Pandemia impulsiona miséria e MS já tem 40 mil novas famílias abaixo da linha de pobreza

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Foto: Reprodução

No resultado médio, uma família ficou em situação de extrema vulnerabilidade social a cada três horas

A COVID-19 fez a pobreza aumentar em Mato Grosso do Sul. Segundo dados obtidos pelo O Estado junto ao Ministério da Cidadania, desde o início da pandemia até junho, último mês com dados divulgados pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido), quase 40 mil famílias do Estado entraram no cadastro de programas sociais do governo federal. Na média, uma família ficou em situação de extrema vulnerabilidade social a cada três horas.

O crescimento foi impulsionado por Campo Grande, responsável por quase 10 mil famílias desse montante geral de inscritos. Segundo os dados da União, Mato Grosso do Sul teve em junho 450.287 famílias inscritas no Cadastro Único do ministério para receber algum tipo de benefício social, como o Bolsa Família.

É o maior número alcançado pelo Estado desde agosto de 2012, quando a então gestão Dilma Rousseff (PT) adotou o Cadastro Único e centralizou o acesso aos programas sociais como forma de tentar barrar fraudes.

Desse total, mais da metade tem renda de até um salário- -mínimo. Cerca de 124 mil famílias possuem renda de até R$ 89 mensais. Outros 52 mil ganham até R$ 178. E 124 mil têm renda de até um salário-mínimo atual, de R$ 1,1 mil.

Os números do ministério evidenciam que o processo de empobrecimento de grande parte da população sul-mato- -grossense acompanha a política econômica do Governo Bolsonaro. Isso porque, desde setembro de 2019, ainda no primeiro ano da gestão, o número de inscritos só cresce a cada mês. Nunca, desde 2012, houve esse tipo constante na quantidade de inscritos em nível estadual.

União tem maior procura de beneficiados enquanto valores caem

De acordo com dados da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, a gestão Bolsonaro aumentou o número de beneficiados do Bolsa Família nesse período em Mato Grosso do Sul. Mas o total de dinheiro distribuído às famílias vulneráveis caiu.

O total de beneficiados pelo programa social mais conhecido do país no Estado em março de 2020 era de cerca de 113 mil. Em agosto deste ano, já eram 133.833 contemplados. Um aumento de 18,4%.

O dinheiro, contudo, diminuiu. Em janeiro o valor médio distribuído a cada família foi de R$ 186,71, Em agosto já era de R$ 87,26. É o patamar mais baixo desde o trimestre entre abril e agosto do ano passado, quando o Bolsa Família foi suspenso por conta do pagamento do auxílio emergencial.

Ao todo, o montante repassado pela gestão Bolsonaro pelo Bolsa Família ao Estado caiu de cerca de R$ 25 milhões em janeiro para quase R$ 11,7 milhões atualmente.

O governo federal alega que a redução se deve por conta da diminuição de bloqueamentos e cancelamentos do benefício. Abril foi o mês deste ano com o maior número de benefícios bloqueados. Mas o número desabou para 179 em agosto. Os cancelamentos do Bolsa Família caíram de 2.512 em fevereiro, recorde do ano, para 409 em agosto.

Entre os novos benefícios concedidos, mais um exemplo da dificuldade de grande parte da população na pandemia. O direito de acesso ao Bolsa Família pela condição de superação da extrema pobreza saltou de 52.299 beneficiados em janeiro para 54.892 em agosto. Em março de 2020 esse índice era de pouco mais de 12 mil famílias.

Nas periferias, vale tudo para sobreviver com crise

Érica Pereira, 29 anos, é uma das 11 moradoras de uma casa humilde em rua de terra do bairro Dom Antônio Pereira, na região sul da Capital. Como qualquer um de seus vizinhos, vivia sua vida dentro de uma normalidade de superar dificuldades até que março de 2020 chegou. Desde então, tudo mudou. A diarista perdeu os empregos. Viu seu pai e mãe serem infectados pelo coronavírus. E perdeu a avó para a doença.

Em meio a todos esses acontecimentos, a família inteira, incluindo as seis crianças, é sustentada pelo salário-mínimo ganho pelo pai em um frigorífico.

“Não tem o que fazer, não tem emprego. A gente está desamparado, sem perspectiva, passando muita dificuldade”, disse Érica.

Ela não está sozinha. A aposentada Neiva das Dores Machado, 61, moradora do Jardim Los Angeles, também na região sul, sobrevivia como costureira. Com a pandemia não só ela perdeu sua renda, como o filho, pedreiro. O auxílio emergencial deu uma ajuda momentânea. Mas desde que ele acabou os armários passaram a ficar vazios.

“A gente às vezes acorda e só quer que o dia termine. É muito sofrimento, é muita dor. Não sei se vamos conseguir se recuperar desse tombo causado pela pandemia”, disse.

É o mesmo pensamento de quem é especialista em ajudar as pessoas. O projeto social “Asas do Futuro”, que desde 1998 auxilia crianças da região de forma inclusiva, fornecendo cursos e incentivando práticas esportivas, viu a necessidade de mudar para o assistencialismo na pandemia dada a dificuldade de alimentação das suas próprias crianças.

“Nós nunca vimos nada parecido”, disse Jaqueline Teixeira, coordenadora do projeto.

Desde maio do ano passado, quando os reflexos da pandemia e da perda de emprego das famílias passou a ser notado, a ONG passou a agir. Fez parceria com um banco privado para distribuição de 1,5 mil cestas básicas, vales para gás de cozinha, entre outras ações.

Neste ano, a principal ação é a distribuição de legumes e verduras. E o resultado assustou. De 150 pessoas nos primeiros dias, atualmente a procura atrai mais de 1,3 mil semanalmente.

“Tem pessoas que chegam quatro horas antes na fila, com medo de ficar sem. Desde o ano passado nós sentimos a real necessidade das pessoas neste momento”, disse Tânia da Silva Alves, assistente social do projeto.

“Neste período de pandemia, muitas pessoas perderam as suas fontes de renda. Não tiveram como trabalhar. E quem tinha emprego de carteira assinada também perdeu. Muitos negócios fecharam e acabaram tendo que demitir”, disse o presidente regional da Cufa-DF (Central Única das Favelas) no DF, Bruno Kesseler.

Estudo da comitiva nacional do movimento mostrou que 54% dos moradores atendidos pela Cufa eram autônomos. O sociólogo e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da USP (Universidade de São Paulo), Rogério Barbosa, disse que as previsões iniciais se cumpriram. “A pandemia e a má recuperação do mercado de trabalho desde 2015, especialmente para as camadas mais pobres da população, agravam as desigualdades no Brasil”, disse.

Estado oferece R$ 200 no Mais Social

Como forma de amenizar o impacto do crescimento da pobreza com a pandemia no Estado, a gestão Reinaldo Azambuja (PSDB) também se meteu nos programas sociais.

O principal expoente de benefício do governo estadual é o Mais Social, um auxílio pensado para atender as famílias em situação de vulnerabilidade social, insegurança alimentar e nutricional.

Segundo a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho, o programa vai pagar R$ 200 mensais para beneficiários que têm renda mensal familiar per capita inferior a meio salário-mínimo.

O investimento anual no Mais Social gira em torno de R$ 260 milhões. Mais de 27 mil pessoas, em todo Mato Grosso do Sul, já foram inseridas no Mais Social. A previsão é de atender 100 mil famílias.

“O Mais Social é um olhar permanente do governo do Estado com as famílias em vulnerabilidade social. O nosso programa é permanente, ou seja, não termina. Nos últimos meses, infelizmente, muitas pessoas sofreram perdas familiares e econômicas com a pandemia, e isso fez com que muitas delas precisassem de ajuda. O Mais Social é uma importante ação que impacta favoravelmente, na economia dos 79 municípios”, destacou o secretário da Sedhast, Adriano Chadid, ao O Estado.

O programa Mais Social sucede o programa Vale- -Renda, que atendeu mais de 30 mil sul-mato-grossenses.

Rafael Ribeiro

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