Com a pandemia causada pelo novo coronavírus a campanha eleitoral deve se tornar ainda mais virtual. Esta é a aposta do conselheiro estadual da OAB/MS e professor de Direito Eleitoral, Régis Santiago de Carvalho. Com a campanha tão ‘virtualizada’, Carvalho teme um aumento da propagação das fake news.
Bruno Arce
Para o advogado Régis Santiago de Carvalho, os partidos políticos devem aprimorar o trabalho de gestão e marketing legal. O chamado compliance jurídico-eleitoral, responsável por nortear a atuação dos candidatos e partidos em relação a observância das leis, padrões éticos e resoluções expedidas pela Justiça Eleitoral, deve ganhar ainda mais força nas eleições municipais deste ano.
Com a mudança na legislação que deu fim às coligações partidárias para as eleições proporcionais (vereadores), Régis Carvalho acredita que vai exigir um empenho ainda maior na hora de conquistar o voto dos eleitores.
O Estado: Com as reformas legais, o pleito eleitoral deste ano contará com mudanças como fim das coligações proporcionais, ampliação no número de candidatos que cada partido poderá lançar, extinção das comissões provisórias e um fundo especial de financiamento de campanha. O que esperar das eleições 2020?
Carvalho: As eleições deste ano, não só em decorrência dessas alterações normativas, mas também em razão da pandemia de COVID-19, que impõe uma série de restrições à população e aos próprios candidatos, tais como não formar aglomerações, manter distância segura das pessoas e recolher-se após determinados horários, serão responsáveis por uma profunda mudança de hábitos. O fim das coligações partidárias para as eleições proporcionais, ou seja, para o cargo de vereador, vai exigir destes um empenho ainda maior na conquista do voto do eleitor, uma vez que antes dessa proibição os votos dados a todos os partidos da aliança eram levados em conta no cálculo para a distribuição das vagas. Em contrapartida, com o aumento do número de candidatos às vagas para a Câmara Municipal, onde cada partido poderá lançar até 150% do número de vagas existentes na edilidade, os partidos políticos deverão aprimorar seu trabalho de gestão e marketing legal, ganhando espaço nessas eleições o chamado compliance jurídico- -eleitoral, que deverá nortear a atuação dos candidatos e partidos em relação à observância de leis, padrões éticos e resoluções expedidas pela Justiça Eleitoral com base em seu poder normativo. A questão relacionada às comissões provisórias impossibilita o partido que não tenha registrado seu estatuto no TSE até seis meses antes da data do pleito ou que tenha, até a data da convenção, órgão de direção constituído na circunscrição, devidamente anotado no Tribunal Eleitoral competente. Já a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) pela Lei nº 13.486/2017, bem como a flexibilização do uso do Fundo Partidário, existente desde 1965, o qual era destinado, via de regra, para a manutenção das despesas ordinárias das legendas, embora traga uma certa sensação de tranquilidade quanto à prática deletéria do crime de “caixa 2 de campanha” ou de doação ilegal, vai demandar dos aspirantes a cargos políticos um bom relacionamento ante o seu partido, já que competirá aos integrantes da executiva nacional da legenda, por maioria absoluta, definir internamente os critérios de distribuição dos recursos para os candidatos. Em suma, partidos e candidatos terão de investir na profissionalização.
O Estado: Como o senhor acredita que será o comportamento dos candidatos em busca do voto?
Carvalho: A profissionalização vai demandar dos candidatos, e consequentemente dos partidos, investimentos coordenados e pontuais em ações de marketing eleitoral, notadamente pela internet, onde é permitido fazer campanha por meio de blogs, redes sociais e sites, valendo lembrar que está proibido o chamado impulsionamento de conteúdo feito por pessoa física, sob pena de violação às normas eleitorais. Disso redunda igualmente uma modificação da própria forma de interação entre o candidato e o eleitor, já que blogs e redes sociais são mais comumente frequentados pelo público jovem, cujo interesse pela política só vem diminuindo ao longo dos anos. Assim, a linguagem utilizada e o projeto político deverão estar focados nesse público. Quem conseguir equalizar bem isso se sagrará vitorioso.
O Estado: A simplificação do pleito, ou seja, os mais votados se elegem, não seria o ideal? Ou a questão do voto em legenda complica?
Carvalho: O próprio fim das coligações para as eleições proporcionais, a meu ver, foi o primeiro passo para dar um basta na questão esdrúxula dos chamados “puxadores de votos”, que por serem detentores de grande popularidade ante os eleitores acabavam elegendo a reboque candidatos com votação pífia e sem qualquer expressão política ou representatividade. Penso, portanto, que essa discussão em torno do voto de legenda, por meio do qual eleitores votam no partido político e não no candidato propriamente dito, embora a legislação eleitoral já preveja que o mandato pertence ao partido ou à coligação e não ao candidato eleito (art. 20 da Lei nº 9.096/95), perdeu relevo, restando apenas um eventual debate acerca do fim das coligações também para as eleições majoritárias, o que, a meu sentir, teria pouco ou nenhum impacto na simplificação do pleito eleitoral.
O Estado: Passa um tempo e se modifica algo na eleição, um debate amplo e a criação de um método fácil e eficiente não seria ideal?
Carvalho: Com certeza. Entretanto, a grande problemática em se estabelecer um método fácil e eficiente de simplificação do sistema eleitoral esbarra na própria dinâmica inerente ao processo eleitoral, que exige do TSE, ano a ano, a edição de novas resoluções ou instruções normativas com a finalidade de dar fiel execução à lei eleitoral. Vejo que é impossível, senão deveras difícil, estabelecer um cenário intangível que seja eficiente a ponto de abarcar todas as mudanças suportadas pela sociedade, a exemplo da mudança do calendário eleitoral em razão da pandemia da COVID-19, que obrigou o Congresso Nacional a editar a Emenda Constitucional nº 107 alterando o cronograma das eleições municipais previstas originalmente para outubro de 2020. Veja que essa alteração do texto constitucional somente foi possível graças a um consenso entre os Poderes Legislativo e Executivo, já que a Lei nº 9.096/95, em seu artigo 61, limitou a competência do TSE para expedir instruções para a fiel execução da mesma lei, não podendo ele ir além, já que, com a nova ordem constitucional instalada a partir da Constituição Federal de 1988, é vedado à legislação ordinária, no caso o Código Eleitoral, legislar sobre direito eleitoral, tarefa esta que compete, privativamente, à União.
(Confira mais na página A4 da versão digital do jornal O Estado)