Do total de registros, pelo menos 37 moradias improvisadas estão localizadas em Campo Grande
Em 2011, o então governador André Puccinelli afirmou que Campo Grande, até o ano seguinte, seria a primeira capital do Brasil sem favelas. Só que, dez anos depois, o cenário em Mato Grosso do Sul é bem diferente, já que o número de comunidades em que vivem famílias em vulnerabilidade social passou de 14 para 59 no Estado, sendo um aumento de 321%.
O levantamento é da Cufa (Central Única de Favelas), que também aponta que a maior parte delas se encontra em Campo Grande. Há dez anos, eram seis favelas no município, mas, atualmente, já são 37. “A gente sempre teve esse cenário em Campo Grande, só era meio que velado”, ressaltou a coordenadora da organização que atua na Capital, Leticia Polidorio.
Segundo ela, uma das maiores comunidades é a que se instalou no antigo terreno da empresa Homex, que veio para a cidade com a promessa de construir três mil casas, mas faliu. No local, região do Jardim Paulo Coelho Machado, vivem mais de três mil famílias.
Segundo Polidorio, a situação piorou quando a pandemia começou em março de 2020. Houve um aumento de famílias que deixaram de pagar aluguel e passaram a morar em barracos nas favelas de Campo Grande. Como é o caso da comunidade no bairro Portal Caiobá que, até o ano passado, tinha 52 moradores e atualmente tem 70.
“A maioria é mulher, mãe solo que na pandemia perdeu emprego ou que era autônoma, não conseguiu se estabilizar com os filhos fora da escola, recebeu auxílio emergencial e optou por comer com esse auxílio e viver nas favelas”, explicou.
Com isso, novas comunidades estão surgindo em Campo Grande. “Temos relatos de novas favelas que estão sendo montadas, como no Jardim Centro-Oeste, que já deve ter em torno de 70 famílias lá”, disse.
Conforme a coordenadora, os desafios das famílias que vivem no local são grandes, já que elas lidam com a fome, o desemprego e até mesmo a força da natureza, como a tempestade de poeira que ocorreu na sexta-feira passada (15) e que causou estragos em Campo Grande. Vários barracos foram levados por conta do temporal.
“A Cufa tem um trabalho muito forte com a liderança dessas comunidades. Eu tenho contato direito para saber o que as famílias estão precisando. Depois que passou o vendaval, estamos com muitos pedidos de alimentos, porque elas perderam alimentos, roupas e os barracos”, lamentou.
Situação se repete no interior
Distante quase 300 quilômetros de Campo Grande, o município de Ivinhema é o segundo com mais favelas em Mato Grosso do Sul, de acordo com a Cufa (Central Única de Favelas). Em dez anos, de apenas uma comunidade a cidade já concentra dez favelas.
Assim como na Capital, a situação apresentou piora no período de pandemia. Conforme a coordenadora da Cufa de Ivinhema, Nilda Pereira, o atendimento assistencial às famílias em vulnerabilidade, antes da crise sanitária, girava em torno de 37 e agora chega a 200.
“Muitos perderam empregos, nos procuram pedindo por alimentos. Com parceria tentamos inserir no mercado de trabalho. Houve um aumento de pessoas que já moram em situação de vulnerabilidade e precisam ainda mais da Cufa”, disse.
Em Três Lagoas, município que fica a 326 quilômetros da Capital, em 2011 havia apenas uma comunidade, mas no decorrer dos anos, surgiram mais cinco. “Teve um grande crescimento com o desemprego, o fechamento de grandes indústrias e empresas. Pessoas perderam condições financeiras de pagar aluguel, por conta disso teve invasão em alguns terrenos, as famílias fizeram ocupação e agora têm diversas favelas”, contou a coordenadora da Cufa da cidade, Lilian Souza.
A maior favela é a que está em um terreno na Rua Yamaguti, em que vivem 500 famílias, desde o surgimento há três anos. “Têm muitas pessoas desempregadas, que necessitam de ajuda. Nos barracos vivem muitas crianças e idosos.”
Após a pandemia, Souza afirmou que outras favelas estão surgindo. “Nós temos agora uma ocupação no bairro São João, que tem um terreno que foi ocupado por pessoas que não conseguem mais pagar aluguel, surgiu depois da pandemia. Já tem em torno de 60 barracos”, afirmou.
Em Amambai, distante 350 quilômetros de Campo Grande, as favelas são conhecidas como vilas e, nos últimos dez anos, não houve o aumento do número desses locais. No total, são seis, porém a Cufa percebeu que mais famílias foram viver nesses locais. A maior é a Vila Cristina, com 500 barracos. “É uma pobreza muito grande, dá tristeza de fazer visita para essas pessoas, ficamos com muita pena”, lamentou a coordenadora da Cufa que atende a cidade, Cirley Leandro Farias.
40 mil famílias na pobreza
Segundo dados obtidos pelo jornal O Estado junto ao Ministério da Cidadania, desde o início da pandemia até junho, último mês com dados divulgados pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido), quase 40 mil famílias do Estado entraram no cadastro de programas sociais do governo federal.
De acordo com os dados da União, Mato Grosso do Sul teve em junho 450.287 famílias inscritas no Cadastro Único do ministério para receber algum tipo de benefício social, como o Bolsa Família.
É o maior número alcançado pelo Estado desde agosto de 2012, quando a então gestão Dilma Rousseff (PT) adotou o Cadastro Único e centralizou o acesso aos programas sociais como forma de tentar barrar fraudes.
Desse total de inscritos, mais da metade tem renda de até um salário-mínimo. Cerca de 124 mil famílias possuem renda pífia, de até R$ 89 mensais. Outros 52 mil ganham até R$ 178. E 124 mil têm renda de até um salário-mínimo atual, de R$ 1,1 mil.
Como forma de amenizar o impacto do crescimento da pobreza com a pandemia no Estado, a gestão Reinaldo Azambuja (PSDB) também se meteu nos programas sociais.
O principal expoente de benefício do governo estadual é o Mais Social, um auxílio pensado para atender as famílias em situação de vulnerabilidade social, insegurança alimentar e nutricional.
Segundo a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho, o programa vai pagar R$ 200 mensais para beneficiários que têm renda mensal familiar per capita inferior a meio salário-mínimo.
O investimento anual no Mais Social gira em torno de R$ 260 milhões. Mais de 27 mil pessoas, em todo Mato Grosso do Sul, já foram inseridas no Mais Social. A previsão é de atender 100 mil famílias.
A luta de quem vive em favelas
É num barraco de madeira pequeno na comunidade Cidade de Deus, perto do bairro Dom Antônio Barbosa, em Campo Grande, com um quarto, cozinha em uma varanda improvisada, que Romilda Fernandes Mendes, 67, vive há sete anos. No mesmo terreno, em um outro barraco improvisado moram filha, genro e neto.
Aguardando a aposentadoria, a idosa sobrevive com o valor do Bolsa Família, uma renda, segundo ela, em torno de R$ 91 por mês. “Está muito feia a situação aqui, não saiu a minha aposentadoria e por causa da minha idade falaram que eu não posso mais trabalhar, mas por mim eu trabalhava”, afirmou.
Caprichosa, ela tenta manter o barraco limpo, afirmando que não gosta de bagunça. Com apenas arroz e feijão para se alimentar, Romilda espera por doações. “Algumas vezes têm pessoas que trazem sacolão pra gente, mas hoje só tenho arroz e feijão”, disse.
Mesmo na triste situação, a idosa ainda se permite sonhar com uma casa própria, desejo distante da sua realidade. “Eu só queria fazer uma casa, mas a gente desempregada é muito difícil”, lamentou.
Texto de Mariana Ostemberg
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