Capital enfrenta o desafio de transformar o descarte em responsabilidade compartilhada e cidadania ambiental
Campo Grande, que produz cerca de 20 mil toneladas de lixo por mês, conta hoje com apenas seis ecopontos para o descarte de resíduos volumosos e recicláveis – número considerado insuficiente para uma capital do porte da cidade. O engenheiro ambiental aposentado Antônio Carlos lembrou que um estudo feito ainda em 2009 já indicava a necessidade de ao menos 30 ecopontos para atender toda a área urbana.
Segundo ele, o município precisa estruturar melhor o sistema de destinação de resíduos. “O município não pode continuar aceitando resíduos de construção civil e jardinagem sem estrutura. Todas as grandes cidades têm legislação específica para isso. A Solurb precisa ter um triturador de galhos, e o estudo que fizemos mostrou que, para atender à legislação, Campo Grande precisaria de 30 ecopontos”, afirmou.
O dado foi um dos destaques da audiência pública sobre descarte irregular de lixo, realizada nesta segunda-feira (3), na Câmara Municipal, que reuniu representantes da Solurb, do Ministério Público, da Patrulha Ambiental, da Águas Guariroba e de entidades da sociedade civil.
“Não podemos cobrar o que não fazemos em casa”
Autor da proposta da audiência, o vereador Ronilço Guerreiro (Podemos) defendeu que a Câmara Municipal adote uma postura exemplar em sustentabilidade e gestão de resíduos. “Precisamos ampliar o número de ecopontos e também aumentar a quantidade de metros cúbicos que cada pessoa pode depositar. A Câmara tem que ser a primeira ‘Lixo Zero’. Não podemos cobrar da população aquilo que não fazemos em nossa própria casa”, afirmou o parlamentar.
Liderança do Legislativo
O gestor de políticas ambientais do Hospital São Julião, Bruno, defendeu que o Legislativo lidere o movimento cultural pela mudança de comportamento ambiental. Ele destacou que a Semana Lixo Zero, reconhecida internacionalmente, é uma oportunidade de fortalecimento da pauta.
“Durante a Semana Lixo Zero reforçamos esse compromisso. Como membro do comitê, faço um apelo: que a Câmara alcance o quanto antes o título de primeira Câmara Municipal Lixo Zero e que possa cobrar mudanças culturais da sociedade”, afirmou.
Bruno também cobrou o fortalecimento de espaços de participação social. “É preciso aprovar o comitê técnico como instância de controle social, incorporando o Fórum Municipal Lixo e Cidadania, que após a reforma de 2024 ficou sem apoio institucional. A primeira demanda deve ser o aumento da eficiência da coleta seletiva”, completou.
MPMS quer ação integrada e fiscalização efetiva
Representando o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o promotor de Justiça Luiz Antônio afirmou que levará ao órgão a proposta de criação do programa “MPMS Lixo Zero”. Segundo ele, combater o descarte irregular exige atuação conjunta e fiscalização permanente.
“A oportunidade muitas vezes faz o criminoso. Uma dessas oportunidades é a existência de lotes urbanos abandonados que acabam se tornando depósito irregular de lixo. O município precisa fazer a limpeza e a manutenção dessas áreas, inclusive privadas, repassando o custo aos proprietários”, explicou.
Ele também defendeu o uso de instrumentos previstos na legislação urbanística. “A Prefeitura respondeu que não há recursos humanos para a limpeza. Por isso, precisamos discutir a aplicação da legislação, com notificação, parcelamento, edificação compulsória, IPTU progressivo e desapropriação, para verificar se a lei está sendo realmente aplicada”, pontuou.
Mais de 20 mil toneladas de lixo por mês
O superintendente da CG Solurb, Elso Garcia, apresentou dados que demonstram a dimensão da operação de limpeza urbana. “São aproximadamente 20 mil toneladas de lixo recolhidas por mês, com coleta regular feita ao menos três vezes por semana. Segundo pesquisa independente realizada em 2025, os serviços da Solurb têm 98% de aprovação da população”, informou.
Elso destacou o papel dos colaboradores e da educação ambiental. “São mais de mil trabalhadores que mantêm a cidade limpa. Os ecopontos já receberam mais de mil toneladas de resíduos. Mesmo com essa rede de apoio, ainda enfrentamos pontos de descarte irregular, o que exige o envolvimento da população e dos órgãos públicos”, afirmou.
Ele alertou ainda para a atuação dos atravessadores. “Eles retiram o material de maior valor antes da Solurb. Toda a coleta feita pela empresa é destinada 100% às associações de reciclagem”, reforçou.
Mais de 10 mil flagrantes de descarte irregular
O comandante da Patrulha Ambiental da Guarda Civil Metropolitana, Giuliano Albuquerque, relatou que a unidade registrou números expressivos de infrações. “Realizamos mais de 10 mil registros de descarte irregular, com 68 flagrantes e R$ 225 mil em multas”, afirmou.
Ele explicou que, nos flagrantes, as pessoas costumam alegar falta de opções. “A justificativa mais comum é a ausência de ecopontos e o limite de 1 metro cúbico por pessoa. Hoje temos apenas 27 guardas na patrulha, e é necessário ampliar o efetivo e investir em campanhas de conscientização”, disse.
Segundo Giuliano, a patrulha ambiental também ajuda a reduzir furtos de fios de cobre e outros crimes associados a áreas de descarte.
Lixo causa entupimentos e onera saneamento
O gerente da central de serviços da Águas Guariroba, Daniel Santos, alertou que o descarte irregular de resíduos provoca impactos diretos na rede de saneamento e nos córregos.
“Campo Grande é reconhecida pela arborização e pela universalização do saneamento, mas o lixo mal acondicionado entope bueiros e chega aos mananciais, o que aumenta os custos de tratamento da água”, explicou.
Ele destacou ainda a dimensão do problema. “Temos 4.300 quilômetros de rede de água e 4.100 quilômetros de esgoto. São mais de 700 desobstruções por mês, e 98% delas são causadas por lixo irregular”, completou.
“Antes de punir, é preciso dar instrumentos à sociedade”
O arquiteto Wagner Franco Abrão, morador do bairro Guanandi, destacou as dificuldades enfrentadas pelos moradores devido à distância entre os ecopontos e à falta de conscientização. “No Guanandi, o descarte irregular é frequente. O ecoponto mais próximo fica no Oliveira. A maior parte do volume vem de restos de construção e jardinagem, feitos por profissionais e não pela população comum. Essas empresas deveriam custear o descarte”, observou.
Para ele, o foco deve ser educativo. “A polícia não tem efetivo para atender, e a punição deveria ser a última instância. Na Alemanha, há máquinas em supermercados onde a pessoa deposita garrafas e recebe crédito. Antes de punir, é preciso oferecer instrumentos e educação ambiental”, afirmou.
Catadores cobram reconhecimento
Representando os catadores de materiais recicláveis, Daniel Abelar, presidente da Rede Forte e da Comper e integrante do Movimento Nacional dos Catadores, lamentou o esvaziamento da audiência. “É muito triste chegar num debate tão importante e ver a Casa vazia”, declarou.
Ele destacou a importância dos catadores na limpeza urbana e na economia circular. “Das 550 toneladas que chegam à UTR, 50% são rejeitos. Vivemos apenas do material reciclado, não recebemos pelo serviço que prestamos. Se não estivéssemos ali, certamente o município pagaria uma empresa para fazer o que nós fazemos. Lutamos para tirar catadores dos lixões e garantir dignidade a esses trabalhadores”, afirmou.
Por Suelen Morales
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