Benzederia, parteira e rezadeira de Rochedo, dona ‘Cotinha’, fala de dom que recebeu para fazer caridade

Foto: Willian Leite
Foto: Willian Leite

Entre uma pauta e outra no interior de Mato Grosso do Sul, encontramos dona ‘Cotinha’, Maria Expedita da Silva, 74 anos, uma das poucas benzedeiras e rezadeiras, que ainda vivem na cidade de Rochedo a 82 quilômetros de Campo Grande.

Ao chegar na Chácara Santa Rita, na rua do cemitério do município, de longe enxergamos uma senhora de cabelos cacheados, mexendo em algumas plantas e com semblante um pouco fechado. Batemos palmas e chamamos pelo nome. “Dona Maria, tudo bem?”. Meio desconfiada, ela vem até o portão e nos recebe. “Entrem, cheguem para cá”, convidou.

Em uma casa de alvenaria, num terreno enorme e cheio de animais e plantas, começamos um bate-papo, sentados na cozinha da casa, que também é uma espécie de sala de estar. O local com características peculiares de casa do interior, tem na entrada um sofá com um pedaço de plástico em cima, que segundo a dona ‘cota’, é por conta dos gatos que deitam por ali. “sente-se meu filho fiquem a vontade. Só deixo esse plástico por conta dos bichos que deitam por ai quando estou dormido”, explicou.

Foto: Willian Leite

Como já sabíamos que ela é um personagem emblemático na história do município, com pouco mais de cinco mil habitantes, fomos direto ao assunto. Com muita atenção e paciência ela começa a contar, sentada numa cadeira de balanço, como recebeu o dom de rezar e benzer pessoas que estejam precisando de ajuda espiritual por meio da caridade.

“Nasci no Nordeste, me criei na cidade Salgueiro no sertão pernambucano. Saí de lá com 19 anos e vim para essa terra que me tomou como filha e aqui sempre fiz e continuo atendendo as pessoas que me procuram para benzer de crianças a adultos.”, relatou a rezadeira.

Além disso, ela diz que veio para as terras sul-mato-grossenses, para realizar um sonho que teve aos 16 anos. “Vim mesmo para realizar um sonho que tive aos 16 anos. Nele eu descobri que no final da vida, iria morar entre a cruz e a espada, entre às águas e as almas. Aqui em frente da minha casa fica o cemitério e as águas eram do rio Aquidauana que passa na parte de baixo aqui do meu terreno”, lembrou.

Foto: Willian Leite

Aos 19 anos Maria Expedita se casou e o marido, segundo dona ‘Cota’, trabalhava fazendo meio fio as margens de rodovias. “Estávamos na Bahia e tínhamos um rádio voz de ouro. Naquele dia ouvi um anúncio, dizendo que os fazendeiros, pediam para avisar os responsáveis nas fazendas de que era para ajuntar todo o gado que ele iria descer para o Pantanal. O nome do Lugar era Campo Grande. Isso Estávamos na Bahia e meu marido trabalhava fazendo meio fio na beira das estradas”, explicou.

Naquele dia ela disse ao esposo sobre o aviso e ele respondeu dizendo que a empresa que trabalhava seria transferida para a Capital do estado e eles viriam morar aqui, por conta do trabalho. “Ele me disse que a equipe dele iria descer para esta cidade. Vamos para esse lugar, Campo Grande. A firma vai ser transferida para lá. Chegamos com dez carros. A minha família como era pequena, coube no carro pipa. Os outros 30 vieram em pau de arara”, disse.

Aos 4 anos, Expedita descobre o dom de benzer e rezar pelos necessitados

“Eu estava em casa com minha mãe em Salgueiro e lá na beira da estrada, tínhamos uma venda. Um certo dia chegou um motorista em um caminhão, cegonha (aqueles que carregam outros carros), chegou junto a ele uma mãe com uma criança no colo que estava chorando muito. Fui até o chiqueiro e chamei por minha mãe, dizendo ter uma criança doente lá fora. Minha mãe me pediu para colocar eles para dentro e foi o que fiz. O marido dela, o caminhoneiro, ficou na varanda” lembrou.

Foto: Willian Leite

Segundo dona Expedita esse foi o momento em que ela e a mãe, perceberam que se tratava de um ‘Dom Divino’. “Tudo isso aconteceu na parte da manhã. Eu falei mainha, vai ali naquele pé de rosinha menininha, colher algumas e faz chá para o neném que ele está doente. A mãe da criança fechou a cara, mas, mesmo assim, aceitou. Ela disse que a criança estava há dois dias chorando e sem se alimentar. Minha mãe fez o chá e disse que em menos de uma hora a criança adormeceu e quando acordou já procurou os seios da mãe para ser amamentada. A partir daí comecei a benzer”, explicou.

A benzedeira relembra outra passagem que teve aos 14 anos na mesma cidade em Salgueiro no Pernambuco. “Aos 14 anos outra vez minha mãe estava novamente junto comigo e me pediu para ir à beira da serra, apanhar lenha, pois ela iria fazer pão polvilho. Eu disse, já esta tarde ‘mainha’ e temos que trazer as cabras e como vamos vir com os gravetos nas mãos. Ela disse, não filha! Dá para vocês virem sim, vocês vão e vem de vagar e conseguem e quando foi por volta das 16h fomos fazer o que ela tinha pedido. Assim que o sol estava entrando eu e minhas primas sentamos cada uma em fecho de lenha para descansar. Sentada eu fiquei e respirei fundo e quando olhei vi uma imagem de uma senhora muita linda de vel. Quando cheguei em casa disse a ‘mainha’ e ela me perguntou. E você não sabe qual santo é? Fui ao oratório onde meu avô estava rezando e eu disse a minha mãe é essa aqui com menino no colo. E era Nossa Senhora de Fátima”.

44 anos benzendo e rezando em Rochedo

Há quase 50 anos, dona Maria expedita, mais conhecida como ‘Cotinha’, veio para Rochedo e formou família e atende de crianças a idosos que a procuram por vários tipos de problemas ou doenças. Ela diz que na cidade, se lembra de ter realizado quatro partos, além de ajudar a melhorar a vida de pessoas de todas as partes de Mato Grosso do Sul.

“Hoje eu estou aqui fazendo a caridade até a hora que Deus quiser. Vai fazer 44 anos que atendo as pessoas aqui dentro da minha casa. Desses 44 anos, tenho neto e filhos de criação que passaram pelas minhas mãos. Tem muitos deles que voltam com 20, 30 anos para agradecer e me pedir a benção. Aqui em Rochedo todos me conhecem. Hoje de manhã mesmo vieram duas pessoas de Campo Grande, mas eu só atendo na sexta-feira a tarde das 15h às 16h ou as vezes até às 17h30, ou 18h. Vem gente de todo canto do estado. “, afirmou.

Foto: Willian Leite

Herança de mãe para filho

Sobre o dom e a passagem para familiares, Expedita diz que dois de seus quatro filhos tinham dom de rezadores, mas um deles não aceitava, já o outro, faz suas orações e ela afirma que ele se desenvolveu sozinho” relatou.

Sobre outro dom, Maria diz que sempre ajudou a mãe a dar vida a bebês no sertão do nordeste e também deu continuidade ao trabalho aqui no estado.

“Sou parteira e aqui em Rochedo já fiz quatro partos. O primeiro parto que fiz, foi de um casal de gêmeos. Vieram me chamar e chegando no local já vi sair o primeiro bebê e eu disse para a mãe, a companheira- placenta-, não saiu. A mulher me chamou e disse estar com muita dor de barriga e cólica. Passou uma hora e meia, fiz um banho de acento bem esperto para ela. Ai ela me disse que sentiu uma dor e eu olhei e via criança descendo, fruto de aborto espontâneo”, disse Maria Expedita.

Sonho de Maria expedita é deixar oratório construído para quem precisar rezar. “Antes de fazer a passagem para o mundo espiritual, quero deixar pronto aqui dentro do meu quintal uma capela, como se fosse um oratório. Pois, todos os benzedeiros daqui já faleceram e não deixaram nenhuma capela. Eu quero deixar e esse é meu sonho, assim, como sou cidadã rochedense, fui reconhecida quero deixar essa lembrança. Muita gente que passar aqui pela minha chácara vai se lembrar e comentar -aqui morava a dona Expedita, benzedeira, rezadeira e feitora da caridade. Ela deixou a imagem para as pessoas rezarem”, informou.

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