A lei de abuso de autoridade foi aprovada na Câmara dos Deputados e enviada à sanção presidencial na última semana. Desde então, representantes do governo e de algumas categorias de servidores públicos têm manifestado sobre a necessidade de se vetar dispositivos do projeto.
Inicialmente ressalta-se que as normas aprovadas devem ser lidas à luz da Constituição Federal e dos princípios do direito. Isso significa que não caberá interpretação que viole os princípios constitucionais da independência funcional de magistrados e de membros do Ministério Público.
O projeto não pretende punir quem trabalha seguindo as balizas legais, mas sim aqueles que extrapolam a lei em detrimento da sociedade como um todo.
O agente só poderá ser condenado por qualquer crime previsto na nova lei se existir prova de que praticou o ato com dolo específico de prejudicar outro ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda, por capricho ou satisfação pessoal, a exemplo de atos praticados por vingança.
A intenção não é frear o combate à corrupção e à criminalidade. O que se pretende é que todos aqueles que exercem parte do poder que a sociedade delega ao Estado o façam com responsabilidade, em prol da própria sociedade.
Não há dúvidas de que agem em contrariedade ao interesse público os juízes que decretam prisões cautelares sem fundamentos, os promotores que iniciam ação penal sem indício de autoria ou contra quem se sabe inocente, os delegados que prendem para averiguação ou o agente que vaza trecho de gravação apenas para denegrir a imagem do investigado.
Não podemos tolerar mais operações policiais espetaculosas, com exposição vexatória da imagem do investigado e de seus familiares, investigações sem fim, prisões temporárias e provisórias por fatos ocorridos anos atrás.
Além disso, a lei aprovada protege em relação ao chamado “crime de hermenêutica”. O projeto dispõe que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
Assim, não haverá limitação da atividade jurisdicional ou investigativa e sim uma exigência de maior zelo na fundamentação das decisões, o que contribuirá para um ambiente de maior segurança jurídica.
Lembro ainda que caberá a membros do MP a denúncia de seus pares e de juízes que eventualmente abusem de seus poderes e aos magistrados o julgamento dessas ações. Ou seja, os próprios membros dessas categorias serão os responsáveis por investigar, denunciar, avaliar e julgar os fatos.
Por isso, causa estranheza que uma pequena parte dos membros das carreiras do Judiciário e do Ministério Público se insurja contra a nova lei.
Por qual razão temer as novas regras, se eles mesmos serão os principais intérpretes e aplicadores? Será que não confiam na forma com que seus pares aplicarão a lei? (Ricardo Barros)
*Deputado federal e relator na Câmara do projeto de lei de abuso de autoridade