Paralisação do transporte também envolve falta de repasse do Estado, diz Papy

FOTO: NILSON FIGUEIREDO
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Além disso, dívida por passe-livre contribui para crise no transporte, alega o presidente da Câmara

Motivado pela paralisação do transporte coletivo de Campo Grande, que ontem saiu atrasado das garagens como forma de protesto dos motoristas por atraso salarial, o presidente da Câmara Municipal vereador Epaminondas Neto, o Papy (PSDB), afirmou que o atraso nos repasses referentes às gratuidades concedidas aos alunos das REME (Rede Municipal de Ensino) e REE (Rede Estadual de Ensino) é apenas parte do problema de todo o sistema de transporte falho, e como uma das soluções pretende criar um Fundo de Mobilidade e Trânsito para a Capital.

Em entrevista ao Jornal O Estado, o parlamentar explicou que, de acordo com o convênio firmado entre o Consórcio Guaicurus, a Prefeitura de Campo Grande e o Governo de Mato Grosso do Sul firmado há 3 anos, os repasses precisam ser feitos de mês a mês e, quando isso deixa de acontecer de forma pontual, o Consórcio começa a ter dificuldades em arcar com seus compromissos financeiros, como é o caso do adiantamento salarial, que deveria ser depositado na conta dos trabalhadores no dia 20, mas atrasou, causando a paralisação de ontem de manhã.

“O estudante custa cerca de mais de R$ 3 milhões para o município e para o Estado. A prefeitura repassa R$ 1,4 milhões e o governo deveria repassar R$ 1,7 milhões, que precisa ser pago mensalmente em um convênio que dura 12 meses. O atraso gera alguns problemas de ordem financeira para eles [Consórcio Guaicurus]”, detalhou.

Ainda segundo o vereador, o governo de MS fez tentativas de pagar o montante devido, contudo, esbarrou na falta de certidões negativas que deveriam ser emitidas pelo Executivo Municipal para que os recursos pudessem ser repassados.

“Não dá para dizer que esse atraso no repasse gerou a greve, mas isso também faz parte das reivindicações. As gratuidades que não são custeadas também é um problema, mas o Consórcio também tem deixado a desejar, e muito, na questão de investimentos em ônibus”, disse, destacando que, desde a conclusão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Transporte Coletivo nenhuma providência para a melhoria do sistema de transporte foi tomada pela empresa responsável.

O vereador ainda informou que a prefeitura deve mais de R$ 3 milhões e está tentando pôr as contas em dia, e o Governo mais de R$ 5 milhões, totalizando R$ 9 milhões, valor requerido pelo Consórcio, que afirma que o atual cenário agrava a situação financeira da empresa e vê no esgotamento dos recursos e das linhas de crédito para promover a melhoria do serviço.

Para tentar solucionar o atraso com os repasses dos concedentes, o vereador afirmou que na sessão ordinária desta quinta-feira (23) a Câmara deve votar um projeto de lei para a criação de um Fundo de Mobilidade e Trânsito para Campo Grande. De acordo com ele, criando um sistema fundo a fundo, os recursos seriam pagos em dia e no valor acordado entre as partes, além de abrir portas para que o Governo de MS possa mandar a verba diretamente para a empresa.

“A criação do Fundo estava como proposta da CPI, mas vamos adiantar a votação para a sessão de amanhã. Este fundo servirá não apenas para a questão do transporte coletivo, mas para todas as outras demandas de mobilidade como ciclofaixas, semaforização, criação de faixas de transporte coletivo e manutenção dos terminais”, exemplificou.

Por fim, Papy declarou que está indignado com a paralisação repentina dos trabalhadores, porque isso afeta todos que dependem de ônibus para ir à aula ou trabalhar. De acordo com ele, o atraso nos repasses estava sendo denunciado pelo Consórcio desde setembro, com o registro de três notificações à Casa de Leis, as quais foram levadas ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

“Eu tento ser o intermediador e conversar com todo mundo que tem responsabilidade para tomar providências em favor do usuário, que hoje foi pego desprevenido. Isso não acontecer em uma cidade com quase 1 milhão de habitantes”, pontuou.

O que a prefeitura diz
Em nota, a prefeitura negou os atrasos e informou que “está rigorosamente em dia com suas obrigações de pagamentos junto ao Consórcio Guaicurus”. O Executivo ainda reforçou que não é o único responsável pelo financiamento do transporte, que também é feito por outros entes e também pela própria sociedade.

Ainda em nota, a prefeitura acrescentou que trabalha junto com o Consórcio para solucionar os impasses e garantir a prestação do serviço aos usuários.

O governo de MS também foi questionado em relação aos repasses, contudo, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. O espaço segue aberto para posicionamentos.

Motoristas protestam por atraso salarial
Na manhã desta quarta-feira (22) os ônibus começaram a circular apenas por volta das 6h, uma hora e meia depois do habitual, deixando milhares de pessoas sem transporte nas primeiras horas do dia. A paralisação inesperada, pegou trabalhadores e empresários de surpresa, provocando atrasos em massa e congestionamentos em vários pontos da cidade. A medida foi um protesto contra o atraso no pagamento do adiantamento salarial por parte do Consórcio Guaicurus.

“Fomos pegos de surpresa. Cheguei atrasado no trabalho, mas prontamente avisei meu chefe. Não é culpa do trabalhador”, relatou o auxiliar de serviços gerais Fábio Bento, que afirmou que o serviço demorou para ser normalizado. “Com o atraso, congestionou tudo”, completou.

Pontos lotados e relatos de insegurança
Enquanto o dia clareava, os pontos de ônibus se transformavam em cenário de confusão. Filas longas, empurra-empurra e até relatos de furtos foram registrados.

A auxiliar administrativa Amanda Oliveira, moradora da região do Coophavila II, contou que acorda todos os dias às 5h15 para chegar ao trabalho às 7h, mas, nesta quarta, o percurso se tornou um desafio.

“Saí no mesmo horário de sempre, mas já havia uma multidão nos pontos. Normalmente, a linha 070 passa às 6h05, mas hoje simplesmente não passou. Alguns moradores relataram que estavam sendo assaltados enquanto esperavam. Quando os ônibus começaram a circular, por volta das 6h40, os motoristas estavam ‘furando’ pontos para compensar o atraso.”

Segundo Amanda, a situação dentro dos veículos também foi caótica. “Vi um ônibus sair com tanta pressa que acabou se movimentando enquanto uma idosa ainda desembarcava. Fui chegar no trabalho quase 8h, e meu horário de entrada é 7h.”

Corridas de aplicativo disparam e pesam no bolso
Sem ônibus, muitos recorreram aos aplicativos de transporte. Com isso, o preço das corridas disparou logo nas primeiras horas da manhã.

A jornalista Juliana Aguiar contou que precisou recorrer à moto por aplicativo. “Soube da paralisação de madrugada, porque meu pai chegou no terminal Júlio de Castilho e disse que estava fechado. Para ir trabalhar, estava R$ 60 do aeroporto até o Centro, de carro. Por isso, tive que optar pela moto.”

Já Lívia Medina, que também depende dos aplicativos, afirmou que o impacto foi sentido até por quem não usa o transporte coletivo diariamente. “Não pego ônibus de manhã, mas a paralisação afetou de outra forma: o trânsito ficou travado e o preço dos motoristas de aplicativo subiu muito. Foi bem complicado.”

Durante a manhã, o alerta “preços mais altos que o normal” apareceu em diversas plataformas, e corridas que custavam em média R$ 30 chegaram a ultrapassar R$ 70 em alguns trajetos.

Sindicato confirma protesto e ameaça nova paralisação
De acordo com o presidente do STTCU (Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo Urbano), Demétrio Freitas, a mobilização ocorreu devido ao atraso no pagamento do adiantamento salarial, previsto para o dia 20.

“O consórcio não fez o depósito e não deu previsão. Como foi um protesto, não era necessário avisar a população. Os ônibus começaram a sair das garagens às 6h, então não vimos necessidade de comunicado prévio.”

Demétrio adiantou que, se o pagamento não for feito nos próximos dias, novas manifestações podem ocorrer. “Temos assembleia marcada para segunda-feira. Caso não saia o dinheiro, vamos parar novamente. Não podemos ficar sem receber.”

Reação política e críticas à gestão do transporte
A paralisação reacendeu críticas da classe política à empresa responsável pelo transporte coletivo. O presidente da Câmara Municipal de Campo Grande, vereador Epaminondas Neto, o Papy, adiantou, durante coletiva concedida ontem, que a Casa de Leis vai propor a criação de um Fundo para Mobilidade e Transporte da Capital para evitar atrasos no repasse como este que ocasionou o não pagamento do adiantamento do salário, levando ao protesto dos trabalhadores.

“A Câmara considera inadmissível qualquer tipo de prejuízo aos usuários do transporte e é preciso que o Executivo tenha decisões mais enérgicas. Vamos apresentar um projeto para a criação do Fundo Municipal de Mobilidade e Trânsito para que a gente tenha previsibilidade dos repasses, criando um mecanismo de fundo a fundo onde os recursos que forem destinados ao transporte possam chegar ao destino sem nenhum tipo de intervenção ou atraso. O Consórcio fez notificações à essa Casa em três oportunidades, desde setembro, todos os questionamentos por falta de repasse que recebemos nós repassamos para o Ministério Público.

O vereador Maicon Nogueira (PP), que integrou a CPI do Consórcio Guaicurus, afirmou que a situação é insustentável. “Essa paralisação é uma demonstração do caos instalado por essa empresa. Tiveram lucros milionários, não trocaram a frota e não deram condições dignas de trabalho aos funcionários. Cabe uma única medida agora: intervenção! O Ministério Público e o Executivo precisam agir.”

Direitos trabalhistas: o que fazer em caso de falta ou atraso
O advogado trabalhista e previdenciarista Thiago Magalhães Abolis explicou que a paralisação configura caso fortuito ou força maior, mas que o diálogo e o bom senso devem prevalecer.
“A empresa deve oferecer outro meio de locomoção antes de penalizar o colaborador, como transporte por aplicativo, táxi ou veículo fretado. Para se resguardar, o trabalhador deve documentar os motivos do atraso e comunicar imediatamente seu gestor.”

Segundo o especialista, embora a CLT não preveja a greve de transporte como justificativa automática para a ausência, as punições precisam ser proporcionais. “A empresa pode descontar o dia ou aplicar advertência, mas deve considerar o contexto. O ideal é agir com cooperação, buscando alternativas como teletrabalho ou home office, quando possível.”

Trânsito lento e rotina afetada
Com o atraso na saída das garagens, a frota de ônibus começou a circular de forma concentrada, o que causou engarrafamentos e lentidão em vias como a Avenida Afonso Pena e a Rua Brilhante.

Apesar da normalização gradual após as 7h, os reflexos seguiram ao longo do dia — tanto no trânsito quanto no orçamento dos trabalhadores que precisaram improvisar.

Enquanto o impasse entre o Consórcio e os motoristas não é resolvido, Campo Grande segue em alerta: se o pagamento não for feito até segunda-feira, uma nova paralisação pode voltar a travar a cidade, segundo o STTCU .

Consórcio alega crise financeira e promete resolver impasse
Em resposta, o Consórcio Guaicurus informou que a circulação dos ônibus foi restabelecida às 6h, após cerca de uma hora de paralisação.

“Em respeito à população campo-grandense, o Consórcio Guaicurus informa que a circulação normal das linhas foi restabelecida às 6h, após a paralisação do serviço por cerca de uma hora. Conforme edital publicado pelo jornal O Estado em 22 de outubro de 2025, o Sindicato dos Motoristas convocou uma assembleia geral para o dia 27 de outubro, segunda-feira, em decorrência do atraso no pagamento do adiantamento salarial da categoria”, comunicou o consórcio.

A empresa lamentou profundamente os transtornos e afirmou enfrentar “severas restrições financeiras, com insuficiência de recursos para cumprir integralmente obrigações salariais, fiscais e contratuais”.

Segundo o comunicado, a situação reflete um “desequilíbrio estrutural agravado pela defasagem tarifária e pelo esgotamento das linhas de crédito”.

O consórcio concluiu reiterando o compromisso com a população: “Nossas equipes estão empenhadas em dialogar com todos os setores envolvidos e não medirão esforços para resolver a situação no menor tempo possível, restabelecendo a tranquilidade e a previsibilidade do transporte coletivo em Campo Grande.”

Por Suelen Morales e Ana Clara Julião

 

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