Revisão do CadÚnico tira 1,7 milhão de famílias unipessoais do Bolsa Família

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Foto: Divulgação

A revisão do Cadastro Único tirou 1,7 milhão de famílias compostas por um único integrante (chamadas de “unipessoais”) do rol de beneficiários do Bolsa Família em um ano.

São pessoas que estavam recebendo o benefício irregularmente ou integravam uma família maior, mas fizeram a opção indevida pela divisão do cadastro –não raro, induzidos pelo próprio desenho do programa social, com um valor mínimo garantido independentemente do número de membros.

Após a regularização, cerca de 400 mil continuam recebendo o benefício como dependentes em uma família maior.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acompanhado da primeira-dama Janja da Silva e membros do governo no O governo considera este um dado relevante para atestar que o objetivo final da revisão não é cortar benefícios, mas sim manter informações fidedignas em uma base que serve de referência para mais de 30 políticas sociais no Brasil.

Outro dado usado para sustentar esse argumento é o número de pessoas beneficiárias, que contabiliza todos os integrantes dos domicílios contemplados. O patamar se mantém estável entre 55 milhões e 56 milhões de indivíduos.

A explosão de famílias unipessoais no Bolsa Família foi o principal fator que levou a equipe de transição a classificar a situação do CadÚnico como uma “calamidade”.

A quantidade dessas famílias saiu de 1,84 milhão em dezembro de 2018 para um pico de 5,88 milhões em dezembro de 2022 –alta de 220%. No mesmo período, o número das demais famílias teve uma expansão de 28%.

Um ano depois da força-tarefa criada para regularizar o cadastro, o número de unipessoais dentro do Bolsa Família caiu a 4,15 milhões em dezembro do ano passado, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.

O processo de correção não tem sido simples. O governo enfrentou dificuldades, desinformação sobre as regras do programa e precisou endurecer as normas para o cadastro de famílias unipessoais até começar a ver resultados mais consistentes.

O novo protocolo envolve a assinatura de um termo de responsabilidade pelo beneficiário, registro de cópia digitalizada dos documentos e visita de agentes da prefeitura para ver se aquela pessoa realmente vive sozinha.

Em agosto, o governo fixou um limite de 16% para famílias unipessoais na folha de pagamento do programa. A verificação do percentual é feita município a município, e quem está acima precisa rever o cadastro.

Com as medidas, a proporção dessas famílias recebendo Bolsa Família caiu a 19,7% em dezembro de 2023, após atingir o pico de 27,2% um ano antes.

“O ano de 2023 foi de reconstrução. O cenário de desinformação era devastador, mas melhorou bastante”, afirma à Folha a secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Letícia Bartholo. Pela primeira vez na história, o CadÚnico contou com uma campanha de utilidade pública que mobilizou cadeias de rádio e TV, além das redes sociais.

Desde março, quando o Bolsa Família foi relançado sob novo desenho, 3,4 milhões de famílias deixaram de receber o benefício até dezembro, não só por irregularidades, mas também por incremento na renda ou fim do prazo da regra de proteção (que garante metade do benefício por até dois anos a quem passa a ganhar até meio salário mínimo).

Os cancelamentos abriram espaço no orçamento do programa para incluir outros 2,9 milhões.

“[O problema envolvendo] A inclusão de unipessoal deu uma melhorada muito boa. Mas não é porque melhorou muito que o trabalho está completo. Não existe etapa vencida, a ação precisa ser contínua”, diz Bartholo.

Em 2024, além da continuidade da averiguação dos unipessoais, o ministério vai promover uma revisão cadastral, com o objetivo de atualizar registros antigos. A meta é alcançar ao menos 4,7 milhões de registros, dos quais 1,7 milhão de beneficiários do Bolsa Família.

A regularização, porém, é vista como o tratamento imediato para um problema classificado como uma “parada cardiorrespiratória”: o risco de transformação do CadÚnico em um cadastro de indivíduos. Agora, Bartholo diz que o desafio é cuidar também da “doença crônica”, que envolve a substituição de uma tecnologia já obsoleta.

Está em curso uma parceria com o Ministério da Gestão e Inovação para modernizar o CadÚnico e torná-lo interoperável –jargão técnico para classificar um tipo de sistema que consegue conversar com outras bases de dados.

Um primeiro passo foi dado em 2023, com a integração com o Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais), base para benefícios da Previdência Social, que permitiu a atualização automática da renda de 18,5 milhões de pessoas e poupou R$ 7,8 bilhões em pagamentos que não eram mais devidos pelos critérios do programa.

O desafio agora é replicar o modelo com outros sistemas. Um exemplo prático ilustra o problema. Enquanto o Cnis consegue puxar automaticamente registros civis de nascimento e óbito, o agente social precisa analisar as certidões e pedir a exclusão de falecidos manualmente.

“Vamos mudar isso ao longo de 2024. Fazer sistema não é uma coisa simples, tem que validar a base de dados, criar regras para o uso e testar”, diz Bartholo.

Outro projeto para 2024 é georreferenciar os dados do CadÚnico por setor censitário. Assim como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou lugares onde ninguém mora no Brasil, o MDS quer visualizar onde estão erros, acertos e os “vazios de proteção social”.

“Onde tem mais crianças fora da escola e qual é a distância do equipamento público mais próxima?”, exemplifica a secretária.

Segundo ela, o uso dos dados do IBGE vai permitir identificar em quais regiões há maior proporção de cadastros desatualizados ou um percentual atípico de beneficiários unipessoais do Bolsa Família. O diagnóstico será uma ferramenta poderosa para direcionar as ações da política pública.

Apesar dos avanços na consistência do cadastro, a economista Laura Muller Machado, ex-secretária de Desenvolvimento Social do Governo de São Paulo e colunista da Folha, diz que a estratégia do MDS para corrigir o problema dos unipessoais pode ser aprimorada.

“Não entendi o parâmetro para chegar nesses 16% [de limite]. Me parece bem-vindo ter um parâmetro de referência para controlar, mas pode ser que tenha diferença entre territórios. Melhor do que ter um parâmetro normativo nacional é garantir que tenha um cadastro de qualidade”, afirma.

Machado destaca que há um fenômeno mundial de expansão das famílias unipessoais, cujas raízes os cientistas sociais ainda buscam compreender. Por isso, ela avalia que o teto pode se mostrar inadequado em algumas regiões.
Além disso, a economista observa que, embora um contingente relevante de unipessoais tenha sido excluído do Bolsa Família, há ainda um número expressivo dessas famílias no CadÚnico. Em dezembro passado, eram 15,46 milhões, 5,4% a mais do que em igual mês de 2022.

“Isso mostra que precisa tomar bastante cuidado. Ainda não há uma conclusão dos cientistas sociais sobre o crescimento dos unipessoais. Também me preocupa o programa seguir incentivando a quebra do núcleo, a declaração incorreta”, afirma Machado.

Segundo ela, o fato de o governo Lula manter um valor mínimo de R$ 600 por família faz com que algumas distorções se perpetuem. “Mesmo no atual desenho, dois adultos recebem R$ 600, mas uma família de uma pessoa só também. Se um casal se declarar unipessoal, vai receber o dobro”, diz.

“O que corrigiria automaticamente é ter um programa com valor per capita”, acrescenta. Para a economista, esse modelo também evitaria o gasto com o esforço de identificar, com precisão, quem de fato é unipessoal e quem está burlando o cadastro.

Com informações da Folhapress, por IDIANA TOMAZELLI

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