Cenário é de pessoas desesperadas por trabalho
Campo Grande foi uma das primeiras capitais do Brasil a emitir decreto de suspensão de aulas nas universidades, escolas públicas e particulares. E restrições de fechamento no comércio, em salões de beleza, academias, shoppings e igrejas. O responsável pelos decretos, o secretário municipal de Meio Ambiente e Gestão Urbana, Luís Eduardo Costa, defende que as medidas foram decisivas para frear os casos de infectados na Capital. Entretanto não descartou medidas rígidas como o fechamento total. “Não quer dizer que, se não temos os leitos 100% lotados, não é que o vírus não esteja em Campo Grande”, reforçou. Costa diz que o município vem dialogando com associações, sindicatos e a sociedade organizada, e ele afirma que o cenário é de pessoas desesperadas por trabalho. O secretário completou que os cemitérios públicos têm vagas para atender um colapso que ocorreu em Manaus. Confira a entrevista:
O Estado: Campo Grande se antecipou com as medidas restritivas, assim que a pandemia foi deflagrada no país. Na mesma medida, foi uma das primeiras a recuar. O que ocorreu?
Costa: O que aconteceu é que, logo depois daquele pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, ficou nítido que as pessoas começaram a deixar as casas e passaram a ficar mais tempo nas ruas. O período de tempo, de parada, foi importante pois estamos hoje vivendo crescimento linear dos infectados, porém agora é que vamos sentir como vai ficar o cenário daqui para a frente, com gente nas ruas e atividades econômicas voltando a funcionar. O que precisamos entender é que a questão da saúde é importante, mas a questão econômica do país é mais frágil, e não permitiu acontecer o isolamento. Temos como o exemplo a construção civil: são profissionais que recebem por diária, que pagam o seu pão a cada dia. Se ficássemos mais tempo com esse setor parado iríamos criar problemas em outras esferas. E já estamos vivenciando, com o índice de violência doméstica aumentando em Campo Grande. Quando se mexe com o comportamento, é muito difícil de lidar, ainda mais com as pessoas sem dinheiro. A partir daí veio o nosso grande desafio. Como convivê-lo com a pandemia? O que fizemos foi montar um grupo técnico que contou com a presença de diversos setores, tendo a Semadur junto com a Vigilância Sanitária à frente. Organizamos a biossegurança e as regras de comportamento. Por meio disso, foram feitos decretos e resoluções. Resoluções importantes como o distanciamento, fluxo permitido de pessoas em locais, uso de máscaras, modo de lavar as mãos corretamente, etc.
O Estado: Como está sendo pra lidar com a pressão de diversos setores, principalmente comerciantes e empresários?
Costa: A gente recebe diariamente vários setores. As pessoas estão desesperadas por trabalho. Somos fraternos e solidários a todos. O que estamos fazendo é tentar construir a melhor saída e a mais segura. Que possa ter uma linha-guia por meio de decretos, planos de biossegurança e resoluções. Para a pessoa que estiver trabalhando estar menos exposta ao contágio.
O Estado: Os decretos de fechamento de comércios, construção civil, academias e rodoviária contribuíram de fato pra frear os casos de infectados?
Costa: Naquele momento foram importantes, sim. Pois tratam de locais complexos. Exigem das pessoas que fazem a gestão muita atenção no plano de biossegurança. Não quer dizer qu, se não temos os leitos 100% lotados, não é que o vírus não esteja em Campo Grande. O contágio já passou a ser comunitário. O que não temos é uma alta testagem. Não sabemos dizer se estão se elevando rápido os casos. O controle que estamos fazendo é em cima dos números que temos da Sesau.
O Estado: O que difere da aglomeração que ocorre no Camelódromo ou Mercadão de Campo Grande para a decisão de fechar totalmente os shoppings?
Costa: Os shoppings já passaram a abrir, todos eles. Na verdade, o Mercadão tem uma característica de “mercadinho”. Ali tem box, mas com estrutura de mercado típico de vila. Já o Camelódromo é algo totalmente atípico. E por ser atípico precisou se fazer um decreto específico. O pessoal do Camelódromo apresentou o trabalho de um profissional técnico e o que a gente fez foi construir em cima um decreto. No Camelódromo não está sendo permitido abrir todas as bancas, há um revezamento, tem uma quantidade de pessoas muito menor no local. Existe todo regramento para ter o máximo de controle. E os shoppings são iguais. Todos que apresentaram o plano abriram. O que ocorre é que teve aqueles que apresentaram mais cedo e outros mais tarde.
O Estado: Já tem alguma avaliação ou balanço sobre os dias de comércio aberto? Comerciantes estão se adequando e as normas estão sendo respeitadas?
Costa: As pessoas na maioria estão respeitando. Existem alguns locais que estão tendo confusão de fluxo com agências bancárias. Já reunimos com todos os bancos e vamos aguardar das agências quais as unidades que mais estão concentrando pessoas. A gente vai ajudar enviando a Guarda Municipal para manter a organização das filas com as distâncias recomendadas e pedir aos bancos que diminuam o tempo de espera. Sabemos que hoje 90% das operações bancárias ocorrem no sistema on-line. Passa também pelo bom-senso das pessoas.
O Estado: Existe a possibilidade de o município voltar a endurecer o isolamento social como em março? Já que o povo está agindo como se fossem “férias”…
Costa: Existe a possibilidade. Nós estamos com corpo técnico estudando alguns cenários e fazendo o acompanhamento da evolução da doença em relação ao número de pessoas infectadas. Entendemos que esse crescimento é de forma exponencial. Diferente do linear, que acontece em outras cidades, é quando dobra o número de casos no intervalo de quatro a seis dias. Mas, mesmo assim, estamos fazendo o estudo para que tenhamos um número real. Para que ele seja ligado ao número de leitos. Vimos que, à pessoa que precisar de respirador, o tempo de internação varia de 14 a 21 dias, então é muito tempo em um leito. Não teremos condições de atender todos os infectados. Se este protocolo médico melhorar o tratamento, baixar para sete dias, muda o cenário. Temos vários setores para acompanhar sobre a decisão de voltar a fechar tudo. Que é possível acontecer se a doença ficar descontrolada.
O Estado: Aeroporto, terminais de ônibus e ruas estão passando por desinfecção com ajuda do Exército e da Marinha. Essa limpeza não começou tardia?
Costa: Tudo o que vier para ajudar a cidade é bem-vindo. Seja lá qual for o tempo e a hora. O Exército e a Marinha são muito organizados. Participei das reuniões que decidiram pela desinfecção do Mercadão, da Feira Central e da rodoviária. Tem ainda o pedido da Sesau para que seja feito também nas UPAs.
O Estado: Comércio, salões de beleza, academias, shoppings, agora igrejas… quais desses segmentos mais preocupam a Semadur? A fiscalização é feita de quanto em quanto tempo?
Costa: Nós temos fiscais nas sete regiões da cidade. A gente tem feito diálogos com associações, sindicatos e a sociedade organizada. Este é o melhor caminho do que apenas reprimir ou multar. Não é a nossa intenção. A nossa estratégia é melhorar cada vez mais estas regras que envolvem a biossegurança e que isso seja incorporado na vida dessas pessoas. Que eu seja dono de uma academia, que é complexo, é preciso mostrar que estou em um local seguro. Se eu sou dono de uma farmácia ou de uma loja que fica no shopping, o cliente precisa perceber que o local está organizado, atendendo as recomendações. No shopping tem setores que não vão abrir, como parques de diversão infantil e cinemas, por se tratar de uma estrutura complexa. A pessoa que pensa em ir ao shopping passear, eu vejo que não é o momento. Vá ao shopping para fazer uma compra de que necessita. A praça de alimentação já estará reduzida no atendimento em 30%.
O Estado: Na Semadur, quantos servidores terão os salários reduzidos no plano de redução de gastos da prefeitura?
Costa: Não temos este número. A Semadur tem uma característica de não haver muitos servidores. A pasta tem em torno de 380 servidores. Destes, muito poucos são nomeados; a maioria é cargo de carreira. Então isso não entra nos cortes. E, pelo decreto, fiscais não entram no plano de redução. Praticamente não terá cortes. Apenas do meu como secretário e das chefias nomeadas.
O Estado: Que projetos da Semadur ficaram prejudicados com esta questão da pandemia?
Costa: A cidade parou. Graças a Deus temos uma equipe muito parceira. O meu adjunto, e os superintendentes, todos são competentes e compromissados. Isso nos ajudou muito. Nós estamos retomando a secretaria nesta semana e a Semadur é um motor na prefeitura nas questões de fiscalização e arrecadação. É a gente que lida com as obras, loteamento, licenciamento ambiental, ISS e IPTU; nós precisamos reagir rápido.
O Estado: Como está a questão de implantação da estação de qualidade do ar?
Costa: É… tivemos reunião com a UFMS, na qual participou o vereador Eduardo Romero (Rede). Estamos fazendo uma reprogramação para poder funcionar em Campo Grande. É uma questão técnica para novo cálculo. O projeto está na parte administrativa, mas precisa de recursos para poder montar a estação.
O Estado: A cidade está preparada com cemitérios públicos, caso o número de mortes aumente?
Costa: É uma situação que envolve todos os cemitérios, não apenas o público. E já conversamos com todas as PAXs. Campo Grande é vista como modelo exemplar no Brasil, tem oferta de vagas, a questão é só de estratégia, que precisa ser adotada em casos de enterros sociais. Essas medidas serão adotadas pela Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos), Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), Semadur e Vigilância Sanitária.
O Estado: Campo Grande pensa em crematório público depois do cenário de alguns estados e países?
Costa: Crematório é algo extremamente caro. Precisa de um investimento alto. O problema é este: o custo, e ser algo muito complexo. Já existe uma empresa em Campo Grande com licenciamento em operação, que é particular. Hoje, se alguém optar por este serviço, lá será permitido. A Capital tem apenas um crematório.
(Texto: Bruna Marques e Bruno Arce)