrecidos pela fumaça. Eles viram corpos de jacarés, mandíbulas congeladas em gritos silenciosos, o último ato de criaturas desesperadas para se refrescar antes de serem consumidas pelas chamas”, disse.
“Desde que eu cheguei, só vejo o caos. Tem muito animal morto , carbonizado. A gente vê por todos os lados”, disse o veterinário Jorge Salomão, há duas semanas no Pantanal com a ONG AMPARA Silvestre, que, entre outras atribuições, trabalha na reabilitação de animais que possam ser devolvidos à natureza.
O trabalho de quem está se dedicando a salvar os animais do Pantanal começa cedo. Salomão conta que ele e a equipe se dirigem às áreas atingidas pelo fogo entre seis e sete horas da manhã. Eles passam os dias realizando a chamada ‘busca ativa’, que consiste em andar pelas regiões de incêndio à procura de animais feridos que precisam de resgate. “Achando animal, a gente resgata, faz os primeiros socorros e aí ou fica em uma base provisória que a gente montou aqui ou os casos mais graves são encaminhados para a Universidade Federal do Mato Grosso em Cuiabá”, explicou o veterinário, que também faz instalação de bebedouros e comedouros artificiais de água em diversos pontos para ajudar os animais.
“Sabemos que estamos fazendo um trabalho de formiguinha e que vamos ajudar indivíduos e não uma população”, disse Salomão. “Mas só de poder aliviar a dor de cada indivíduo que a gente consiga, para nós já é o que vale a pena”, concluiu.
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(Texto: Rafael Ribeiro)