Como recomeçar a vida depois de sofrer uma agressão por dias, meses e até anos? Campo Grande tem a Casa da Mulher Brasileira, órgão que oferece acolhimento, e algumas iniciativas têm mostrado resultados positivos, como é o caso do projeto “Artes da Penha”, criado pela promotora da 72ª Promotoria de Justiça, doutora Luciana do Amaral Rabelo.
O Artes da Penha surgiu há um ano e já atendeu cerca de 41 mulheres. O projeto foi idealizado com o objetivo de apoiar mulheres vítimas de violência na parte financeira, com o aprendizado de uma nova fonte de renda, o artesanato. Elas confeccionam bonecas de pano com o rosto da pintora mexicana Frida Kahlo, um ícone do feminismo. Quem também tem o nome lembrado nas obras de artes é a Malala, ativista paquistanesa, uma guerreira que lutou por dias e direitos melhores.
Outro motivo é a dependência emocional, questões psicológicas, insegurança, são vários os motivos que fazem com que mulheres permaneçam no ciclo de agressão e um desses fatores é a dependência financeira, é o que explica a voluntária e psicóloga do projeto, Alaiane Elias Amaral.
“É muito difícil para a mulher procurar ajuda, a sociedade julga essas mulheres, tem a questão dos filhos, muitas vezes ela se isola da vida social, para de trabalhar, tem aquele pensamento de que mulher foi feita para ficar em casa e acaba que ela se afasta do mercado de trabalho, e quando ela precisa sair desse relacionamento, ela se depara com essa dependência financeira, e nós pensamos nesse projeto para que elas tenham uma nova fonte de renda”, explica.
Durantes os encontros vários assuntos relacionados à violência doméstica são abordados, como, por exemplo, formas de procurar ajuda. Outros temas tratados são sobre autoestima, segurança e forças pessoais. E o mais bonito disso tudo é que nesse momento as mulheres se apoiam e se sensibilizam com as histórias umas das outras.
“A gente já percebeu muita coisa boa, elas se sentem muito gratas, no momento em que elas estão fazendo é um momento muito leve, uma apoiando a outra, parece que o acolhimento torna aquilo mais leve e elas ficam felizes, elas expressam gratidão, a autoestima delas aumenta; já há casos de mulheres que depois que participaram do projeto continuaram a fazer artesanato para vender, elas falam muito que o momento de apoio é muito importante para elas”, comenta a psicóloga.
Ao pisarem no Artes da Penha, as mulheres que passaram anos de suas vidas sendo humilhadas, menosprezadas, agredidas e desvalorizadas encontram reconhecimento e é lá que elas descobrem que são capazes e que elas podem erguer a cabeça e lutar. O sentimento que fica no coração da psicóloga é de satisfação e dever cumprido em ajudar quem tanto precisa de um carinho naquele momento.
“O que fica é a satisfação de saber que o projeto vale a pena, que o esforço não é em vão, saber que o voluntariado do projeto está dando certo, e muito carinho também, nossa recompensa é o carinho e o amor que elas nos passam”, finaliza.
História de superação mostra que é possível dar a volta por cima e seguir em frente com a cabeça erguida
O descontrole, o ciúme e o ódio, a violência são uma realidade para muitas mulheres. A covardia que devastou a vida da nossa personagem, uma mulher de 33 anos que preferiu ter a identidade preservada; ela sofreu um dos piores tipos de violência, a doméstica.
“O primeiro sinal de agressão foi um empurrão quando eu estava há quatro meses grávida; meu filho nasceu deficiente! Eu conheci ele na faculdade, ele mostrou ser uma pessoa boa, falava que não tinha nenhum vício, se mostrou ser um homem totalmente diferente do que era. Começamos a namorar, depois de um mês nós casamos, achei que ia ser aquele conto de fadas. Após cinco meses ele começou a pôr as garras pra fora. Quando eu engravidei ele já me batia, me xingava, ele tirou tudo de mim, inclusive a minha saúde, ameaçava meus pais de morte”, relembra.
“Eu vou matar sua filha”, esta é a frase que o pai da vítima mais ouvia. “Eu resolvi dar um ponto final no dia em que ele chegou bêbado em casa e agrediu meu filho; eu fugi e a partir desse dia eu decidi que queria outro destino para a minha vida”, relata.
Após sofrer um relacionamento abusivo e desrespeitoso por cinco anos, chegou a hora da virada, a volta por cima. Há oito meses a dona de casa deu um basta na relação e conheceu o projeto Artes da Penha, e foi lá que ela enxergou que ainda tem muitas coisas boas para viver.
“Eu gostei muito, eu já amava artesanato, sempre fiz, mas as artes que eu aprendi lá eu não sabia ainda, lá eu encontrei uma forma de complementar minha renda. Ser agredida mexe com o nosso psicológico e a psicóloga me ensinou que tudo passa, temos sempre de olhar para trás, eu não quero mais para a minha vida aquele sofrimento que eu vivia. O projeto me deu mais tranquilidade, e paz, eu consegui ocupar minha cabeça com a arte”, afirma.
Em uma palavra: o sentimento agora é de gratidão! “Agora eu só quero olhar pra frente e recomeçar do zero, eu nem acredito que saí daquele pesadelo, todos os dias eu agradeço a Deus por me livrar da vida que eu vivia, porque hoje eu sei que estou vivendo”, finaliza com tom de esperança por um futuro diferente para ela e o filho.
Projeto conta com colaboração de doações
As bonecas são vendidas na Casa da Mulher Brasileira e custam R$ 50. Parte do dinheiro vai para as artesãs, para que elas possam investir em materiais e dar continuidade no trabalho em casa, e o restante do valor vai para as compras de mais materiais para outras mulheres.
O projeto conta com a colaboração de doações. Quem tiver interesse em ajudar é só entrar em contato com o setor da Promotoria da Casa da Mulher. O órgão fica na Rua Brasília, Lote A, Quadra 2, no Jardim Imá.
(Texto: Bruna Marques)