Por JOELMIR TAVARES, de SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A parcela de brasileiros que dizem nunca confiar nas declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) caiu na comparação entre a pesquisa do Datafolha de dezembro e o levantamento feito pelo instituto nesta semana. O percentual diminuiu de 60% naquele mês, recorde da gestão, para 53%.
Já o índice dos que responderam acreditar sempre no que o mandatário fala é de 17% hoje, ante 13% na sondagem anterior. Os que dizem crer nele só às vezes são 29% agora, ante 26% no último mês de 2021. Somando os que desconfiam total ou parcialmente das declarações, o total chega a 82%.
A pesquisa foi feita com 2.556 eleitores com 16 anos ou mais em 181 cidades de todo o país, na terça (22) e quarta-feira (23). A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou menos. O levantamento está registrado no TSE sob o número BR-08967/2022.
A tendência de melhora na credibilidade de Bolsonaro acompanha a queda na reprovação ao desempenho do governo, que foi de 53% para 46% de dezembro para cá. Os dados se relacionam com a melhoria relativa da intenção de voto no presidente em sua tentativa de se reeleger em outubro.
A queda no percentual de entrevistados que nunca confiam nas declarações interrompe uma sequência de altas nesse quesito que se arrastava desde dezembro de 2020. Naquele mês, o índice era de 37%, segundo a série histórica do Datafolha, que registrou elevação nas seis sondagens posteriores.
Embora suas falas não sejam totalmente levadas a sério por mais da metade da população brasileira, Bolsonaro conseguiu reverter parte da desaprovação popular nas últimas semanas, no momento em que lança mão de artifícios para enfrentar nas urnas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O atual ocupante do Palácio do Planalto, que tem um longo histórico de afirmações mentirosas, preconceituosas e grosseiras, recuperou certo fôlego na corrida eleitoral e chegou a 26% de intenções de voto, mas ainda aparece bem atrás de Lula, que lidera com 43%.
Os resultados que mostram a reação de Bolsonaro têm sido vinculados à sensível melhora da pandemia de COVID-19 e a medidas como o programa de transferência de renda Auxílio Brasil, mas também a estratégias calculadas de marketing que buscam domar sua verborragia característica.
De forma geral, a credibilidade dele na pesquisa reflete a simpatia de parcelas que compõem seu eleitorado, com taxas superiores de confiança entre homens, pessoas na faixa acima dos 45 anos de idade e aquelas que ganham mais de cinco salários-mínimos.
Os percentuais de confiança também são mais elevadas no Sul do país. Na região, onde o presidente goza de ampla aprovação, os que nunca acreditam nele são 44%, ante 61% no Nordeste, justamente a área geográfica onde ele é mais rejeitado. Já os sulistas que acreditam sempre nele são 23%.
Embora tenha base considerável no meio evangélico, dentro desse grupo a taxa dos que nunca confiam no presidente (40%) é superior à dos que fazem isso sempre (25%) e à dos que só creem às vezes (34%).
No recorte por ocupação, mais empresários (33%) acreditam sempre no mandatário do que, por exemplo, assalariados (18%), desempregados (10%), funcionários públicos (23%) e aposentados (26%). A menor taxa se dá entre estudantes (4%).
No cruzamento com as intenções de voto, os dados do instituto mostram o esperado: os mais confiantes nas palavras de Bolsonaro são seus eleitores. Entre os que pretendem votar nele, a taxa dos que creem sempre bate 58%; já entre quem prefere Lula o percentual é de míseros 2%.
Na mesma toada, o índice de confiança plena nas falas do presidente chega a 61% entre os entrevistados que avaliam seu governo como ótimo ou bom e despenca para 1% entre aqueles que consideram a gestão ruim ou péssima.
Embora ele venha aparentando a tentativa de atenuar a quantidade e a intensidade de falas polêmicas, sua credibilidade foi afetada ao longo do tempo pelo acúmulo de declarações falsas, distorcidas e por vezes pouso sensíveis – sobretudo no contexto da mortandade pelo coronavírus.
Bolsonaro fez ajustes estratégicos de discurso, por exemplo, nas questões do embate com o STF (Supremo Tribunal Federal), amenizado após o 7 de Setembro e depois retomado, e da vacinação contra a COVID, que ele deixou de atacar para evitar perda de votos diante da ampla adesão à imunização.
No cômputo geral, entretanto, o mandatário segue com a imagem pública associada a afirmações descabidas ou questionáveis, que têm sido repreendidas nas esferas judiciais e das plataformas digitais.
Neste mês, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar a conduta do presidente na live realizada em outubro do ano passado na qual ele leu uma suposta notícia que apontava falsamente um elo entre a vacina contra a COVID e a Aids. O caso já era alvo de uma investigação no STF.
Outro sinal do cerco às mentiras de Bolsonaro foi a decisão anunciada pelo YouTube nesta semana de remover todos os vídeos que contenham alegações falsas de fraudes, erros ou problemas técnicos na eleição de 2018, inclusive de forma retroativa, atingindo os que já estão publicados.
Bolsonaro vem afirmando desde o início de seu mandato que houve falhas nas urnas eletrônicas em 2018, e que ele, na realidade, teria vencido o pleito no primeiro turno. Conteúdos dele e de aliados que põem em xeque a transparência do sistema brasileiro são agora passíveis de remoção pelo YouTube.
O presidente realizou uma live nas redes sociais em julho de 2021 para apresentar o que chamava de provas das suas alegações, mas citou apenas boatos que circulam há anos na internet e que já foram desmentidos. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abriu inquérito sobre o episódio.
Acuado pela oposição e por ameaças de sofrer um processo de impeachment, Bolsonaro chegou a moderar o discurso sobre o sistema eleitoral no fim do ano. Disse que, “com as Forças Armadas participando, você não tem por que duvidar do voto eletrônico” e que não iria “melar” a eleição.
Neste ano, porém, interrompeu a trégua e retomou ataques às urnas. Voltou a falar em vulnerabilidades, afirmou que existem “dezenas de dúvidas” e provocou um mal-estar com o TSE, que foi forçado a divulgar uma série de perguntas feitas pelo Exército e as respostas da corte.
Bolsonaro suspendeu ataques a ministros do STF graças a um acordo de pacificação costurado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) depois dos atos de raiz golpista no Dia da Independência, mas renovou neste ano a artilharia contra ministros da corte como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Sugerindo que os magistrados agem com a intenção de favorecer a volta do ex-presidente Lula ao poder, ele reclamou de uma “perseguição implacável” sobre ele e seus apoiadores. Já disse também que os ministros “se comportam como adolescentes” e ameaçam liberdades.
No caso da vacina contra a COVID, Bolsonaro foi pressionado pelo entorno, sobretudo aliados do centrão, a abandonar o discurso contrário à imunização em nome da sobrevivência eleitoral. O filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), estrategista do pai nas redes, deu aval à guinada.
Em vez de disseminar desinformação sobre eficácia e efeitos colaterais, o presidente passou a moderar o tom ao abordar a questão ou simplesmente deixar de mencioná-la. A intenção foi a de frear a rejeição a seu nome, a partir da constatação de que 75% da população completou o primeiro ciclo vacinal.
Bolsonaro adotou postura negacionista durante a pandemia e defendeu o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. Não há relatos de que tenha se vacinado. Ele atacou, por exemplo, o empenho do governador João Doria (PSDB-SP), seu rival político, em iniciar e acelerar a aplicação no país.
Em pronunciamento no último dia de 2021, o presidente buscou se eximir de culpa pelo atraso na imunização, argumentando que em 2020 “não existia vacina disponível no mercado” e ignorando a decisão do governo de rejeitar, naquele ano, proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses.
Dois anos atrás, na fase inaugural de sua série de afirmações minimizando a gravidade da doença e da crise sanitária, o presidente disse, em tom sarcástico, durante entrevista coletiva: “depois da facada [na campanha de 2018], não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não”.
Em janeiro deste ano, quando o país registrava 301 mortes de crianças entre 5 e 11 anos por COVID, o titular do Planalto disse desconhecer qualquer caso de criança que tivesse morrido por causa do vírus e, na contramão do que pregam médicos, desestimulou pais a imunizarem seus filhos.