Em meio ao ápice da pandemia do coronavírus no Brasil, alguns estados e municípios, de maneira precipitada e imprudente, começam a planejar o retorno às atividades escolares sem as devidas condições sanitárias, com infraestrutura precária das escolas, e, principalmente, eximindo-se da responsabilidade por novas mortes e pelo alastramento da COVID-19.
Diante desse contexto nunca registrado em países que só recentemente ingressaram em fases de aparente controle da pandemia, e mesmo assim, frequentemente, são surpreendidos com novos casos da doença – sendo que o Brasil está longe dessa realidade –, a FETEMS (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul) e a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) reiteram seu compromisso em defesa da vida e contra o retorno das aulas presenciais enquanto perdurar a pandemia e sem que haja segurança sanitária plena. Há mais de mês que o Brasil registra média diária acima de 1.000 (hum mil) óbitos relacionados ao coronavírus, sem contar o alto índice de subnotificações. E, para nós, trabalhadores/as em educação, todas as vidas são muito importantes e precisam ser preservadas!
Alguns protocolos e legislações locais, que preveem o retorno às aulas presenciais, incorrem em pelo menos duas situações insensatas. Uma, que prevê o retorno aos estabelecimentos escolares sem que todos estejam aptos a receber os estudantes e profissionais da educação nesse momento pandêmico. Ou seja: os protocolos não correspondem à realidade da maioria das escolas e desprezam o risco iminente das diferentes formas de contágio da COVID-19. Outra, que pretende eximir os gestores públicos das responsabilidades civis, criminais e administrativas em caso de mortes nas escolas. Pior: querem que as famílias se responsabilizem por suas inconsequentes ações e omissões.
Diferente da condução desastrosa e criminosa que os agentes públicos brasileiros (sobretudo o governo federal) empregaram ao combate da COVID-19 – fato que mantém o país entre os recordistas de mortes no planeta –, não permitiremos que essa triste e hedionda realidade se espalhe em nossas escolas. As redes educacionais no Brasil (pública e privada) possui 53,6 milhões de estudantes, sendo 47,9 milhões na Educação Básica e 8,4 milhões no Ensino Superior. Somos cerca de 6 milhões de trabalhadores/as em educação em todos os níveis, etapas e modalidade de ensino. Portanto, representamos quase 1/3 da população do país, que somada aos nossos familiares passa da metade dos 210 milhões de habitantes.
Frente ao cenário atual da pandemia (ainda em descontrole), das condições físicas de nossas escolas, das debilidades de nossas cidades (especialmente nos quesitos de transporte e saúde) e da situação socioeconômica precária da maioria dos estudantes brasileiros, consideramos totalmente incogitável a reabertura das escolas nesse momento. E sempre nos posicionaremos, seja através do diálogo com gestores, parlamentos nacional e locais, poder judiciário, sociedade em geral, ou deflagrando greves, se necessário, no sentido de evitar mais tragédias e mortes nas escolas.
Outra luta da FETEMS e da CNTE consiste em garantir o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM para período compatível com o término do calendário do ensino médio no país. O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 1.277/2020, adiando o ENEM nas condições mencionadas, porém o mesmo aguarda deliberação na Câmara dos Deputados.
Enquanto as escolas não podem ser reabertas, cabe aos governos das três esferas se mobilizarem para estruturá-las para o novo tempo que se avizinha. Os percalços da pandemia não cessarão no curto prazo, e precisamos nos preparar para enfrentá-los da melhor forma possível. Quem sabe essa trágica pandemia nos condicione a um legado escolar (positivo) jamais visto em nossa história! Podemos investir nas instalações e equipamentos escolares e na formação dos profissionais da educação, modernizando os espaços e as ações pedagógicas. Mas para que isso aconteça, faz-se necessário reunir esforços e não ameaçar cortar mais recursos da educação.
Recentes estudos sobre o impacto fiscal da pandemia na educação brasileira, conforme destacado no Parecer nº 11/2020 do Conselho Nacional de Educação, estimam que “para evitar o colapso financeiro das redes públicas de educação básica, serão necessários recursos adicionais da ordem de R$ 30 bilhões de reais, considerando as despesas previstas para 2020 num quadro de queda da arrecadação e restrição orçamentária, além do aumento das despesas para a adequação das escolas aos protocolos sanitários, aquisição de equipamentos, reformas nos lavatórios, materiais de higiene, ensino remoto, alimentação, compra de infraestrutura tecnológica, patrocínio de pacotes de dados de internet e adicional da folha salarial para garantir aulas de recuperação e a possível abertura das escolas nos finais de semana”. E o PL nº 3.165/2020, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas à educação básica para enfrentamento da pandemia da COVID-19, com recursos adicionais da União na ordem de R$ 31 bilhões às redes públicas de ensino, dormita na Câmara dos Deputados, enquanto o governo Bolsonaro ameaça reduzir o orçamento do MEC, em 2021, na ordem de R$ 4,2 bilhões!
Por outro lado, a opção em preservar vidas não nos exime em atender nossos estudantes dentro das possibilidades atuais, ou seja, através de atividades remotas. Mas é preciso investir na estrutura de oferta e acompanhamento dessas atividades e na formação dos profissionais. A exclusão da maioria dos estudantes das aulas remotas expõe a trágica realidade socioeducacional brasileira que precisa ser superada. Para tanto, contamos há décadas com o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), que detém R$ 31 bilhões disponíveis para financiar internet de alta velocidade e equipamentos de acesso remoto para as escolas, os estudantes e os profissionais da educação. Basta vontade e esforço de nossos políticos para atender essas necessidades!
Quando as condições sanitárias do país realmente permitirem a reabertura das escolas, não poderemos prescindir dos esforços coletivos para adotar as melhores medidas práticas e de conscientização para a convivência segura com o vírus, que perdurará até que atinjamos a imunidade coletiva ou que sejam produzidas e distribuídas vacinas eficazes para 100% da população. O compromisso dos gestores em elaborar em parceria com a sociedade os protocolos sanitários e em cumpri-los efetivamente será uma questão decisiva. E as escolas e redes de ensino que não cumprirem à risca os protocolos terão que responder por suas omissões ou ações indevidas. A população não pode pagar o preço de eventuais irresponsabilidades que poderão ceifar vidas de crianças, jovens e trabalhadores em educação.
Além dos documentos produzidos pela CNTE sobre o Calendário Escolar e a Aplicação de Aulas Não Presenciais na Educação Básica e sobre as Diretrizes para a Educação Escolar Durante e Pós-pandemia – e de outros elaborados por órgãos e entidades governamentais –, destacamos os seguintes subsídios voltados aos gestores e às comunidades escolares para construírem os protocolos sanitários e para reestruturarem os currículos e os calendários letivos com vistas a assegurar o direito dos estudantes (durante e após a pandemia) aos conteúdos previstos para esse ano de 2020 e para os próximos. Os documentos também servem de referência para compor as diretrizes da CNTE de retorno às aulas.
• Sobre os protocolos sanitários:
– Manual sobre biossegurança para reabertura de escolas no contexto da COVID-19 (Fiocruz).
– Nota técnica sobre medidas de isolamento social (Fiocruz).
– Protocolo de biossegurança (MEC).
– Site da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde.
– PL nº 2.949/2020 (em pauta de votação no plenário da Câmara dos Deputados).
• Sobre a reorganização curricular e os calendários escolares:
– Pareceres nº 5/2020 e nº 11/2020, do Conselho Nacional de Educação.
– Medida Provisória 934 (aguardando sanção presidencial até 18.08.2020)
Em defesa da vida e da educação de qualidade para todos/as!