Delegado de Homicídios detalha execução cruel de mulher que fugiu da violência doméstica em Minas e foi morta em Campo Grande

Foto: Divulgação
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Dupla foi presa pela assassinato de Maria de Fátima, encontrada às margens da BR 262 em Campo Grande

A Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, por meio da DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), elucidou em menos de 48 horas a morte de Maria de Fátima Alves, 40 anos, encontrada no dia 3 de dezembro às margens da BR 262, na região do anel viário de Campo Grande. O corpo tinha uma perfuração de tiro na têmpora, o que levou a equipe a tratar o caso desde o início como uma execução.

“Na tarde de quarta-feira, no último dia 3, um corpo foi encontrado ali às margens do anel viário de Campo Grande, do BR 262. Foi identificado ali que essa pessoa, uma mulher, foi executada sumariamente, uma vez que uma das perfurações foi na têmpora, na cabeça dela”, explicou o delegado Rodolfo Daltro, titular da DHPP, em coletiva de imprensa.

Sem qualquer documento com a vítima, os investigadores partiram para o protocolo padrão em casos assim, percorrendo unidades de acolhimento em busca de alguém desaparecido.

“Ela estava sem documento. Passamos a verificar em vários locais de acolhimento em Campo Grande se havia alguém desaparecido. Fomos até o POP e encontramos uma pessoa que disse que a namorada estava desaparecida desde terça-feira”, relatou o delegado.

Fuga da violência doméstica e vida nas ruas em Campo Grande

A partir desse depoimento, a equipe chegou à identidade da vítima. Tratava-se de Maria de Fátima Alves, que havia deixado Minas Gerais cerca de três meses antes para tentar recomeçar a vida em Mato Grosso do Sul.

“Conseguimos a qualificação dessa mulher, tratando-se de Maria de Fátima Alves, 40 anos, oriunda de Minas Gerais. Ela veio para o Mato Grosso do Sul fugindo de violência doméstica. Ela era vítima de violência doméstica, agredida pelo ex-marido, e resolveu ir embora, inclusive deixando os três filhos com a guarda informal desse marido”, disse Daltro.

Os nomes dos filhos estavam tatuados no antebraço da vítima. Em Campo Grande, porém, o recomeço não aconteceu como ela esperava.

“Ao vir para Campo Grande, ela passou a ingerir bebidas alcoólicas de forma acentuada. O dinheiro que ela trouxe acabou, as economias se esgotaram e ela passou a morar nas ruas. Uma pessoa estruturada e, em razão dessa violência doméstica, resolveu fugir, enveredou-se no consumo de bebidas alcoólicas e acabou por morar na rua, sendo abrigada no CETREMI e no POP”, relatou o delegado.

A prima “muito perigosa” e os documentos retidos

O namorado contou à polícia que Maria de Fátima havia saído, na terça-feira, para recuperar documentos pessoais que estavam retidos com uma prima, moradora do bairro Moreninhas.

“Ele relatou que ela saiu em busca de uns documentos dela que estavam retidos por uma prima, e ela sempre dizia que a prima dela era muito perigosa. Ela pegou uma bicicleta emprestada e foi até o bairro Moreninhas para buscar reaver os documentos”, explicou Daltro.

Os policiais ainda não sabem por que esses documentos estavam com a prima, mas essa retenção é uma das linhas que seguem sendo investigadas.

Pista: HB20 escuro e bicicleta no porta-malas

Além do desaparecimento, a equipe da DHPP apurou outro ponto crucial. Maria de Fátima não voltou ao POP de bicicleta.“Concorrentemente, tínhamos a informação de que ela saiu com uma bicicleta emprestada, mas ainda na terça-feira, por volta de 16 horas, ela retornou à região da Praça da Cabeça de Boi em um carro HB20, cor escura, que trazia essa bicicleta no porta-malas. Pessoas viram ela descendo do carro, um homem motorista e um adolescente passageiro retirando a bicicleta do porta-malas, deixando a bicicleta com alguns conhecidos dela. Ali ela adentrou novamente no carro e nunca mais foi vista”, relatou o delegado.

Com isso, a investigação passou a atuar em duas frentes: identificar o carro e localizar a prima.“Apuramos que esse carro era alugado há cerca de quatro meses pela prima dela, moradora do bairro Moreninhas, com envolvimento no tráfico de drogas em alta escala. Ela, inclusive, possui transportadoras em nome dela”, afirmou.

Abordagem do suspeito e contradições das versões

Na quarta-feira (3), os policiais foram até a casa da prima, nas Moreninhas, e localizaram o HB20 estacionado em frente ao imóvel. Um homem estava sentado na calçada, na sombra, ao lado do carro. A descrição batia com a fornecida pelas testemunhas.

“Tivemos relatos de pessoas que descreveram o motorista. Uma pessoa gorda, de média altura e cabelos grisalhos. As características bateram. Essa pessoa estava lá sentada na frente do imóvel. Nós interpelamos essa pessoa. Imediatamente ele disse ‘olha, não tenho nada a ver com o homicídio da Maria de Fátima, e sim com o tráfico de drogas, o tráfico eu assumo’”, relatou Daltro.

A resposta levantou suspeitas da equipe. “Até então, como estratégia de investigação, pedimos que não fosse revelado o nome da vítima. E como ele sabia que a Maria de Fátima havia sido morta? Ali, na hora, já fechamos a questão de fortes indícios de autoria”, acrescentou.

A chave do HB20 estava no bolso do homem. Ele disse que o veículo pertencia à prima da vítima, o que foi confirmado, mas continuou negando envolvimento no homicídio.

Droga no carro e cocaína no guarda-roupa

A equipe fez uma busca no veículo.“Realizamos ali uma busca no carro, encontramos escondido no console várias porções de cocaína”, contou o delegado. Questionado, o suspeito afirmou que a droga era dele, mas disse que o “restante” estaria dentro da casa.

Nesse momento, a prima saiu para ver o que acontecia. Ao ser abordada, afirmou que a droga dentro da residência também pertencia ao homem. “Vistoriamos a casa e encontramos seis tabletes e meio de cocaína de altíssima qualidade”, disse Daltro.

Ao reconstituir os fatos, a DHPP concluiu que o motivo do crime foi o medo de delação após Maria de Fátima encontrar o entorpecente.“A Maria de Fátima foi até a casa da prima reaver os documentos, especificamente uma carteira de trabalho, porque buscava emprego em Campo Grande. A prima se negou a devolver os documentos. A Maria de Fátima então abriu o guarda-roupa, procurando os documentos, e se deparou com os tabletes de cocaína. Nesse momento, a prima adentrou o quarto e visualizou a Maria de Fátima manuseando a cocaína. Eles resolveram matar a vítima com medo de serem delatados”, explicou o delegado.

Segundo a investigação, a dupla agiu com frieza e chegou a usar a bicicleta para testar quem acompanhava a vítima. “Eles levaram a vítima até a Praça da Cabeça de Boi com a bicicleta, com o intuito de verificar quem eram as pessoas que estavam esperando a Maria de Fátima, se havia pessoas interessadas nela. Eles se depararam com pessoas em situação de rua que conheciam ela e acharam ‘não vai dar problema, são pessoas vulneráveis’, então puderam dar continuidade ao plano de execução”, relatou.

Depois disso, Maria de Fátima voltou à casa da prima. Os autores esperaram escurecer. “Eles esperaram anoitecer, subjugaram a vítima e a levaram até o anel viário, onde ela foi tirada do carro e executada sumariamente”, detalhou.

Execução da vítima

Imagens de sistemas informatizados confirmam o deslocamento do carro até o local onde o corpo foi achado. “Por meio de buscas em sistemas informatizados verificamos que o HB20, por volta das 20h32 de terça-feira, esteve no local onde o corpo foi encontrado. Apuramos a autoria e a motivação. A motivação é porque a vítima, ao buscar os documentos, visualizou as drogas. A forma de execução foi justamente para que ela não os delatasse. Levaram ela até o anel viário, retiraram do carro e a executaram”, afirmou Daltro.

Sobre a arma, o homem afirmou informalmente que lançou o revólver pela janela do veículo após o crime. “Ele disse que, após matar a vítima naquela região do anel viário, jogou um revólver pela janela. Estamos realizando buscas visando encontrar a arma”, disse o delegado.

Em interrogatório formal, o suspeito admitiu apenas o tráfico de drogas e negou participação no homicídio, versão que contraria as provas reunidas. Há pelo menos três testemunhas que o identificam como motorista do carro, entre elas o filho adolescente da prima da vítima, que relatou ter sido passageiro do veículo.

Estrutura do tráfico e prisão preventiva

A investigação também revelou o papel de cada um no esquema criminoso.“Esse homem trabalhava com a prima na traficância. A prima possui um marido preso por tráfico de drogas e esse homem seria o homem de confiança, que atuava na distribuição, na logística do tráfico”, relatou Daltro.

Ele já tinha passagens por tráfico. A mulher, oriunda do estado de São Paulo, está em Campo Grande há cerca de um ano e meio, período em que teria dado continuidade à atividade ilegal do marido preso.

A dupla foi presa em flagrante por homicídio qualificado, tráfico de drogas e associação para o tráfico. A DHPP representou pela prisão preventiva, que não tem prazo determinado.

“O homem confessou apenas o tráfico de drogas. A mulher, informalmente, chegou a dizer que ele teria envolvimento com o homicídio, mas, ao chegar à delegacia, preferiu se manter em silêncio”, informou o delegado.

A DHPP ainda vai aprofundar as apurações para esclarecer por que os documentos de Maria de Fátima estavam com a prima e se eles poderiam ter sido usados para abertura de empresas ligadas ao tráfico de drogas.

Por Suelen Morales

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