Cientistas do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias, da Fapesp, em parceria com pesquisadores de Harvard revelaram nesta quarta-feira (22) que o processo de despigmentação capilar pode ocorrer de maneira acelerada em pessoas sob condições de estresse ou depois de passar por um grande trauma.
O estudo, que durou cerca de três anos, passou por diversos testes laboratoriais e foi publicado na revista científica Nature. O cientista Thiago Mattar Cunha afirmou que chegou à conclusão desse estudo graças a uma série de fatores imprevistos.
“O nosso laboratório é sobre dor. Então injetamos uma toxina que gerava muita dor em camundongos sem saber para onde ir. A partir disso, vimos que eles ficavam com pelos brancos depois de quatro semanas. Foi inesperado. Quando fui fazer um sabático em Harvard, falei para um supervisor sobre esse achado e eles disseram que também estavam fazendo algo nessa linha e nos chamaram para colaborar”, conta o cientista brasileiro à BBC News Brasil.
A maior parte dos testes foi feita na universidade americana, coordenada pela professora de biologia regenerativa Ya-Chieh Hsu. A outra foi realizada nos laboratórios da USP de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Os pesquisadores identificaram que o sistema nervoso simpático tem uma ligação muito próxima com o estresse.
Responsável por controlar as respostas do organismo em situações de perigo por meio de uma onda de adrenalina e cortisol, ele faz o coração bater mais rápido, a pressão arterial subir, a respiração acelerar e as pupilas dilatarem. Tudo isso para que o corpo se prepare o mais rápido porssível para uma luta, esquiva ou fuga. A partir disso, eles passaram a tentar identificar possíveis formas de bloquear isso.
Problema e solução
Os cientistas brasileiros identificaram a ligação entre estresse e o surgimento de cabelos brancos após injetarem uma substância chamada resiniferatoxin — extraída da planta Euphorbia resinifera, parecida com um cacto, que causa uma forte dor e, consequentemente, um grande estresse em camundongos com pelos pretos.
A aplicação foi feita com uma dose considerada alta pelos cientistas durante três dias consecutivos. Para o cientista Thiago Cunha, a grande importância desse estudo é demonstrar que há uma base científica por trás de uma crença popular. Historiadores relatam, inclusive, que um grande volume de cabelos brancos surgiu na cabeça da rainha Maria Antonieta durante a Revolução Francesa, em 1793, quando ela soube que seria guilhotinada.
Mas os cientistas descobriram uma maneira de impedir esse surgimento dos pelos brancos. Eles identificaram que o estresse associado à dor causava o “amadurecimento” das células-tronco melanocíticas dentro do bulbo capilar, responsáveis pela produção de melanina, o pigmento que colore os fios.
“Então tratamos os animais com guanetidina, um anti-hipertensivo capaz de inibir a neurotransmissão pelas fibras simpáticas e observamos que o processo de embranquecimento capilar foi bloqueado”, afirmou Cunha.
Em outro teste, essa neurotransmissão foi interrompida por uma cirurgia de retirada das fibras simpáticas. Isso também bloqueou o branqueamento capilar mesmo após a aplicação da injeção para indução da dor. “Esses e outros experimentos conduzidos demonstraram a participação da inervação simpática no processo de embranquecimento capilar e confirmaram que a dor atua, nesse modelo, como um potente estressor”, afirmou.
O cientista diz que não há uma pesquisa no sentido de criação de um medicamento que evitaria o embranquecimento do cabelo. Até porque as tinturas disponíveis hoje já resolvem a questão estética e não possuem efeitos colaterais que um medicamento pode causar. Para o pesquisador, é “bem provável” que outros sistemas do organismo sofram efeitos semelhantes ao identificado no bulbo capilar sob uma condição de estresse intenso.
“A grande questão a partir de agora é avaliar se o branqueamento imediato pelo envelhecimento também possui esse mesmo mecanismo. Esse seria um dos desdobramentos a serem estudados a partir de alterações em células-tronco causadas pelo estresse, como alterações no intestino, medula óssea etc. Isso abre uma perspectiva de analisar o impacto do estresse em outras doenças.”
(Texto: Lyanny Yrigoyen com BBC News Brasil)