Quando se fala na lista de profissões mais perigosas que existem, as respostas mais comuns são policial, pedreiro, metalúrgico e por aí vai. Mas existe uma carreira pouco lembrada e que supera todas elas: a de coletor de lixo. Na verdade, poucas atividades são mais arriscadas. Apenas duas, pescador e trabalhador agrícola, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho.
Na página oficial do órgão, ligado à Organização das Nações Unidas, os riscos comuns aos ‘lixeiros’, como são popularmente chamados, ocupam um parágrafo inteiro: contato com vidros quebrados, resíduos hospitalares como seringas, produtos químicos cáusticos, queda de objetos de contêineres de lixo superlotados, doenças que podem acompanhar resíduos sólidos, asbesto, ataques de cães, poeira, fumaça, clima adverso, acidentes de trânsito e odores nauseantes. Muitos problemas, causados em sua maioria, por um motivo aparentemente simples de ser resolvido: o descarte irregular do lixo.
Segundo dados da Solurb, empresa responsável pela recolha de lixo em Campo Grande, acidentes de trabalho ocorridos com coletores durante a recolha dos resíduos responderam por 23% do número total das ocorrências do tipo no ano passado. Na média, a cada quatro dias um coletor se feriu ao recolher resíduos durante 2019. Foram 88 casos registrados pela Solurb, que classifica o número como alto. Pudera, um a cada 12 coletores se feriu no ano que se passou nas ruas da Capital. “O foco da Solurb, além de orientar, é trazer o munícipe para a realidade dos coletores e evidenciar que este descaso no acondicionamento de lixo não pode continuar. Por isto, buscamos a conscientização da sociedade”, disse o técnico em segurança do trabalho, Readir de Andrade, responsável pelo setor na empresa de saneamento.
Com duas campanhas publicitárias buscando alertar a população, pedindo maior cuidado no descarte, principalmente de agulhas, seringas e, claro, cacos de vidro. Deu um certo resultado: na comparação com os 111 casos de acidentes registrados em 2018, a redução foi de 25%, mas a Solurb quer mais. “Todo dia é uma aventura. Eu mesmo já me cortei três vezes em quatro anos trabalhando”, disse o coletor José Souza, de 52 anos. Entre cortes e tombos, ele comemora nunca ter tido problemas com as temíveis agulhas, o objeto que mais aterroriza os ‘coletores. “Só de pensar, eu me assusto”.
Há três anos na função, um dos coletores de 28 anos, que preferiu não se identificar, não teve a mesma sorte. Ele foi ferido por três semanas seguidas na mesma casa durante o trabalho. Nas últimas vezes, o local atingido inchou, ficou avermelhado e chamou a atenção da mulher. “Para mim, era aquilo, só ócios do ofício, como diz o ditado. Mas ela entrou em desespero, com medo de doença, sabe. Aí caiu a ficha”, contou o coletor à reportagem. Com a cabeça cheia, não restou dúvidas, decidiu bater palmas na casa e descobriu que as seringas eram de uma idosa que precisa do uso de insulina. Foi sorte, admite. “Não adianta ficar bravo, muita gente nem sabe o que a gente passa. Precisa avisar o pessoal”, disse.
“Muita gente não entende o risco pelo qual os coletores passam. São tratados como sub-emprego, não têm a devida importância”, alertou a engenheira de segurança do trabalho Maria Aparecida Rodrigues Estrela. Criadora em 2001 do Abril Verde, campanha realizada em âmbito nacional no mês mencionado, Maria destaca que apesar das quedas nos índices registrados de acidentes sofridos por coletores, o trabalho é árduo. “A adoção da coleta seletiva motivou a queda, ela foi a responsável, não apenas trabalhos e campanha das empresas de saneamento. Notamos que por parte da população há conscientização, mas não há a prática”, disse.
Ela destacou ainda que a conscientização da população ajuda tanto os coletores por evitar acidentes, quanto os próprios moradores. “As campanhas nasceram após constatarmos um alto índice de acidentes com os nossos colaboradores, por isso, a necessidade de orientar a população da importância de acondicionar e embalar os resíduos de forma correta, evitando colocar a integridade de nossos colaboradores em risco, além de propagar informações úteis para o dia a dia da população, para evitar acidentes dentro de casa ou no ambiente de trabalho, por exemplo”, completou Andrade.
(Texto: Rafael Ribeiro)