Nos últimos quatro anos foram registradas 763 notificações de acidentes com polinizadores em Mato Grosso do Sul
Em países tropicais, acidentes com animais peçonhentos compõem grande parte dos óbitos e atendimentos emergenciais. Ainda, de acordo com pesquisa realizada na UFGD (Universidade Federal de Grande Dourados), essa é a segunda causa de envenenamento humano no Brasil. Segundo o Civitox (Centro Integrado de Vigilância Toxicológica), foram registradas 763 notificações por acidentes com abelhas no Mato Grosso do Sul de 2019 a 2023.
Realizada por acadêmicos da UFGD, a pesquisa apresenta um perfil epidemiológico dos acidentes por animais peçonhentos no Mato Grosso do Sul. Ainda que o estudo revele dados de 2019, o tema traz à tona um fato recorrente em Campo Grande. No primeiro domingo deste mês, uma criança de 6 anos sofreu mais de 1.100 picadas por enxame. O caso a princípio foi atendido pela Upa Leblon, que prontamente medicou o paciente com altas doses de anti-flamatório e imunossupressores. Segundo o médico pediatra e toxicologista Sandro Benites, que atendeu a criança ao ser transferida para o Hospital Regional, explica as consequências da picada no corpo.
“Quando você tem mais de cem picadas em crianças e mais de quinhentas picadas em adultos, há o risco de morte, acontece o óbito. Quando a pessoa é alérgica, basta uma picada e ela desenvolve aquele edema de glote e reação inflamatória. Nesse caso, todos sofrem, porque é uma intoxicação maciça. Por causa disso, a única coisa a ser feita é ir para a unidade de saúde mais próxima”, detalha.
Os meses de dezembro, janeiro e fevereiro são os mais propícios à ocorrência de acidentes, segundo o médico. O clima chuvoso e quente são alguns dos fatores que contribuem para os acidentes. “As abelhas atacam por vários motivos, se você chega próximo à colmeia, na tentativa de se defender, elas atacam. E meses chuvosos e quentes, como este, no qual elas procuram por novas colmeias, quem estiver no meio do caminho pode sofrer as consequências”, explica Benites.
Em contato com a equipe de reportagem, Celio Samuel, 33, pai da criança, afirma que o filho está bem, mas em fase de recuperação. “Ele está bem, graças a Deus. Antes ele estava com o aparelho, mas agora vai bem. Mas antes ele inchou e inchou muito”, revelou. Celio preferiu não detalhar o ocorrido, mas ao ser atendido no hospital, a criança ficou dez dias em ventilação mecânica. Esse é o segundo caso grave que o médico pediatra trata este ano. Com mais de duas mil picadas, o outro paciente veio a óbito.
118.385 acidentes com abelhas
No período, mas em âmbito nacional, foram registrados 118.385 acidentes com abelhas, conforme dados do Datasus. O número é consideravelmente inferior aos 164.921 acidentes com serpentes e muito menor do que os 871.526 com escorpiões, registrados no mesmo período. O mesmo cenário acontece em Mato Grosso do Sul, conforme comenta o biólogo e mestrando em Ecologia e Conservação, Eduardo Cerqueira. “Especificamente em Mato Grosso do Sul, os acidentes com abelhas totalizaram 1.973 notificações no mesmo intervalo de tempo, enquanto os registros de acidentes com serpentes foram de 2.141, e os com escorpiões atingiram 17.194”.
Os dados refletem, em grande maioria, casos de média e alta gravidade, como ataques de enxames ou reações alérgicas severas (anafilaxia). Cerqueira ainda salienta sobre subnotificações nesses casos. “É crucial destacar que os acidentes com abelhas enfrentam um problema significativo de subnotificação. Muitos casos leves não são registrados, pois as vítimas geralmente não procuram atendimento médico, diferentemente dos acidentes com serpentes, que frequentemente exigem tratamento específico com soro antiofídico”, acrescenta.
Espécie peçonhenta e prevenção
As abelhas peçonhentas que geralmente ocorrem acidentes é a Apis mellifera, conhecida como Abelha Europa, salienta o biólogo. As nativas brasileiras não possuem ferrão funcional e nem produzem peçonha, afirma o profissional. “Somente as abelhas solitárias que são nativas do Brasil têm ferrão, mas os acidentes com elas são muitíssimo raros”.
Conforme Cerqueira, um enxame de abelha chega a ter de 80 a 100 mil indivíduos. Quando as abelhas se defendem, por consequência, a defesa dos animais pode ser mais letal que o ataque de um escorpião ou cobra, visto que são inúmeras ferroadas. Quanto aos métodos preventivos e manejo, o biólogo recomenda evitar movimentos bruscos e contatar especialistas. “Em locais próximos a apiários ou onde enxames sejam avistados, deve-se evitar movimentos bruscos. Os bombeiros devem ser notificados imediatamente. Em situações de ataque, é fundamental buscar abrigo rapidamente, cobrindo o rosto para proteger áreas sensíveis, como olhos, nariz e boca, bem como outras partes do corpo com a pele exposta”.
Por Ana Cavalcante