Nos bastidores das empresas modernas, algo curioso vem acontecendo: o trabalho, antes espaço de esforço, troca e conquista, transformou-se em um palco onde líderes atuam como animadores de festa e colaboradores esperam entretenimento constante. A promessa de ambientes mais humanos e acolhedores evoluiu para uma cruzada emocional que infantiliza relações profissionais e distorce o papel das organizações.
O fenômeno, batizado por Piero Franceschi como o “Espetáculo da Felicidade Corporativa”, revela uma inversão de papéis. Líderes exaustos tentam performar truques emocionais para equipes que viraram de costas para o palco — esperando diversão infinita para não encarar o tédio inevitável de uma carreira. A gestão de pessoas, antes centrada em justiça e meritocracia, passou a ser confundida com a obrigação de garantir felicidade.
Mas há um problema fundamental: felicidade não tem padrão, não tem KPI, não tem processo. É uma equação subjetiva — Felicidade = Percepção – Expectativa — que escapa ao controle institucional. Como bem pontua Franceschi, “a própria tentativa de medir felicidade já a distorce”. E, ainda assim, empresas se lançaram nesse abismo, tentando gerenciar o imensurável.
A consequência? Um ambiente onde tristeza virou tabu, e qualquer sinal de frustração é interpretado como falha de liderança. A polarização infantil entre “estou feliz” e “estou triste” passou a definir a capacidade de colaboração, como se a única emoção aceitável fosse a alegria constante.
O mais preocupante, porém, é a falta de equilíbrio. Saímos de um ambiente de trabalho cinza, triste e sacrificante — onde o sofrimento era romantizado como sinônimo de produtividade — para um show de ilariedade forçada, onde o sorriso virou obrigação e o desconforto emocional, um erro sistêmico. Nenhum dos extremos é saudável. O trabalho não precisa ser um castigo, mas tampouco deve se tornar um parque temático de emoções positivas.
Esse desequilíbrio, no entanto, não nasce apenas dentro das empresas. Ele é alimentado por uma falência silenciosa da educação brasileira, que há décadas deixou de formar cidadãos preparados para a vida adulta e profissional. O sistema virou um grande jogo de faz de conta, onde uns fingem que ensinam e outros fingem que aprendem. E quando nada dá certo, o assistencialismo eleitoreiro oferece um “vale alguma coisa” como solução paliativa.
Lembro de colegas professores que diziam com sabedoria: “bons modos vêm de casa, nosso papel na escola é preparar para a obtenção do conhecimento.” Hoje, esse papel está diluído. A escola deixou de ser espaço de formação intelectual e ética, e as empresas se veem obrigadas a assumir funções que não lhes cabem — educar, acolher, corrigir, cuidar. Tudo isso com extremo cuidado para não descontentar o colaborador, que muitas vezes chega ao mercado sem saber lidar com frustração, esforço ou limites.
É urgente parar com esse show. O trabalho precisa recuperar sua natureza adulta — feita de esforço, frustração, descoberta e crescimento. Empresas devem sim criar contextos justos, mas a decisão de ser feliz é sempre individual. Como conclui Franceschi: “Felicidade é uma responsabilidade pessoal, nunca de uma empresa.”
Enquanto líderes se esgotam e times se infantilizam, talvez seja hora de devolver ao trabalho sua dignidade — à escola sua missão — e à felicidade, sua liberdade.
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