DOR: Padrão de Beleza nas redes sociais é ilusão que machuca

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O excesso de exposição nas redes sociais causa uma cobrança pessoal e uma vulnerabilidade tão grandes que acaba gerando sofrimentos sociais. Além disso, o impacto psicológico e físico  gera dependência e consequências culminando em um processo terapêutico constante. É o que afirmam as psicólogas Júlia Arruda F, Palmiere e Victória Teles Nakazato. para elas, o Padrão de beleza nas redes sociais é ilusão que machuca.

Usando redes sociais desde os 11 anos, uma outra psicóloga representa aqui as pessoas que sofrem com a dependência de influencers e do padrão de beleza vendido nas redes sociais. Tentamos conversar com muita gente, algumas conhecidas, outras não e ninguém se sentiu à vontade para falar do assunto. Mesmo nossa personagem preferiu o anonimato. Fato é que hoje ela é formada em psicologia e passou dez anos buscando algo inexistente. 

Com 21 anos, ela garante que cresceu vendo uma espécie de naturalização da midiatização da vida pessoal. “Começa com uma selfie com algo que a gente gosta e quando vemos estamos sendo persuadidos a mostrar nossa vida de forma constante e detalhada. Não digo que é necessariamente ruim, é simplesmente uma forma que aprendemos e experimentamos a realidade. óbvio que tem consequências como expor a vida paraassediadores e pessoas com más intenções e você acaba expondo a si mesma de maneira muito vulnerável para este mundo de idealização”, reflete.

Ela conta que quando eu era muito mais nova seguia pessoas pelo conteúdo que elas postavam, que tinha um padrão muito específico. O padrão financeiro e estético era distante da realidade. “Lembro que por muito tempo fui entendendo que boa parte da insatisfação que tinha da minha imagem, do meu corpo e como eu achava que minhas relações deveriam ser estava muito pautada neste ideal super idealizado destes influencers. Tive períodos muitos difíceis que tive que lidar com distúrbios alimentares. No processo psicoterapêutico aprendi a lidar melhor com isso, administrar melhor como e o que estava sentindo”, explica. 

Sua lembrança mais forte é de uma modelo. “Ela era super magra como todos os atributos que uma grande  modelo tem que ter e postava sobre autoaceitação, positividade e toda a estética da existência. Mas ao mesmo tempo, constantemente havia uma exposição e propaganda deste corpo ideal. Ela também tinha o namorado dela, era um casal idealizado. Percebi que era um conteúdo positivo e legal, mas no fim das contas era voltado para mercantilizar coisas, alimentos, instrumentos e ferramentas que vão possibilitar o sucesso que eles aparentemente ostentam. Parei de seguir esta modelo e um monte de gente com este perfil. Simultaneamente encontrei perfis que compartilhavam de maneira crítica sobre autoaceitação e não se utilizavam dos corpos para  vender ideais inalcançáveis”, avaliou.

Análise social

A psicóloga Victória Nakazato, tem estudos e atuação voltados para as mulheres e relacionamentos, especificamente a autoestima feminina. “Esta nova era digital, esta internetosfera não traz novidade com toda esta pressão, toda esta necessidade de aprovação, mas é impossível negar que a internet potencializou tudo isso. Esta necessidade de aprovação, de reconhecimento e de ser valorizada na internet, este mundo meio terra de ninguém, é um vale-tudo sem contar as distorções que acontecem com filtros e photoshop”, aponta.

Como psicóloga clínica, Victória atende mulheres de 18 anos a 45 anos. “O discurso, a dor são parecidos mesmo com contexto diferente na busca por uma padrão de beleza que não existe, que só gera sofrimento. A procura por uma pele, um cabelo, um corpo, tudo isso é uma ilusão para trazer felicidade e amor-próprio. Procedimentos estéticos que, às vezes, nem sabemos que são feitos são ações contínuas que também fracassam no objetivo final”, analisa. 

Esta pressão social pela beleza é antiga e já bastante debatida no senso comum, na academia, nos meios de comunicação. “Mas é uma pressão perversa, que favorece o mercado neoliberal e oferece suporte para a produção de pessoas assujeitadas nesses critérios. É uma pressão que vem do coletivo e das relações sociais e que produz sentimentos, sensações e comportamentos a nível individual. Não acredito que haja uma única fonte específica para tamanha insatisfação com nossos corpos, com essa crise estética-existencial que presenciamos”, destaca nossa personagem anônima. 

Ela não acredita que apenas o autoconhecimento seja a chave e/ou o caminho para uma libertação dessas amarras. Mas esse ato de olhar pra si mesmo, entender alguns componentes que nos atravessam e nos fazem ser quem nós somos, pode ajudar bastante. A psicóloga Júlia Arruda F. Palmiere tem mestrado em psicologia com ênfase em saúde e é integrante do Coletivo Nós Terapia. Para ela, apesar da resistência aos padrões estéticos por meio de críticas e movimentos sociais, parece que ainda ficamos reféns dos padrões de sociabilidade de cada bolha. “Ou seja, de cada grupo social e daquilo que é reconhecido e valorizado por determinado coletivo porque as redes sociais são um espaço de publicização de si, em que o sujeito pode construir a identidade que desejar através da montagem performática de seu perfil nas mídias digitais”, pontua. 

reconhecimento social

Júlia destaca a existência de uma dinâmica que produz individualismo e subjetividades altamente preocupadas com sua performance e reconhecimento social. “A “imagem de si’ construída é reconhecida e validada pelos demais usuários das redes conforme se alinha a alguns parâmetros de sociabilidade instituídas, tais como felicidade permanente, rostos alinhados à estética jovial e beleza com padrão eurocêntrico e relação com bens de consumo”, avalia.

A busca, conforme Júlia, é por esse padrão para receber aceitação, afeto e reconhecimento social. “Mas diante do impossível do padrão de beleza, estética e felicidade colocado nas mídias, produzem-se frustrações.Há uma distância da “imagem de si” e de quem somos na vida offline. Essa diferença entre o ‘eu ideal’ e o ‘eu real’ produz frustrações e sofrimento psíquico”, destaca. Assim, a comparação é um forte motor dessa dinâmica adoecedora. A gestão das mídias sociais (como Instagram e Facebook) produz comparações e competições. Nessas redes existe uma dinâmica de sociabilidade específica, onde os mecanismos de interação virtual como curtidas, visualizações e comentários compõem um lugar virtual propenso para medir quem é no ambiente com o que outra pessoa representa. Assim, mesmo velada, a competição faz parte das interações nas redes. 

Na contramão da produção de diferenças, nossos rostos se codificam, cristalizam e estratificam na forma alegria-beleza-brancura. “Essa performance registrada fica no acervo memorial dos feeds e arquivos de story com as falsas memórias-alegres. Os filtros do Instagram fazem parte dessa maquinaria de produção de corpos e rostos padrão. A estética dos filtros produz uma face esticada, jovial e em sua maior parte, branqueada”, aponta Júlia que reforça a impossibilidade de desconsiderar que há um forte atravessamento de classe na produção de “imagens de si” e performances adequadas nas redes sociais.

adequação social

“Os nossos parâmetros estéticos estão alinhados com o consumo de itens de beleza, procedimentos estéticos, bens materiais. O ‘eu’ ideal está longe do ‘eu’ real. Nas mídias sociais, a idealização da vida é incessantemente produzida. Ela se expressa pelos filtros do instagram, pela vida de blogueiras e digitais influencers que acompanhamos e pela comparação constante com a vida dos outros”, explica a psicóloga Júlia.

Mas aquilo que todos nós compartilhamos nas redes passa por uma seleção e um detalhado exame anterior.  “Assim, nos comparamos com imagens editadas e com performances não reais. Até mesmo aqueles que recebem reconhecimento nas mídias sociais, podem se sentir frustrados, pois são validados e reconhecidos por imagens e performances editadas, configuradas. Por isso, a filósofa Donna Haraway discute sobre a relação humano/máquina. Para ela, com as modificações tecnológicas e biotecnológicas no nosso corpo, cada vez mais as fronteiras entre humano e máquina (tecnologia) se dissolvem. Isso ajuda a pensar em como os procedimentos estéticos, harmonizações faciais e uso de edição de imagem faz parte de nosso cotidiano”, analisa Júlia.

Tudo isso pode ser um caminho sem volta. Se isso for verdade, precisamos nos preparar. “Devemos criar estratégias para conviver com esses recursos de forma mais harmônica e equilibrada. Afinal, sabemos que o acesso a esses recursos valorizados em nossa cultura não são para qualquer um. Há um atravessamento de classe e raça no acesso às tecnologias e na adequação aos parâmetros estéticos impostos”, frisa. 

Com isso, a busca por padrões de comportamento e cultura pela mídia acompanhando o interesse por parte dos grupos dominantes para padronizar corpos e performances se chocam com a facilidade de domínio. “As diferenças são desvalorizadas e aqueles que escapam do padrão, tem a saúde psíquica afetada em maior intensidade diante das comparações induzidas pelas mídias sociais”, conclui a psicóloga.

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