“Vai virar uma bagunça”, instrutores criticam nova proposta que permite aulas práticas sem vínculo com autoescolas

Foto: divulgação
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Profissionais pretendem continuar na área de forma autônoma caso a lei seja aprovada

O Governo Federal divulgou nesta semana as regras para a atuação de instrutores autônomos, que poderão oferecer aulas práticas de direção sem vínculo obrigatório com as autoescolas. A proposta faz parte das mudanças apresentadas pelo Ministério dos Transportes e pela Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito). O projeto segue em consulta pública até o dia 2 de novembro.

Entre as exigências, o instrutor deve ter pelo menos 21 anos, CNH há mais de dois anos, ensino médio completo, formação pedagógica e certificação de curso específico realizado por órgão de trânsito. Os veículos utilizados também precisam seguir critérios de idade e segurança, as motos precisam ter até 8 anos de fabricação, carros de até 12 anos e veículos de carga de até 20 anos.

Além disso, durante as aulas práticas, o instrutor deverá portar documentos como CNH, credencial, licença de aprendizagem e CRLV do veículo. O Ministério dos Transportes informou ainda que os órgãos de trânsito poderão fiscalizar as atividades a qualquer momento.

Taxas do Detran anulam a economia

A proposta do Ministério dos Transportes de eliminar as aulas obrigatórias para a obtenção da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) veio acompanhada da promessa de uma drástica redução de 80% no custo final. A expectativa criada é que, em estados como Mato Grosso do Sul, onde o processo custa em média R$ 2.500,00, a habilitação passaria a sair por R$ 500,00. Contudo, a conta não fecha para o setor: o SindCFCMS (Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Estado do Mato Grosso do Sul) rebate a estimativa do Ministro Renan Filho, alertando que apenas as taxas de serviço obrigatórias cobradas pelo Dentran-MS – que chegam a R$ 1.000,00 e são totalmente independentes das autoescolas -, já anulam qualquer chance de o valor da CNH atingir o patamar prometido.

O presidente do SindCFCMS, Henrique José Fernandes, rebate a promessa do ministro Renan Filho de baratear a CNH em 80%, destacando um ponto crucial muitas vezes ignorado: as taxas de serviço obrigatórias cobradas pelos Detrans estaduais, além das regulamentações exigidas pelo próprio governo que geram despesas para as autoescolas.

“O ministro desconsidera as taxas dos Departamentos de Trânsito, que, em Mato Grosso do Sul, podem chegar a R$ 1.000,00 e são totalmente independentes das autoescolas,” explica. A média da primeira habilitação em MS é de cerca de R$ 2.500,00, sendo que as taxas do Detran – que incluem validação de cadastro, exames médicos e psicológicos, provas e emissão da CNH -, compõem R$1.000 desse valor.

Henrique assegura que o setor é favorável à modernização do processo e à revisão dos valores da CNH, mas exige diálogo para garantir que a qualidade da formação não seja comprometida. O sindicato reitera a necessidade das aulas teóricas e práticas, pois a CNH é um documento que habilita uma pessoa a conduzir um veículo de forma segura.

“A eliminação da carga horária mínima pode resultar em motoristas com menos experiência e conhecimento teórico-prático, elevando o risco de acidentes. Não podemos pensar somente no valor da CNH, sem levar em consideração o valor da vida e da segurança.”

Segurança no Trânsito

Segundo a entidade o Brasil tem um dos trânsitos mais perigosos do mundo. Em 2024, foi registrado um trágico saldo de 26.138 mil mortes no trânsito. É nesse cenário que a proposta do Ministério dos Transportes de eliminar a obrigatoriedade das aulas na formação de futuros motoristas também provoca uma preocupação no SindCFCMS. Por isso, alerta para um potencial aumento no número de acidentes e também para a consequente sobrecarga no sistema de saúde pública.

“Quando falamos em trânsito, estamos falando em vidas. Ao propor essa total flexibilização no processo de CNH, o Ministério desconsidera os riscos de um trânsito que já é violento”, afirma Henrique José Fernandes, presidente do sindicato. “Um veículo, em mãos despreparadas, pode virar uma arma. As regras atuais, com um número mínimo de aulas, existem para proteger a vida.”

Consulta Pública

O SindCFCMS lembra que, por enquanto, o texto em debate é apenas uma minuta de projeto do Ministério dos Transportes, que abriu uma consulta pública sobre o tema. O texto seguirá para análise do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que detém a competência legal para alterar essas regras.

“Não sabemos quanto tempo vai durar esse processo. Portanto, o procedimento para tirar a CNH continua nas autoescolas,” esclarece o presidente.

Instrutores criticam a medida

A proposta surge como uma forma de reduzir o custo da CNH (Carteira Nacional de Habilitação). No entanto, gerou reação negativa entre instrutores e empresários do setor, que avaliam que o governo deveria buscar outras alternativas para baratear a CNH, como a redução das taxas do Detran e da carga horária obrigatória.

Para o empresário e instrutor Antônio Ramos Ferreira, proprietário da Autoescola Toninho, há quase 50 anos no mercado, a medida pode desestruturar a categoria.

“Eu concordo até certo ponto. O governo poderia resolver isso de forma simples, como diminuir as guias do Detran e reduzir a quantidade de aulas obrigatórias. Cinco, dez aulas, mas hoje [com 20 aulas obrigatórias] o custo é inviável para o aluno. O problema é que eles não explicam direito como essas aulas práticas vão funcionar, se vai precisar ter comando duplo, curso, carro adaptado, isso custa caro. Eu já estou pronto para a lei, mas não é justo cobrar de um e facilitar para o outro”, disse.

Ferreira também criticou a diferença de custos entre autônomos e autoescolas. “Pago R$400 de alvará para a prefeitura e mais de R$1 mil para o Detran, fora vistoria de R$220 todo ano. Já o instrutor autônomo não vai pagar nada disso. Não é justo”.

A esposa dele, Eliza Maria Dias Ferreira, também diretora da autoescola, pontua que os guias do Detran são os verdadeiros vilões e eles que encarecem os valores dos serviços ofertados pela autoescola.

“O grande problema não está nas autoescolas, está nas guias cobradas pelo Detran. Aqui em Mato Grosso do Sul, o valor é um dos mais altos do país. Só as taxas iniciais para o aluno começar o processo já passam de oitocentos reais. Isso é o que encarece de verdade. A autoescola fica com a fama de cara, mas boa parte do valor que o aluno paga vai direto para o Estado, não para a gente. Então, antes de liberar o instrutor autônomo, o governo deveria rever esses valores abusivos”.

A dona Elisa reforçou também que a categoria teme pela sobrevivência das empresas e dos empregos. “A gente está há quase 50 anos nisso. Imagina as escolas que têm 20, 30 funcionários e pagam aluguel? Muita gente pode ter que fechar as portas”, disse.

Outra instrutora e empresária, Lívia Carla dos Santos que atua no setor desde 2009, reconhece que a flexibilização da carga horária obrigatória pode ser positiva, mas alerta para o risco de banalizar a formação de novos condutores.

“Tem pontos positivos, sim, como deixar a carga horária mais flexível. Mas liberar qualquer pessoa para ensinar é perigoso. A gente lida com vidas. O pai, o tio, o namorado, nem sempre têm paciência ou preparo. Trânsito não é brincadeira. O aluno pode até dirigir, mas se não souber as regras, não vai passar na prova e pode causar acidentes depois”.

Segundo ela, o papel das autoescolas vai além de ensinar manobras. “A autoescola não é uma máfia. A gente ensina com paciência, com segurança. Muitos alunos chegam traumatizados de experiências anteriores. Nosso trabalho é dar confiança e tranquilidade para que eles aprendam do jeito certo”.

Lívia afirma que pretende continuar na profissão, caso a nova regra seja aprovada, mas teme perda de espaço no mercado. “Eu pretendo continuar, mas se virar algo inviável economicamente, vou buscar outro caminho. É minha profissão há muitos anos, mas preciso sobreviver”.

Aluna de Lívia, a dona Roseli Frazão, de 60 anos, que tenta concluir o processo de habilitação, afirma que a presença do instrutor e da estrutura da autoescola são fundamentais para quem tem medo ou insegurança no trânsito.

“Eu tinha muito medo de dirigir. Dentro do carro da autoescola, eu me sinto segura. Eles têm estrutura, paciência, sabem lidar com quem tem trauma. Se for para mudar alguma coisa, que seja o rigor da prova, porque é muito difícil. Não tirar a autoescola”, defende.

Enquanto o governo argumenta que a medida poderá ampliar o acesso à CNH. Os instrutores pedem mais diálogo e regras claras antes da aprovação final. Para eles, a mudança pode representar um risco à segurança no trânsito e colocar milhares de empregos em risco. “Se todo mundo quiser ensinar, vai virar uma bagunça. O trânsito já é caótico do jeito que está”, resume Antônio Ferreira.

Confira algumas das exigências previstas para os instrutores

*O instrutor precisa ter, no mínimo, 21 anos de idade e habilitação legal para condução de veículo há pelo menos dois anos;
*O instrutor não pode ter cometido nenhuma infração de trânsito de natureza gravíssima nos últimos 60 dias, nem ter sofrido penalidade de cassação da CNH;
*O instrutor precisa ter concluído o ensino médio;
*O instrutor deve ter formação específica em habilidades pedagógicas, com foco em legislação de trânsito e direção segura.
*O instrutor também precisa possuir certificado de curso específico realizado pelo órgão executivo de trânsito;
*O carro usado nas aulas deve estar identificado como veículo de instrução e atender às exigências de segurança estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB);
*As motos utilizadas nas aulas devem ter, no máximo, 8 anos de fabricação;
*Os carros usados nas aulas devem ter até 12 anos de fabricação;
*Os veículos de carga utilizados nas aulas devem ter até 20 anos de fabricação;
*O nome do instrutor deve constar em registros oficiais do Detran estadual e do Ministério dos Transportes — o aluno pode conferir o nome do instrutor e os horários e locais para realização das aulas nos respectivos sites;
*Cabe ao instrutor registrar e validar a presença e participação do aluno em cada aula;
*Mesmo vinculado a uma autoescola, o instrutor pode oferecer aulas de forma independente.
*Durante as aulas práticas de direção, o instrutor deve portar os seguintes documentos:CNH; Credencial de Instrutor ou crachá fornecido pelo órgão competente; Licença de *Aprendizagem Veicular e Certificado de Registro e Licenciamiento de Veículo.

Por Inez Nazira

 

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