Com mais de 1,3 mil casos em 2025, tuberculose avança em MS e sistema prisional concentra maior risco

Foto: divulgação
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Infectologista alerta que até 40% da carga da doença em MS está ligada direta ou indiretamente ao sistema prisional

Com mais de 1,3 mil novos casos registrados em 2025, Mato Grosso do Sul enfrenta, nos últimos anos, um cenário de crescimento no número de diagnósticos de tuberculose. A doença segue com alta incidência no Estado e atinge desde usuários das UBS (Unidades Básicas de Saúde) até o sistema prisional, considerado hoje um dos principais focos de transmissão.

Segundo a SES (Secretaria de Estado de Saúde), o aumento dos casos deve ser analisado dentro de um contexto mais amplo, que envolve tanto fatores estruturais quanto operacionais. Entre eles estão a melhoria na detecção e no diagnóstico, com a incorporação de novas tecnologias disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, além do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, que tem ampliado a capacidade de identificação precoce da doença.

Apesar dos avanços no diagnóstico, a tuberculose segue atingindo de forma mais intensa populações em situação de maior vulnerabilidade, como as pessoas privadas de liberdade. De acordo com a SES, em 2024 foram registrados 263 casos novos de tuberculose no sistema prisional. Já em 2025, até o momento, foram notificados 84 novos casos.

Para o infectologista, professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e pesquisador da Fiocruz/MS, Júlio Croda, os estabelecimentos penais são hoje os locais de maior transmissão da doença no Estado. “Dentro dos estabelecimentos penais a gente tem uma taxa elevadíssima de tuberculose em pessoas privadas de liberdade, justamente por conta das condições de encarceramento e da superlotação, que favorecem a transmissão”, explica.

Segundo o especialista, o crescimento da população carcerária tem impacto direto na incidência da tuberculose.

“O Brasil tem uma taxa de encarceramento que vem crescendo nas últimas duas décadas. Em Mato Grosso do Sul isso é ainda mais evidente, por ser um estado fronteiriço, rota do tráfico de drogas entre Bolívia e Paraguai. Hoje, o Estado tem a maior taxa de encarceramento do país, e isso favorece bastante a transmissão da tuberculose”, afirma Croda.

O impacto vai além dos muros das prisões. Estimativas apontam que cerca de 20% dos casos de tuberculose no Estado são notificados dentro do sistema prisional, e aproximadamente 40% da carga da doença em Mato Grosso do Sul está relacionada direta ou indiretamente às pessoas privadas de liberdade. Isso inclui familiares, visitantes, profissionais de saúde e a comunidade em geral, após a saída desses internos do sistema.

“Se conseguirmos controlar a tuberculose no sistema prisional, podemos reduzir até 40% da carga da doença em todo o Estado, atuando em menos de 1% da população. Qualquer intervenção dentro das prisões é extremamente custo-efetiva e impacta diretamente a comunidade”, destaca o pesquisador.

Raio-X portátil e rastreio contínuo

Para conter o avanço da tuberculose nas unidades penais, Mato Grosso do Sul aposta em estratégias específicas. O Estado mantém um programa contínuo de triagem, tratamento e monitoramento no sistema prisional, com atuação das equipes de saúde que atendem diretamente essas unidades.

Além das atividades rotineiras, há parcerias com equipes de pesquisa, que realizam ações de rastreio, diagnóstico e acompanhamento do tratamento. Um dos destaques é o uso de raio-X portátil, aliado à coleta de escarro, o que permite identificar casos de forma mais rápida e ampliar o acesso ao diagnóstico.

Essas ações fazem parte do projeto “Saúde Prisional em Foco”, que busca garantir atenção integral à população custodiada e contribuir para a redução da incidência da tuberculose dentro do sistema prisional estadual.

Cenário da doença no Estado

De acordo com dados do Sinan-Tabwin (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), Mato Grosso do Sul registrou 1.532 casos novos de tuberculose em 2024. Em 2025, até o momento, já foram notificados 1.351 casos novos.

Em relação à mortalidade, o dado mais recente disponível é de 2023, com taxa de 3,6 óbitos por 100 mil habitantes, conforme o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Os dados de 2024 e 2025 ainda não estão consolidados.

Para enfrentar o cenário, a SES adotou uma série de estratégias, entre elas a ampliação da rede de diagnóstico em todo o Estado; o uso do Teste Rápido Molecular para populações vulneráveis; a disponibilização de cultura e testes de sensibilidade para 100% dos municípios por meio do Lacen; a implementação de novas tecnologias, como o LF-LAM, voltado a pacientes vivendo com HIV; além do incentivo financeiro a 33 municípios prioritários.

Expansão do sistema prisional

Paralelamente às ações de saúde, o Governo de Mato Grosso do Sul executa um plano de expansão da infraestrutura prisional. Estão previstos quatro novos presídios masculinos de regime fechado, que somarão 1.632 novas vagas, três em Campo Grande e um em Ponta Porã.

Também estão em andamento duas ampliações: uma na Penitenciária de Dois Irmãos do Buriti, com acréscimo de 186 vagas, e outra no Presídio de Trânsito, em Campo Grande, com mais 136 vagas. No total, serão abertas 1.954 novas vagas no regime fechado masculino.

No dia 3 de dezembro, a Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos) publicou no Diário Oficial do Estado o aviso de licitação para a construção de três dessas unidades, que farão parte do Complexo da Gameleira, na Capital.

Especialista explica sintomas, transmissão e cura da tuberculose

A tuberculose é uma doença infecciosa transmitida pelo ar e segue sendo um desafio para a saúde pública, especialmente em ambientes com grande concentração de pessoas. Segundo o infectologista Júlio Croda, a transmissão ocorre por meio de aerossóis liberados durante ações cotidianas, como falar, tossir ou até respirar.

“A tuberculose está presente no ar. Quando uma pessoa com a doença tosse, fala ou respira, pode liberar partículas que permanecem suspensas e infectar outras pessoas, principalmente em locais fechados e com aglomeração”, explica.

Em relação aos sintomas, Croda destaca que o sinal mais comum é a tosse persistente, geralmente associada à febre e, em alguns casos, à perda de peso. No entanto, ele alerta que a doença pode se manifestar de forma silenciosa nos estágios iniciais. “Eventualmente, a tuberculose pode ser assintomática ou apresentar sintomas muito leves no começo, o que dificulta o diagnóstico precoce”, afirma.

Apesar disso, o especialista reforça que a tuberculose tem cura, desde que o tratamento seja iniciado de forma adequada e no tempo correto. “Quando a tosse e a febre se prolongam por mais de uma, duas ou três semanas, e outras infecções respiratórias já foram descartadas, é fundamental investigar a tuberculose”, orienta.

O tratamento é considerado altamente eficaz. “O esquema terapêutico dura seis meses e a taxa de cura ultrapassa 99% dos casos quando o tratamento é seguido corretamente”, destaca Croda. Por isso, o diagnóstico precoce e a adesão ao tratamento são apontados como fundamentais para interromper a cadeia de transmissão da doença.

 

Por Geane Beserra

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