Deputados estaduais de Mato Grosso do Sul que integram a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Energisa, que investiga irregularidades da concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica na maioria das cidades do Estado, têm em mãos um suposto caso explícito de fraude em relógio medidor ocorrido no consultório de um médico de 47 anos no centro de Campo Grande, que por meio de averiguação particular descobriu que era cobrado por uso até sete vezes maior de força do que o que realmente gastava. “É parecer semelhante ao contratado por produtor rural do município de Miranda que fundamentou o requerimento com fato determinado que culminou na instauração da CPI”, detalhou o deputado estadual Felipe Orro (PSDB), presidente da comissão.
Pudera, desesperado após protocolar sete pedidos de revisão de conta sem obter nenhuma resposta, Márcio Molinari não encontrou outra alternativa senão procurar a CPI para registrar o que descobriu: após a mudança do local onde fica o padrão de entrada de energia (a caixa principal onde é feita a ligação com a rua) em novembro do ano passado, seu consumo subiu em um mês de 100 kWh para 612 kWh. “É uma coisa absurda. Antigamente, com aparelhos eletrônicos de consumo alto, sem preocupações de economia, nossos avôs e pais gastavam 200, 300 kWh por mês. Como assim atualmente se chega a 600 kWh facilmente”, disse o médico, ao jornal O Estado.
Veio 2020 e o aumento continuou progressivo: 906 kWh em janeiro e 1.117 kWh em fevereiro. Molinari então decidiu instalar captadores de energia solar como forma de economizar na conta, mas foi alertado pelo seu eletricista de que poderia ter algo errado na leitura, visto que ter o padrão de entrada de energia em cima do poste, como no seu caso, não é algo comum.
A medição por cinco dias do consumo do médico por parte dos engenheiros elétricos deixaram Molinari estarrecido: o laudo apontou o gasto de 22 kWh, enquanto a Energisa constatou o uso de 152 kWh. “É para ficar indignado”, disse. Pior para ele que o mesmo laudo afastou a possibilidade de alguém estar lhe roubando energia. Pior ainda que a decisão lógica de não pagar as contas até que sua situação seja revista seja ignorada pela concessionária que o ameaça de cortar o serviço. O que deixa a situação ainda mais surreal.
O médico não fala a quantia gasta para a elaboração do laudo. Garante apenas que é menor que os R$ 500 gastos mensalmente, na média, com sua conta de luz. A reportagem conversou com engenheiros elétricos e todos estimam que o custo de um laudo semelhante, para pequenos imóveis, não sai por mais de R$ 200.
“É um trabalho fácil, rápido e essencial para quem acha que o gasto está acima do consumo. A maioria das ações judiciais contra concessionárias é pautada por esses laudos”, disse José Eduardo Castanho, chefe do Departamento de Engenharia Elétrica da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) de Bauru. “Problemas desse tipo ocorrem por muitos motivos, mas a maioria envolve justamente o modo leitura do medidor, que pode estar com defeito”, completou.
“Tudo é estranho, a começar pelo fato de os medidores irem do Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia], responsável por testar a qualidade dos produtos, para a Energisa e, só aí irem para o consumidor. Deveria ser instalado direto, pois levanta suspeita”, disse o médico.
Parlamentares em ação
A denúncia de Molinari caiu como uma bomba na CPI, que o convidou para prestar depoimento aos parlamentares na quarta-feira (11). Segundo o presidente da CPI, a presidência da Assembleia deu o aval para o orçamento que autoriza a realização de perícia técnica em 200 medidores de consumo no Departamento de Engenharia da USP campus São Carlos. “Dessa forma, serão sorteados 200 relógios do universo de 2,3 mil consumidores que registraram reclamação contra a Energisa no Procon ao longo de 2019”, explicou Felipe Orro. A logística para remoção desses relógios e o encaminhamento deles até o município de São Carlos (SP) será discutida junto com a concessionária em reunião previamente agendada para a segunda-feira (9).
“O Procon não participou de nenhuma reunião da CPI da Energisa até o momento, e tampouco respondeu aos requerimentos aprovados pelos deputados”, completou Orro, dizendo que o Procon-MS também será convocado a prestar esclarecimentos.
O presidente da CPI ainda convidou o promotor do MPE (Ministério Público Estadual) Luiz Eduardo Lemos a oferecer informações dos procedimentos administrativos investigados pela 43ª Promotoria do Consumidor.
Desde novembro, quando foi instaurada a CPI, foram apresentados dezenas de requerimentos solicitando vasta informação e uma testemunha, o tecnólogo em eletrotécnica industrial que emitiu parecer técnico embasando o fato determinado da CPI, foi ouvida no processo de investigação. Outras providências já foram tomadas, incluindo apresentação do orçamento no valor de R$ 20 mil para a aferição dos ensaios de desempenho de medidores de energia por amostra para identificar possíveis falhas na medição feita pela concessionária Energisa.
Oficialmente, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul ajuizou 381 ações contra a Energisa entre os anos de 2018 e 2019, com queixas recorrentes de consumidores de 38 municípios sobre os aumentos inexplicáveis em suas contas de energia elétrica, entre outras reclamações. O defensor público-geral do Estado, Fábio Rogério Rombi Silva, aponta ainda que houve um aumento de 25,44% no número de ações representadas contra a empresa, no período de um ano. Em 2018 foi ajuizado um total de 169 ações, ao passo que em 2019 o número pula para 212.
Outro lado
Por meio de nota, a Energisa disse que até o momento “foi apresentado um único parecer técnico e que não houve comprovação sobre irregularidades na medição de consumo realizada pela concessionária”.
“A distribuidora reafirma que o parecer apresentado não atende os procedimentos regulamentados pelo Inmetro, bem como o profissional, a empresa e os equipamentos utilizados não são credenciados no instituto, o que torna o laudo sem valor técnico e legal”, diz o texto.
A Energisa completa que “cumpre rigorosamente a legislação determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e reforça que está à disposição para prestar todas as informações necessárias à sociedade e aos representantes do Poder Público”.
(Texto: Rafael Ribeiro)