Diretora do IALF detalha trabalho da perícia genética em acidentes e os desafios da identificação
Em casos de desastres com vítimas fatais, como acidentes aéreos, o trabalho da perícia científica torna-se fundamental para oferecer respostas rápidas e seguras às famílias. Em entrevista exclusiva ao Jornal O Estado, a diretora do IALF (Instituto de Análises Laboratoriais Forenses), Josemirtes Socorro Fonseca Prado da Silva, perita criminal, explicou em detalhes como ocorre o processo de identificação por DNA, os desafios enfrentados e a importância da tecnologia aplicada esses exames.
Segundo a diretora, o tempo necessário para concluir uma identificação depende da condição em que o material chega ao laboratório. “Não existe um prazo médio. O processo depende muito da qualidade da amostra. Se for um osso carbonizado, por exemplo, o exame pode levar mais tempo. Mas, no caso de dentes preservados, conseguimos extrair o DNA de forma mais rápida, já que ele se mantém protegido dentro da estrutura dentária”, explicou”.
No caso recente do acidente aéreo, que aconteceu no dia 23 de setembro, em Aquidauana, a diretora afirmou que o principal obstáculo foi a carbonização dos corpos. Entretanto, a coleta de dentes durante a necropsia no IML possibilitou um exame mais ágil. “O que acabou atrasando foi a ausência inicial de familiares, já que alguns eram de fora do Estado. Assim que recebemos as amostras de referência, conseguimos realizar a identificação com mais rapidez”, relatou.
A Dra. explica que o exame de DNA é dividido em cinco etapas, que vão desde a triagem inicial até a análise estatística que comprova a identidade. A primeira fase consiste na escolha e preparo da amostra, que muitas vezes precisa ser limpa e moída para extração do material genético. Em seguida, ocorre a quantificação, para verificar se há DNA em quantidade e qualidade suficientes. Se o material estiver degradado, novas extrações podem ser necessárias.
Posteriormente, o DNA é amplificado para aumentar a quantidade disponível para análise e, por fim, inserido em um equipamento que gera o chamado eletroferograma, revelando as regiões autossômicas e a determinação do sexo biológico da vítima.
“Esse processo não é apenas técnico, mas também criterioso. Quando emitimos um laudo, temos que ter total convicção de que o resultado é correto. Um erro pode significar identificar a pessoa errada, algo inaceitável para a perícia”, ressaltou Josemirtes, lembrando que todo laudo é revisado por outro perito antes de ser concluído.
Josemirtes destacou que, em situações de comoção, o compromisso da perícia é redobrado. “A família já vive um sofrimento enorme. Então, toda a equipe se mobiliza para dar uma resposta o mais rápido possível, sempre com seriedade e rigor científico”, disse.
Tecnologias e banco de dados
Atualmente, o IALF utiliza equipamentos de ponta, incluindo sistemas automatizados que reduzem drasticamente o risco de contaminação cruzada e aceleram o processo de extração de DNA. Além disso, o instituto integra a Rede Nacional de Perfis Genéticos, mantida pela Polícia Federal em Brasília.
Todos os vestígios coletados em locais de crime, bem como amostras de pessoas não identificadas, alimentam o banco. A lei também determina que condenados por crimes hediondos tenham seu perfil genético inserido.
Esse cruzamento de informações tem sido decisivo não apenas para a identificação de vítimas, mas também para a autoria de crimes, como arrombamentos e crimes sexuais. “Já tivemos casos de crimes que ficaram anos sem solução e foram elucidados graças ao banco de perfis genéticos. É uma ferramenta fundamental”, reforçou.
Apesar disso, Josemirtes considera que o sistema poderia ser ampliado. Ela também pontuou que o constante investimento em ciência forense é essencial para manter a confiabilidade dos exames. “Se houvesse um banco com o perfil de todos os cidadãos, em casos de desastres de massa a identificação seria imediata, pois não precisaríamos reconstruir o perfil genético a partir dos familiares. Mas esse projeto não existe hoje. O que temos é a coleta voluntária de familiares de desaparecidos e os perfis de condenados”, explicou.
Atuação diária e impacto social
Além de atuar em grandes tragédias, o IALF desempenha papel essencial no cotidiano da justiça. Entre as atividades estão os exames de investigação de paternidade, geralmente solicitados pela Defensoria Pública ou pelo Judiciário em casos de famílias que não têm condições de arcar com os custos.
“Nosso trabalho é silencioso, mas fundamental. Ele dá nome a crianças que não têm o registro do pai, auxilia na solução de crimes e ajuda famílias a encerrar ciclos de procura por entes desaparecidos. Muitas vezes não conseguimos dar a notícia que a família gostaria, mas conseguimos trazer respostas e, de certa forma, aliviar a angústia da incerteza”, destacou a diretora.
Os peritos também participam de capacitações anuais e o instituto passa regularmente por auditorias internas e externas, inclusive internacionais, como parte do processo de busca pela certificação de referência mundial em qualidade laboratorial.
“A cada ano, surgem novas tecnologias, assim como acontece com os celulares. Nosso desafio é estar sempre atualizados e buscar a aquisição dos equipamentos mais modernos. Em Campo Grande, está em andamento a construção de um novo centro de ciências forenses, que vai ampliar nossa capacidade de abrigar essas inovações”, contou.
Para a perita, o trabalho desenvolvido pela perícia criminal é, acima de tudo, um serviço social. “Quando identificamos uma vítima de acidente ou de crime, não estamos apenas cumprindo um protocolo científico. Estamos trazendo respostas para famílias, dando suporte à justiça e contribuindo para a segurança pública. Esse é o papel da perícia: transformar ciência em solução para a sociedade”, concluiu Josemirtes.
Por Inez Nazira
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