A jornalista e o agressor se casariam hoje em meio a um relacionamento de quatro meses marcado por conflitos
A Vanessa Ricarte, de 42 anos, foi esfaqueada pelo ex-companheiro, Caio Nascimento, dentro de sua própria casa, na tarde da última quarta-feira (12), em Campo Grande. Ela foi levada ao hospital em estado grave, passou por cirurgia, mas não resistiu aos ferimentos. O crime ocorreu quatro dias antes de seu aniversário, a jornalista completaria 43 anos no domingo (16).
O que chamou a atenção foi que a tragédia aconteceu poucas horas depois de ela ter procurado a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) para denunciar ameaças e solicitar uma medida protetiva contra o agressor. Contudo, apesar de a Justiça ter concedido a ordem de afastamento, ele ainda não havia sido intimado.
Vanessa era uma profissional respeitada no jornalismo e, atualmente, trabalhava no MPT (Ministério Público do Trabalho). Antes, teve passagens por veículos de comunicação importantes e atuou como assessora de órgãos públicos. Conhecida por sua competência e dedicação, era admirada por colegas e amigos.
O casal estava juntos havia quatro meses, mas as brigas começaram recentemente, não chegando a completar um mês. Segundo amigos e familiares, a jornalista não sabia que o ex-companheiro tinha um extenso histórico de violência doméstica, incluindo agressões contra a mãe, a irmã e outras ex-namoradas. Além disso, ele era usuário de drogas e justificava o vício com a morte da mãe, que cometeu suicídio no ano passado.
De acordo com uma testemunha e amigo da jornalista, Vanessa e Caio planejavam se casar nesta sexta-feira (14), apenas dois dias após o crime. O relacionamento, no entanto, estava passando por momentos de tensão e discussões frequentes.
“Pessoa incrível, vaidosa e competente”
Na madrugada anterior ao feminicídio, Vanessa esteve na DEAM para registrar um boletim de ocorrência contra Caio, relatando ameaças e dizendo que se sentia insegura. O pedido de medida protetiva foi aceito e concedido pelo Judiciário em poucas horas. No entanto, como ocorre em muitos casos, o agressor ainda não havia sido intimado, o que impediu sua eficácia imediata.
No fim da tarde, acompanhada de um amigo, a jornalista voltou para casa para buscar seus pertences. No local, encontrou Caio, que, segundo testemunhas, aparentava estar alterado. Inicialmente, ele aceitou sair da casa sem resistência, mas, momentos depois, pegou uma faca e atacou Vanessa com três golpes no tórax. O amigo conseguiu trancá-la em um cômodo e acionou a polícia, mas a jornalista não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital.
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Renan Nucci
O caso gerou grande comoção, especialmente entre jornalistas e amigos da vítima. Renan Nucci, ex-namorado de Vanessa e também jornalista, relembrou com carinho a relação que tiveram e lamentou o desfecho trágico. “Ela foi o meu grande amor aqui em Campo Grande. A gente se conheceu na redação, sempre se admirou profissionalmente e depois veio a relação. Ela era uma pessoa incrível, extremamente elegante, vaidosa, competente. Me apoiou muito na minha carreira, e eu tentei apoiar ela também. Era alguém que inspirava outras mulheres. Talvez, se tivéssemos tido mais paciência, estivéssemos juntos hoje e nada disso teria acontecido.”
“Coração genuíno, braço que acolhia e sorriso maravilhoso” foram as palavras escolhidas pela jornalista Alessandra Isac para descrever Vanessa.
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Alessandra Isac
Amiga de longa data da vítima, Alessandra lamenta a perda e afirma que os sonhos da ex-jornalista foram interrompidos, além de ressaltar que o atendimento policial prestado a Vanessa foi inadequado.
“Sonhos foram cortados pela metade, e agora queremos justiça. Ele precisa ir a um júri popular, e ela [Vanessa Ricarte] não pode ser apenas mais um dado estatístico. Precisamos cobrar o poder público, porque ela negligenciada. Eu tenho provas disso. Ela não foi atendida, eu acompanhei tudo”, enfatiza.
Escoltas precisam ser protocoladas
O crime levantou questionamentos sobre a efetividade das medidas protetivas e a segurança de mulheres que denunciam violência doméstica. A advogada Janice Andrade criticou o fato de Vanessa ter retornado à residência sem escolta policial. “Em casos como esse, a vítima deve ser acompanhada por uma escolta para retirar seus pertences. Não entendo por que isso não foi feito. O correto seria a polícia ter afastado o agressor da casa, e não ela precisar sair. Esse tipo de falha coloca mulheres em risco e, infelizmente, muitas perdem a vida por conta disso.”
As delegadas Elaine Benicasa e Analu Ferraz, da DEAM, explicaram que Vanessa poderia ter solicitado a escolta, mas não fez o pedido formalmente. Elas afirmam que há uma parceria entre a delegacia e a Guarda Municipal para oferecer esse serviço, mas que, devido ao grande volume de ocorrências diárias, os acompanhamentos precisam ser agendados. “O fluxo da delegacia é intenso, com cerca de 30 boletins de ocorrência por dia. Em muitos casos, as vítimas solicitam acompanhamento para retirar pertences, mas é necessário que essa necessidade seja informada no momento do registro da ocorrência.”
A delegada Analu Ferraz reforçou que a medida protetiva foi concedida rapidamente, mas que a intimação do agressor ainda estava pendente. “A medida foi deferida no mesmo dia, mas ele ainda não havia sido oficialmente notificado. A intimação do agressor é fundamental para que ele tenha ciência das restrições impostas pela Justiça. Infelizmente, nesse intervalo, Vanessa retornou à casa e acabou sendo vítima de feminicídio.”
O secretário de Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, afirmou que o caso será discutido em reunião com o Judiciário para avaliar melhorias na proteção de vítimas.
Medidas protetivas: o que são e como funcionam?
A advogada criminalista Cynthia Padilha (OAB/MS 27.205) explica que as medidas protetivas de urgência são um instrumento essencial da Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) para proteger mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Elas podem ser aplicadas em casos de violência física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial, impedindo o agressor de manter contato ou se aproximar da vítima.
Qualquer mulher que se sinta ameaçada dentro de seu ambiente doméstico ou familiar pode solicitar a medida, que pode ser concedida independentemente de um boletim de ocorrência ou de um processo criminal em andamento.
Entre as principais medidas adotadas estão:
•Afastamento do agressor do lar;
•Proibição de aproximação da vítima e de seus familiares (geralmente dentro de um raio de 300 metros);
•Proibição de qualquer tipo de contato (telefone, mensagens, redes sociais e outros meios);
•Suspensão da posse ou porte de arma de fogo.
Após a solicitação, o juiz tem até 48 horas para conceder ou não a medida. No entanto, a proteção só passa a valer no momento em que o agressor é intimado da decisão. Caso ele descumpra as determinações, pode responder criminalmente pelo descumprimento de medida protetiva, com pena de reclusão de 2 a 5 anos, além de multa.
Se houver violação da medida, a vítima deve reunir provas que demonstrem o descumprimento, como registros de mensagens ou testemunhas, e procurar imediatamente a polícia. Em casos de flagrante, o agressor pode ser preso imediatamente.
Histórico de violência
Caio Nascimento já possuía passagens por violência doméstica contra outras mulheres, além de agressões à própria mãe e irmã. Mesmo com esse histórico, ele nunca havia sido preso.
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Foto: Redes Sociais
As autoridades também investigam relatos de que Vanessa pode ter sido vítima de perseguição e cárcere privado antes do crime. Há indícios de que o agressor tenha compartilhado imagens íntimas da jornalista, o que teria sido um dos motivos para que ela procurasse a polícia.
A delegada Elaine Benicasa afirmou que a Polícia Civil busca instruir o caso com o máximo de informações possíveis para que Caio receba a maior pena possível.
O agressor permaneceu em silêncio ao ser interrogado e será julgado pelo Tribunal do Júri, onde a promotoria buscará a pena máxima.
Autoridades cobram políticas de proteção à mulher
O assassinato da jornalista Vanessa Ricarte gerou grande comoção da sociedade, profissionais da imprensa, e também de parlamentares que se manifestaram na manhã de ontem (13), que cobram por justiça.
O primeiro a mostrar o seu repúdio foi o governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB), em suas redes sociais ele cobrou que a Justiça seja feita e reforçou a importância de que casos como o de Vanessa, não fiquem impunes.
“Chegando no gabinete e me deparei com a notícia do falecimento da Vanessa e fiquei profundamente impactado, indignado com essa situação por ela, pelas famílias, que são envolvidas em casos como esse, que ainda ocorrem com muita frequência no nosso Estado. Isso não pode de maneira nenhuma passar com impunidade para ninguém envolvido na situação”, disse.
A prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes, também publicou um vídeo nas redes sociais, afirmando que a vítima já havia sido funcionária da Prefeitura Municipal de Campo Grande, e ressaltando que as mulheres precisam se unir. “Não podemos nos calar! Mulheres, vamos levantar a nossa voz para salvar vidas”, disse.
Na Câmara de Vereadores, o vereador Epaminondas Neto, o Papy, presidente da Casa de Leis, lamentou a perda e reforçou a necessidade de medidas urgentes para enfrentamento à violência contra as mulheres.
“Hoje fomos surpreendidos com a trágica notícia do falecimento da jornalista Vanessa, que foi servidora pública municipal, que fazia importante trabalho no jornalismo em Campo Grande. Infelizmente, mais uma mulher vítima de feminicídio. Nós da Câmara nos solidarizamos, com a família e amigos por esta perda irreparável desta grande jornalista”.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, o caso também gerou grande repercussão, e durante a sessão desta quinta-feira (13), os parlamentares discutiram a urgência de medidas mais eficazes no combate à violência contra a mulher.
O presidente, deputado Gerson Claro, iniciou a sessão lamentando o acontecimento. “O Parlamento Estadual trabalha incansavelmente por políticas públicas voltadas para a segurança das mulheres, inclusive com a campanha permanente ‘Todos por Elas’ no enfrentamento à violência e pelo fim do feminicídio. Infelizmente, esse é o segundo caso de feminicídio registrado neste ano em Mato Grosso do Sul, evidenciando a necessidade de mantermos ações de conscientização”, disse.
O 1º secretário da Casa de Leis, deputado Paulo Corrêa (PSDB), e Coronel David (PL) também repudiaram o crime e fizeram um apelo para que as medidas protetivas de urgência sejam eficazes. “O criminoso já tinha antecedentes, e outras seis mulheres tinham medidas protetivas contra ele. Houve uma falha, ele deveria ter sido preso antes de fazer a sétima vítima”, afirmou Corrêa.
Gleice Jane (PT) apresentou requerimento à Sejusp (Secretaria de Estado de Segurança Pública), solicitando diversas informações. “A obtenção dessas informações será essencial para compreender o panorama atual e orientar a formulação de estratégias mais assertivas para a proteção das mulheres, promovendo segurança, justiça e a garantia de seus direitos fundamentais”, explicou.
Mara Caseiro (PSDB) leu uma Moção de Pesar e desabafou: “Vanessa tinha o sonho de casar e ter filhos. Acabou perdendo a vida por um amor que acreditou que seria sua família. Um crime bárbaro, que se soma a tantos outros, e que gera uma angústia compartilhada, pois o sistema de justiça e segurança pública falharam em proteger quem buscou ajuda”, disse Mara.
A deputada estadual Lia Nogueira (PSDB), presidente do PSDB Mulher em Mato Grosso do Sul, se manifestou com indignação. A parlamentar lamentou a tragédia e reforçou a necessidade de medidas mais eficazes para proteger mulheres em situação de violência. “Um absurdo, uma tragédia, um crime brutal contra uma mulher cheia de vida… até quando? É nossa missão não calarmos o grito de justiça!”, declarou Lia.
Por Roberta Martins – colaborou Tamires Santana e Ana Cavalcante