Entrevista da Semana com o titular da Semagro Jaime Verruck

“O agronegócio não parou e as perspectivas de retomada são extremamente positivas”

Crescimento está relacionado a aumento da arrecadação no 1º semestre, geração de empregos e avanço na exportação, fatores diretamente ligados ao agronegócio, levando em conta a produção e industrialização do setor.

O Estado: Como o sr. avalia os impactos da pandemia sobre a economia estadual?

Verruck: Primeiro todos os setores tiveram impacto, mas, na verdade, em Mato Grosso do Sul, saiu uma estimativa recente em que o nosso Estado é o que terá o maior crescimento de PIB [Produto Interno Bruto] em relação às outras unidades da Federação. Ou seja, estamos falando em uma capacidade de recomposição da economia de 2,7% este ano. Este fator está na elevação da arrecadação no primeiro semestre; nós aumentamos a exportação em 23% e estamos em terceiro lugar em geração de empregos, e tudo isso está muito vinculado ao agronegócio, entendendo o setor como produção e industrialização. Nós conseguimos manter a atividade de exportação, e em função da pandemia houve um crescimento da venda mundial de carnes, nós batemos recorde de exportação de aves e de bovinos, suinocultura no mercado interno, e nós exportamos um pouco pra Hong Kong, e tivemos um crescimento substancial. Na celulose, o mercado está extremamente competitivo; nós tivemos uma recuperação do mercado de minérios que estava há anos parado, tanto que estamos fazendo o transporte via caminhão já que pela hidrovia não dá, nós temos um contrato entre as empresas de lá de mais de 1,5 milhão de toneladas para sair por meio da rodovia porque a hidrovia não permite. Com os preços internacionais, a atividade do agronegócio junto com a agroindústria permitiram esse crescimento. O agronegócio não parou e as perspectivas de retomada são extremamente positivas, então, em função dessa diversidade econômica de Mato Grosso do Sul, nós teremos esse retorno em termos de arrecadação. Apesar de uma série de setores terem registrado queda na produção, a pecuária e a agricultura subiram na média de 7% na arrecadação, e essa é a recuperação. O Estado se comportou muito bem durante a pandemia com essa diversificação da economia. O setor do varejo, um dos mais atingidos, nós já sentimos uma certa recuperação, mas o grande impacto em MS foi nas micro e pequenas empresas, que ainda estão em uma recuperação lenta.

O Estado: Como a Semagro está lidando com as empresas beneficiadas com incentivos fiscais e que enfrentam dificuldades para manter empregos nesta pandemia? Vai haver alguma flexibilização nos termos dos acordos celebrados?

Verruck: Essa é uma grande preocupação nossa, neste momento nós temos cerca de 500 empresas incentivadas, e já tivemos vários pedidos de reconsideração das obrigações pelas empresas que tinham uma meta a cumprir em termos de emprego. Nós não adotamos ainda nenhum modelo para postergar, mas o que estamos pensando é adiar essa obrigação de 2020 para 2021. Esta é a linha que estamos seguindo e estamos estudando se precisaremos alterar alguma lei ou estabelecer um decreto, porque estamos observando que as empresas, em função da pandemia, não vão conseguir cumprir os empregos estabelecidos em incentivos fiscais. Em função da pandemia e do decreto de emergência, vamos lutar para realizar essa postergação que está no radar do governo e estamos pensando em quais mecanismos dispomos para adiar essa obrigação.

O Estado: Há indicativos de que o plantio da soja deve começar mais tarde que o previsto, também em função da seca. Quais as implicações deste atraso para o setor produtivo?

Verruck: Primeiro, nós temos uma notícia positiva que já estamos com praticamente 40% de financiamento para a próxima safra, ou seja, crédito rural para a próxima safra acima do ano passado. Isso mostra que o produtor vai investir baseado na boa remuneração que tem, e em crédito disponível, e que essa safra virá, então, com o nível tecnológico extremamente satisfatório. Agora, no ano passado, nós já tivemos um atraso no plantio da soja aqui no Estado em função da estiagem; em termos de produção e produtividade não houve comprometimento. O que implica, na verdade, é depois na janela para a produção de milho, pois quanto mais cedo eu consigo plantar soja, mais área plantada de milho eu terei. Normalmente a área de soja é 70% da do milho, e neste momento não temos embargos do ponto de vista da soja, mas com o atraso [do plantio], comprometeremos a safra de milho do próximo ano. Acreditamos que o produtor fará muito investimento em tecnologia pelo volume de crédito que ele está tomando; ele está sendo bem remunerado e isso pode minimizar [os impactos do atraso].

O Estado: As queimadas no Pantanal são um problema cada vez mais recorrente, o que preocupa pecuaristas da região. Em que pé estão as mudanças no manejo do fogo nessa área e de que forma é possível minimizar prejuízos?

Verruck: Essa é a grande preocupação que nós temos, lembrando que estamos com a maior seca dos últimos 50 anos, e em que todas as estatísticas de queimadas no Pantanal este ano, desde janeiro, nós tivemos focos superiores à média histórica nos últimos 10 anos. Então, é para as pessoas entenderem que realmente a situação de 2020 é diferente e muito mais crítica do que vimos em anos anteriores. Nós tivemos no sábado [29] e domingo [30] vários focos de incêndio no Pantanal e nós vamos passar até o fim de outubro em uma situação muito complicada em termos de combate aos incêndios florestais, e neste momento a nossa grande preocupação é com os pecuaristas. Nós já tivemos alguns incêndios em que houve perda de gado, mas não existe água no Pantanal, então muitos deles estão furando poços e têm de fazer dessa forma. Nós temos um risco muito grande em relação ao ciclo do Pantanal, o que nós estamos procurando fazer é o alongamento de dívidas, todo produtor que tem financiamentos ele já pode solicitar junto ao banco. Nós estamos buscando um recurso para o capital de giro, para o custeio, para que o produtor possa comprar ração, manter o seu gado, fazer a retenção de matrizes, que principalmente ele não venda as matrizes neste momento em que o preço está bom e que está crítico, porque isso prejudica o ciclo a longo prazo. Nós estamos abrindo uma linha de financiamento por meio do FCO [Fundo de Financiamento do Centro-Oeste] de retenção de matrizes, então o pecuarista pega dinheiro para não precisar vender as suas matrizes, o que seria um complicador, e isso já vem sendo observado, que alguns produtores em função do preço estão se desfazendo das matrizes, o que poderá comprometer lá na frente o ciclo da pecuária. A situação ainda vai perdurar de maneira extremamente crítica, nós suspendemos toda e qualquer autorização de queimadas. Então, se houver alguma queimada hoje no Pantanal, é ilegal e estamos fazendo todo o esforço. Na sexta-feira [28] nós tivemos aquela notícia de suspensão por parte do ministro das Operações, mas foi recomposta no fim da tarde, que seria um caos a não participação do ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], acho que ficou muito ruim para o governo federal anunciar a retirada desse pessoal e depois retomar, mas foi fundamental voltar atrás, pois nós precisamos de todo o esforço neste momento no Pantanal, em que a situação será ainda muito crítica nos próximos meses.

O Estado: Com a cooperação com o Estado do Paraná para a Nova Ferroeste, o Estado passa a apostar na ferrovia como seu principal modal logístico?

Verruck: Hoje, a logística do Estado está extremamente concentrada, assim como em todo o Brasil, nos modais rodoviários. Mais de 84% de todo o transporte realizado em Mato Grosso do Sul, seja para exportação ou não, é realizado por meio de modal rodoviário. A ideia da ferrovia é que nós tenhamos outros modais, principalmente para o foco da exportação. No caso da Ferroeste, toda a nossa exportação hoje, que vai para o Porto de Paranaguá-PR via caminhão, passaria a ser via ferrovia. E por que sair do caminhão para ir para a ferrovia? Porque a ferrovia terá de apresentar preços mais competitivos, ou seja, redução de custo de transporte. Não há sentido em falar de investimento em ferrovia se nós não falarmos
em competitividade, a redução de custo de transporte melhora a renda do produtor, a competitividade do Brasil lá fora e a Ferroeste se propõe exatamente a isto: entrar na região sul do Estado para que a gente consiga levar toda essa exportação para Paranaguá [PR], como hoje já ocorre pelo modal rodoviário.

O Estado: A recuperação da Malha Oeste é mais simples que a construção de uma nova linha férrea. Quais são os empecilhos para reutilizá-la?

Verruck: É importante destacar o seguinte, nesse processo da Ferroeste nós vamos privatizá-la, existe uma concessão por 90 anos que é até a cidade de Maracaju, e que ainda não está construída. Todo o investimento na Ferroeste será feito pelo setor privado. E por outro lado nós temos a Malha Oeste, que é a nossa histórica ferrovia que propiciou o desenvolvimento e a ocupação de Mato Grosso do Sul. Uma ferrovia com praticamente 100 anos, e que sai de Mairinque [SP] e vai até Corumbá, e sai de Campo Grande até Ponta Porã. No governo do Estado, nós trabalhamos muito para o alongamento do período de concessão, que só tem mais seis anos. Estávamos pedindo ao governo federal que fizesse a ampliação da concessão, e isso não aconteceu, e então a empresa Rumo fez um pedido de relicitação que é apoiado pelo governo do Estado, porque o leito está pronto, está licenciado, então [a Malha Oeste] é uma ferrovia que você consegue por meio de investimentos mais rapidamente torná-la viável, e a ideia é que elas se complementem, que a Ferroeste se conecte com a Malha Oeste próximo do município de Maracaju. Lembrando que a Malha Oeste é uma ferrovia que leva todos os produtos para o Porto de Santos [SP], então essa é a diferença essencial entre as duas ferrovias. Mato Grosso do Sul passaria a não ter uma ferrovia que está precária. Os contratos que temos hoje são de transporte de minérios de Corumbá até Porto Esperança; de Três Lagoas até Santos por meio da Suzano Celulose; e um contrato só que é da Arcelormittal, com vergalhão, que opera praticamente uma vez a cada 15 dias; a ferrovia está extremamente subutilizada e ela precisa de investimentos, o processo de licitação que está caminhando muito bem é fundamental para que possamos atrair investidores privados para a Malha Oeste.

O Estado: O governo tem uma estimativa do custo para recuperação das demais linhas férreas do Estado? Qual seria esse custo?

Verruck: Na Malha Oeste nós teríamos de trocar praticamente 100% dos trilhos e quase 60% dos dormentes. O investimento inicial necessário, e que nós buscamos que seja feito pelo setor privado, estimamos em R$ 2 bilhões. Como não precisa fazer leito, e é uma obra só em cima da via, nós teríamos esse investimento inicial para torná-la operável de uma maneira competitiva mantendo sistema de bitola.

O Estado: O Porto de Santos é a principal porta de saída para a produção de MS, hoje, muito por conta da celulose. Com a Nova Ferroeste, Paranaguá pode passar Santos em volume?

Verruck: Santos acabou se tornando o nosso principal porto de exportação de celulose, e Paranaguá é o nosso porto de grãos. A ideia é que a gente consiga dividir [os volumes de exportação]. Nós temos no mesmo horizonte da Ferroeste a Rota Bioceânica, que é rodoviária; hoje, em Porto Murtinho a hidrovia já tem um volume significativo, e a ideia é dotar o Estado. A ferrovia [Malha Oeste] se viabiliza muito com minério, e com a questão da celulose, ela provavelmente seria a ferrovia da celulose no Brasil, enquanto o sul do Estado, nós entendamos que vai trabalhar com combustíveis e com commodities, como soja, milho e farelo. Então tem espaço, em volume de tráfego de mercadorias, suficiente para potencializar. A ideia principal é equilibrar [as rotas de exportação], e com certeza Paranaguá aumentaria em provavelmente 30% a 40% o que é exportado hoje, até para viabilizar a questão da ferrovia.

O Estado: A hidrovia Paraguai-Paraná se inviabilizou este ano em função da estiagem. Existem obras ou melhorias possíveis para manter o calado navegável mesmo em tempos de seca?

Verruck: Não é que ela se inviabilizou, nós batemos o recorde de exportação de soja pela hidrovia este ano porque estava começando, e na verdade, em função do calado do rio, nós tivemos problemas na exportação de minério, e não há perspectiva [de transporte] até novembro. Boa parte daquilo que estava previsto para ser transportado pela hidrovia, teve de ser realocado por caminhão para os portos de Paranaguá ou Santos. O calado está muito baixo em função da estiagem, a maior dos últimos 50 anos no rio. Seria um bom momento se nós tivéssemos o investimento em toda a batimetria e algumas questões de desassoreamento, nós poderíamos ter essa hidrovia em, pelo menos, uma condição mais alongada em termos de operação, mas isso não está acontecendo e não há perspectiva de investimentos de curto prazo na hidrovia.

(Texto: Mariana Moreira)

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