Lamentamos profundamente o caso da modelo Mariana Ferrer, especialmente pela falta de tato, empatia e humanidade dos envolvidos na cena divulgada. Sabemos que esse não é o primeiro caso, muitas pessoas já sofreram humilhações até piores. O estupro é uma invasão que deixa rastros para o resto da vida pois o trauma é internalizado em seu corpo, o desafio de cicatrização é um longo caminho.
Todo processo pós denúncia envolve uma série de vivencias bem constrangedoras. O caso traz à tona uma realidade lamentável: o despreparo das autoridades para lidar com esse tema. A Juiza Denize Dódero, de Campo Grande, MS, comentou: “Temos de romper tantos silêncios e culpas seculares. Imagino como é importante para uma vítima confiar em um sistema de leis e de Justiça!! Que ela possa saber de antemão que, independente do resultado de seu processo, que seus direitos mais sagrados de humanidade e dignidade serão garantidos e preservados. Precisamos expor nossas mazelas e começar os mais necessários debates se quisermos aperfeiçoar nossa prestação jurisdicional com igualdade efetiva. Admitirmos que temos uma cultura a ser vencida e que o conhecimento é necessário para trazer luz em tantos paradigmas. Violência de gênero processual é inadmissível e nosso silêncio uma omissão perturbadora.”
Infelizmente, em nossa sociedade ainda impera a cultura do estupro, onde se justifica o estupro, e essa cultura trata a mulher como um objeto de satisfação e o homem como um ser irracional que não tem controle sobre seus impulsos. A “pureza” sexual feminina é mitificada, enquanto o apetite sexual masculino é estimulado. Quero trazer essa reflexão: O homem realmente é um ser irracional? Imagine que alguém entra em sua casa, defecasse em sua sala e saísse sem dar explicações, e ainda te culpar porque a casa estava aberta?
Não existe justificativa para tal ato! Essa cultura na maioria dos casos gera a síndrome do silencio, onde a vítima se cala na intenção de não sofrer mais do que já sofreu. Além de tudo isso, a principal característica das vítimas de abuso é a culpa, demandando grande parte do processo terapêutico, como se a vítima fosse culpada e carregue esse sentimento por muito tempo para não vivenciar o trauma novamente, já que se trata de uma perversidade terrível.
Muitos que não entendem do assunto podem ter pensado, onde o advogado envolvido no caso poderia ter feito diferente. Alguns detalhes são importantes serem considerados, quando se tratar de uma entrevista ou conversa com alguém que sofreu estupro, deixando claro que não deve se expor levianamente, sempre levar em conta o aspecto de não revitimização. A escuta de uma vítima de violência sexual envolve a atenção no silêncio e inclusive, o respeitar como resposta. Entender os sinais ocultos e dar liberdade aos diálogos permitindo que ela abra aquilo que se sente a vontade para falar, detalhes nem sempre são relevantes. Ouvir é muito diferente de especular. Respeite a identidade dos vitimados, por mais que eles próprios não se incomodem jamais incentive a se expor desnecessariamente, porque os desdobramentos e o preconceito da sociedade podem trazer mais sofrimento do que se imaginava.
Podemos concluir com toda a repercussão do caso, a necessidade urgente de investimento na qualificação dos advogados, juristas, autoridades, imprensa e demais profissionais envolvidos na apuração de um caso de violência sexual, especialmente quando se tratar de crianças e adolescentes. Seria uma maneira palpável para assegurar e fortalecer, no âmbito do debate público, a devida prioridade em relação aos direitos humanos.
(Texto: Viviane Vaz – Psicanalista e Coordenadora do Projeto Nova)
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