Secretário estadual de Saúde critica a população no enfrentamento da doença e lembra que até hoje acontece conscientização na dengue e zika vírus
O Estado: Qual fase Mato Grosso do Sul enfrenta neste momento de pandemia?
Resende: O que nós estamos vivendo é um momento de desaceleração da pandemia em Mato Grosso do Sul, mas em um platô alto. A média móvel, que é um indicador confiável para que nós vejamos o indicador da doença, permanece alta, em um nível de novos casos, que variam entre 700 e 800. Na média móvel de óbitos, que é o pior desfecho da doença, nós registramos uma média móvel de 14 mortes por dia em Mato Grosso do Sul. Nós só iremos ter um declínio dessa doença caso haja uma redução no número de casos novos.
Certamente, essa diminuição vai fazer com que caia o número de internações. A média de internados em leitos clínicos e leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) é de 550, em unidades hospitalares habilitadas. Para que isso aconteça nós precisamos fazer com que as pessoas cumpram o isolamento domiciliar, que também é conhecido como quarentena. Após o diagnóstico com o teste padrão ouro, o RT-PCR, a pessoa precisa ficar em casa por 14 dias. Caso tenha feito o teste rápido, a pessoa precisa completar essa quarentena, ficando em isolamento. É preciso também fazer o rastreamento de todos os contatos daquele caso positivo. É preciso também melhorar a testagem, nós estamos vendo que está diminuindo o número de coleta em todo o Estado, ao passo que nós estamos trabalhando para aumentar a capacidade de testagem no Estado.
O Estado: A população perdeu o medo da doença?
Resende: Sim, as pessoas perderam o medo do vírus e estão com menos medo da morte. Além de falta de responsabilidade, existe a falta de compromisso de alguns setores da população, principalmente em faixas etárias mais jovens, que têm teimado em descumprir as medidas mais eficazes, que são faladas em todo o mundo: o isolamento social e as regras de higiene. Em Mato Grosso do Sul, nós já sabemos que a população não é muito parceira no enfrentamento, não apenas da COVID-19, mas também no enfrentamento de outras doenças. Nós temos como exemplo a dengue, a chikungunya e o zika vírus. São doenças que poderiam ter um enfrentamento melhor no Estado, mas nós não temos.
O Estado: No feriado da independência, diversas cidades ficaram lotadas. Qual a avaliação deste comportamento?
Resende: Para quem trabalha na saúde, para quem coloca em risco a vida, para o secretário de Saúde, cada uma daquelas imagens é como se esses servidores recebessem uma bofetada na cara. É como se as pessoas faltassem com respeito aos mil mortos pela COVID-19 em Mato Grosso do Sul. É como se tivessem a convicção de que a doença passou, como se existisse a vacina, mas a verdade é que tudo isso só vai passar quando existir essa vacina e os grupos prioritários, no mínimo, tiverem sido vacinados.
A aglomeração, a vida em Bodoquena, Bonito, Rio Verde de MT, Fátima do Sul, na própria Capital, tanto nos bairros periféricos quanto na área central, isso é como se as pessoas não tivessem empatia pelos mais pobres, pelos indígenas. Quem está morrendo no nosso país são as pessoas mais humildes, que são mais pobres, que moram em condições mais precárias e já eram vulneráveis antes da pandemia. O novo coronavírus escancarou as diferenças que existem na nossa sociedade.
Por isso eu entendo que as classes mais privilegiadas estão se importando pouco com a pandemia, já que não chegou até a eles, que não tiveram perdas dos seus familiares. O engraçado é que a doença entrou pelos mais ricos. Com quem foi viajar pela Europa, por quem foi ao Nordeste ou a outros grandes centros do país, isso ainda em janeiro e fevereiro. Mas a doença se interiorizou e se espalhou pelas camadas mais populares. Portanto, quem morre em Mato Grosso do Sul é a população indígena, os idosos, os mais pobres e são pessoas que parte da sociedade tem como descartáveis.
O Estado: Diversos pontos turísticos no Estado receberam turistas – apenas em Bonito foram mais de 30 mil. Isso pode gerar alguma consequência negativa para a população que reside nesses municípios? É possível esperar uma nova onda de casos nessas cidades?
Resende: Essas aglomerações certamente vão gerar resultado daqui a 14 dias, que é o período para que o vírus se apresente, caso algum infectado tenha passado por esses pontos. Eu torço para que não aconteça. Torço para que pessoas que estivessem contaminadas não tenham participado dessas aglomerações, mas certamente iremos ter algum aumento no número de casos nas próximas semanas. Caso não aconteça, é porque existe um alto grau de imunização na população hoje, que pode contribuir para que isso não aconteça e essa doença não se expanda. O que foi feito no último fim de semana é tudo aquilo que nós queremos combater.
O Estado: Recentemente o diretor da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, apontou que o mundo deve passar em breve por outras pandemias. A estruturação na saúde e o enfrentamento ao novo coronavírus trouxeram experiência para lidar com outras possíveis pandemias?
Resende: Eu acredito que toda essa pandemia, ela mostrou que vários caminhos feitos pela humanidade até aqui precisam ser revistos. As próprias relações públicas, comerciais, precisam ser revistas. Um exemplo claro é que o mundo ficou dependente, em cerca de 90%, apenas de um país. Isso porque a maior parte dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) que chegam ao Brasil é construída na China, todos os equipamentos na área de saúde, desde luvas, aventais, gorros, máscaras, tudo. O mundo ficou China-dependente. Esse é um exemplo de que nós precisamos começar a construir para não ficar dependente de respiradores. Todos os equipamentos para montar UTIs são fabricados na China. Nós precisamos rever esse modelo. As maiores potências do mundo, como o Brasil, os Estados Unidos, países europeus, precisaram se prostrar diante da China, pois se viram desabastecidos desses equipamentos, que são fundamentais no enfrentamento à COVID-19. Nós ainda temos muito que aprender com a pandemia. O próprio coronavírus, ao meu ver, e olha que não sou cientista, vai sofrer mutações e a vacina vai precisar ser renovada, da mesma forma que ocorre contra a influenza. Isso porque cepas diferentes do coronavírus devem vir também, com a mesma agressividade.
O Estado: Existem vacinas sendo produzidas ao redor do mundo. Na Rússia, por exemplo, a vacina vem sendo testada e apresentou bons resultados nas fases 1 e 2. No Brasil, o governo do Paraná solicitou a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para realizar testes da vacina. Mato Grosso do Sul pode seguir esse exemplo?
Resende: Nós temos acompanhado o desenrolar da vacinação. Não focando apenas em uma, em mais de uma vacina: a de Oxford; uma delas é a da China que está sendo desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan; a russa, que tem parceria com o laboratório do Paraná. E existem outras vacinas, como a da Alemanha, que se encontra na fase três. Temos esperado respostas positivas para o controle da COVID-19. Em Mato Grosso do Sul, nós temos a possibilidade de celebrar convênios com o Instituto Butantan e com o laboratório Janssen, que está desenvolvendo uma vacina. É de nosso interesse estabelecer uma parceria com esses laboratórios. Espero que nós tenhamos sucesso em fazer parte desses estudos. A partir de outubro, nós selecionaremos pessoas da área de saúde, que não tiveram contato com o vírus, para que elas possam participar desses grupos de pesquisa. São duas pesquisas, sendo uma de mil e a outra de dois mil voluntários. São mais ou menos três mil profissionais da área da saúde e da segurança, que são aquelas pessoas que estão na linha de frente no combate ao novo coronavírus. Nós estamos nos entendimentos finais e deve ser divulgado na próxima semana. Essa seria a única forma de vencer o vírus, a vacinação, assim como já ocorre em outras doenças infecciosas ao redor do mundo.
(Confira mais na página A4 e A5 da versão digital do jornal O Estado)